29.9.06

Quarto com vista para o concerto do André Sardet... que eu não conhecia, mas que não é mau (excepto quando conversa com o público)!
Amanhã vai ser Boss AC. O Fórum festeja 8 anos.

Só depois vou poder adormecer cedinho... :)


Click na foto para aumentar



- No dia seguinte, 17h -
Boss AC ensaia. Bué de nice bué de bom. Já há público.
Nada como tentar trabalhar ao som de Hip Hop. até porque Hip Hop é ouvir este ganda beat e abanar a cabeça. daqui a pouco sei as letras todas. Ei, estou a ouvir Mozart fundido com sirenes!

Inquiétante intimité

Marcia Lorenzato
Féminin moi. Infografia impressa sobre papel

Marcia Lorenzato
Épuise moi. Infografia impressa sobre papel


Em 2004 utilizei uma foto de Marcia Lorenzato para ilustrar um texto. Foi então que a fotógrafa me escreveu a agradecer a divulgação do seu trabalho, declarando que gostara, que gostava, de ver as suas fotos associadas a interpretações particulares. Marcia Lorenzato, criadora, tornava-se espectadora das reacções à sua obra. É verdade que a emoção que a sua fotografia me suscitou, convergiu com a intenção das palavras que queria expressar.

Fui seguindo o trabalho de Marcia Lorenzato, artista de origem brasileira, nascida em São Paulo, que viveu na Europa e no Canadá. De resto, ela ainda trabalha no Quebec, onde está a terminar um doutoramento em Teoria e Práctica das Artes. Este mês, em Montréal, a Galeria Art Mûr apresentou uma exposição sua intitulada Inquiétante Intimité. Sobre essas criações, diz Danielle Leenaerts, crítica de arte, professora na Université Libre de Bruxelles: Que ce soit par l’installation ou par le collage d’images photographiques retravaillées ensuite électroniquement, Marcia Lorenzato produit des représentations complexes. À partir de préoccupations récurrentes, qui sont celles du passage du temps, de la transmission intergénérationnelle, des relations de l’individu à son environnement, elle crée des variations chaque fois renouvelées, qui cherchent à stimuler l’imaginaire du spectateur.

A mim agrada-me muito a sua fixação em objectos, fragmentos, pedaços de um ambiente que parece, é, familiar, e que ela transforma, envolve, em cor e movimento, até nos aproximar da sensação de mundo onírico, flutuante. Mas o que mais me aproxima da sua obra, e quanta subjectividade contém esta afirmação, é a ideia de fragilidade que sempre me ocorre. Como se tudo se pudesse desfazer, desvanecer, desaparecer de um momento para o outro.


Marcia Lorenzato
Passage

28.9.06

O texto é um raio cujo trovão só se ouve muito tempo depois. algumas das tuas palavras também

Marcia Lorenzato


Se olhar para fora, verá em frente uma cerca de cactos. É a maior das redondezas. Repare no tronco, lenhoso até cima. Por aí se vê a idade: cento e cinquenta anos, no mínimo. Era uma noite como a de hoje, só que com luar. Lua cheia. Não sei se o senhor já reparou nos efeitos que a lua produz nestes sítios, como a sua luz parece projectar-se sobre o cenário da nossa vida de todos os dias, mas com a aparência de ser a sua imagem ou réplica.


in Histórias e Contos, de Walter Benjamim, extracto de A Cerca de Cactos, pp70

Para o meu pai.

Os meus dias são melhores que as minhas noites

Vocês sabem, hoje é dia de Natasha Atlas (no Music Hall caseiro também há música árabe). Vocês, aveirenses, fiquem também a saber: hoje é dia de Os Quatro Elementos na Fábrica da Ciência Viva (às 21:30). Vocês não sabem, mas eu digo, o meu pai faz anos. E então, o que faço hoje à noite? Nada. As meninas têm escola na sexta bem cedinho, pelo que o jantar com o vôvô se faz no Sábado e não tenho baby-sitter para ir para o laru. Mas não faz mal..., desde que haja um bom livro, fico bem... cof cof :)


27.9.06

Sessões contínuas

Foto MRF

Durante as férias em França, ficámos alojados numa casa em que um quadro com uma enorme colagem de fotos de Marilyn Monroe chamava a atenção. Essa composição, elaborada, e entretanto abandonada, por alguma adolescente sonhadora, acabou por se tornar o centro das atenções de uma das minhas filhas de seis anos. Quem é, se existe mesmo (esta é uma pergunta recorrente para todas as figuras que ela vê na televisão ou em fotografias de revistas, do Primeiro-Ministro à Floribella), onde está essa pessoa naquele preciso momento, se está a fazer o que se vê na imagem, ah morreu!, se era velhinha quando morreu, se já foi há muito tempo, quanto tempo, etc.. Mal chegámos a Portugal, por coincidência, soube que ia ser transmitido um filme da Marilyn - Marilyn quê? Monrô! - num sábado à noite, e todos os dias perguntava quantos dias faltavam, depois quantas horas. Acabou por ver Bus Stop/Paragem de Autocarro, e desde então, pergunta todos os fins de semana se vai passar outro filme da Marilyn Monrô. As Winx ainda não foram destronadas, mas falta pouco!

Tenho o hábito de comprar imensas revistas que acabo por não ler, ou de que leio apenas alguns artigos e que, depois, reencontro por acaso, e então releio... às vezes os mesmos artigos... É o caso da Lire. O último número traz na capa a minha adorada Amélie Nothomb e só por isso não resisti a comprá-la. Por isso, e pelos contos (e desta vez, a entrevista) do Enrique Vila-Matas. Enfim, por acaso também há uma reportagem sobre a Camille Laurens, que já referi neste blog várias vezes, e sobre a Christine Angot, já que uma das temáticas é "escritoras insólitas". E vem um guia com os novos livros da rentrée littéraire. E um extracto do primeiro romance de Jonathan Littell (filho do escritor Robert Littell), dado como uma das melhores surpresas deste ano.


Mas eis que vejo a minha filha a ler a Lire! As suas leituras, normalmente em voz alta, são sempre muito imaginativas, até porque só agora entrou para a escola. Centro de interesse: uma reportagem com fotos da Marilyn Monroe. A Lire entrevista Michel Schneider, autor do livro Marilyn Monroe, dernières séances, e ilustra o artigo com algumas das 59 fotografias que Bert Stern tirou à actriz em 1962 (para a Vogue), agora em exposição no Museu Maillol. Com Bus Stop bem memorizado, ouvi a minha filha dizer à foto de Michel Schneider que ele tinha que ser mais meigo, que as mulheres não gostam de homens brutos, mas que se ele se portasse bem e pedisse desculpa, casava com ele.


Foi difícil explicar-lhe que neste romance se especula (ainda) sobre as circunstâncias da morte de Marilyn, que Michel Schneider se centra na relação da diva com o psicanalista (mais influente de Hollywwod) Ralph Greenson, que Michel Schneider é, ele próprio, psicanalista, que o livro acaba por abordar as relações entre o cinema e a psicanálise, porque entre 1945 e 1965 Hollywwod produziu um número imenso de filmes que representam a cura analítica, seja sob a forma do psi que resolve todos os problemas, seja sob a forma maléfica do psi louco, até porque na época de Marilyn todos os produtores, realizadores e actores se andavam a deitar em divãs, influência dos imigrantes judeus da Europa Central que traziam Freud na ponta da língua e se instalaram na Costa Oeste americana, e que Marilyn não fugia à regra, mas que Greenson fugiu a todas as regras como psicanalista e que, por isso, é possível que tenha sido ele a matá-la. Também não lhe disse que o mais importante, segundo o autor, é que este romance nos leva a reflectir sobre o conflito, em cada um de nós, entre as imagens e as palavras. A verdade não reside na imagem, mas também não está contida unicamente nas palavras. A verdade encontra-se na confrontação permanente entre imagens e palavras, entre as representações que nós temos de nós e as palavras com que conseguimos legendar essas imagens. E que Schneider nos ensina ainda que existe o que, em termos psiquiátricos, se designa por "loucura a dois": tomados separadamente as duas pessoas não são loucas; em conjunto aparece uma loucura que nunca se teria revelado nas suas vidas se as suas trajectórias não se tivessem cruzado.

Marilyn morreu. E hoje, quais são os laços entre Hollywood e a psicanálise? Segundo Michel Schneider, já não existem, até porque nos EUA a psicanálise morreu.

E na Europa? Ainda não.

Talvez um dia, um psicanalista me explique os processos inconscientes que levaram a minha filha a fixar a imagem de uma (falsa) loira, bela e frágil, a posar em diferentes posições numa manta de retalhos criada por uma outra menina, há uma ou duas gerações atrás, também ela certamente apaixonada pelas mesmas imagens. Qual a génese destes mitos de eterno retorno?


25.9.06

República e Laicidade

Picasso, Marianne


Comecemos por definir laicidade. Segundo Étíenne Pion (EP), é um conjunto de valores e ao mesmo tempo um sistema de vida social e cívica. Quais são esses valores? O primeiro é o da liberdade absoluta da consciência, a liberdade de crer ou não num Deus, de ter uma religião ou de mudar de religião, ou de ser ateu. Quebra-se assim uma ideia preconcebida em relação à laicidade. Segundo EP um ateu é geralmente laico mas nem todos os laicos são ateus.

O segundo valor ou princípio é o de que a liberdade de consciência supõe liberdade de expressão. Seria um paradoxo poder pensar e não poder expressar o pensamento. (...)

Todos estes aspectos dizem respeito a um conjunto de valores abstractos e filosóficos que caracterizam o pensamento laico. Mas existe uma segunda perspectiva obrigatória a ter em conta para compreender a laicidade. É preciso compreender como os sistemas sociais, cívicos e jurídicos, regulados por instituições, aplicam o ideal laico. (...)



Escrevi uma série de três textos sobre a questão da laicidade em Fevereiro/Março de 2005, por ocasião da passagem por Aveiro de Étienne Pion, presidente da CAEDEL - Centre d’Action Européénne Démocratique et Laïque. Agora, a Associação República e Laicidade, está a colocar no seu novo site/blog alguns "textos de referência" do seu arquivo e esses meus textos estão on line. Porque Étienne Pion é absolutamente esclarecedor relativamente à(s) problemática(s) da laicidade, penso que vale a pena ler o texto na íntegra. Se ainda não conhecem, esta é também uma boa ocasião para ficarem a conhecer a Associação República e Laicidade e pensar numa possível adesão.

24.9.06

Sophie Auster


A menina de Paul Auster cresceu e, com menos de 20 anos, já canta assim (obrigada pelo link, wasted blues!).

Lançou um álbum, Actes Sud, com os músicos do grupo One Ring Zero, Michael Hearst e Joshua Camp.

Alguns textos foram escritos por Sophie (
The Door, Walking The Wire) e Paul Auster (Close Your Eyes, Sailor Girl, Jitterbug Waltz). O escritor é também o autor das adaptações dos poemas de Robert Desnos (The Last Poem), Tristan Tzara (Word Eat), Paul Eluard (The Lover), Philippe Soupault (The Swimmer) e Guillaume Apollinaire (Le Pont Mirabeau).


Um álbum com onze baladas românticas um pouco
retro, e, ninguém contestará, intemporais.


Outra boa notícia é que esta bela Sophie, anda pelo nosso país a filmar The Inner Life of Martin Frost, uma adaptação de O Livro das Ilusões. Para quem continua a preferir o pai (eu!), parece que também foi/será possível encontrá-lo.

23.9.06

Tu estás aqui

Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala e pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho para fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir umas coisas das outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui.


in Poemas de Ruy Belo - ditos por Luís Miguel Cintra, Assírio & Alvim / Sons, 2003

Anja Garbarek

BALLOON MOOD


[This video was made as part of an EPK to introduce Anja to the UK when she signed to BMG(UK) with her "Balloon Mood" album in 1997]


Ela odeia o que é previsível. Por isso acompanha textos sombrios com melodias calmas, conjuga a doçura com o macabro. As palavras são a base das composições. As palavras têm um ritmo e uma sonoridade própria, criam uma atmosfera.

Não toca nenhum instrumento. Mas tem a música no sangue, o seu pai era Jon Garbarek. Ainda é ele que se ocupa das cordas e do saxofone nos arranjos das canções.

Em 2003 foi mãe. O nascimento do filho desestabilizou-a, sentiu que perdia criatividade. Até que recomeçou a escrever.
Depois de alguns anos a viver em Londres, voltou a Oslo, a sua terra natal.

Primeiro álbum (1992): Velkommen Inn (Come On In) ; segundo álbum (1996): Balloon Mood; terceiro (2001): Similing & Waving; último álbum: Briefly Shaking.

22.9.06

SubRosa



Ela tem um brilhozinho nos olhos e talvez use saias rodadas e ande com o cabelo nos ombros passeando de cá para lá como as ondas do mar. Conheço mal esses olhos mas nunca me engano, e o que aconteceu, digam lá,

é que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa
no mundo não há.

E depois isto sabe-me a pouco, isto sabe-me a pouco, portanto, isto sabe-me a tanto:
o seu
SUBROSA faz cinco anos! Sursum Corda!

Presente com um grande laçarote cor-de-rosa: esta canção de Sérgio Godinho, via Sonoridades

Se tiverem a impressão #2

... que, pela sua dupla mensagem, a linguagem conotada da publicidade reintroduz o sonho na humanidade dos compradores: o sonho quer dizer, sem dúvida, uma certa alienação (a da sociedade concorrencial) mas também uma certa verdade (a da poesia) (Barthes, 1985: 168)*, saibam que pode não ser apenas uma impressão.

inserção de anúncio, sonho que aliena, verdade poética: Orange, de Luc Besson.

* BARTHES, Roland, A Aventura Semiológica, Lisboa, Edições 70, 1985

Se tiverem a impressão #1

... que a duração média dos anúncios publicitários na televisão aumentou, saibam que não é só uma impressão.

Em Agosto de 2006, foram 57 407 as peças publicitárias passadas nos écrãs da RTP1, 2:, SIC e TVI, considerando todos os tipos de publicidade à excepção das auto-promoções dos canais. Este montante equivale a uma média diária de 463 inserções de publicidade por canal.

Mais informações: Marktest

21.9.06

Natasha Atlas. dia 28 na Casa da Música



Tem origem egipcia, palestina e marroquina, mas viveu sempre na Europa. Os primeiros anos passou-os no quarteirão marroquino de Bruxelas e foi aí que aprendeu as técnicas de raks charki (dança do ventre) que ainda hoje utiliza em cena. Já adolescente, mudou-se para Inglaterra com a família, e é neste país que inicia a sua carreira como cantora. Fala correntemente francês, espanhol, árabe e inglês. A sua música funde todas estas influências. Mistura ritmos do Magrebe e egípcios com sonoridades ocidentais.
Em 1994 encontra os tecno-world Transglobal Underground e torna-se a sua vocalista principal. É com a ajuda de músicos deste grupo que lança o seu primeiro álbum, Diaspora. Ouçam-na no Festival de Jazz de Montreux (2004).

Em 1996 é lançado Halim, uma homenagem ao grande cantor egípcio Abdel Halim Hafez.
Gafsa é uma canção deste álbum e neste vídeo poderão ouvi-la como fundo musical de uma cena do filme sul-coreano bin-jib (Ferro 3), do realizador Kim Ki-Duk.
Natasha Atlas tem participado nas bandas sonoras de vários filmes: o muito falado Intervention Divine de Elia Suleiman (Palestina); Dunia de Jocelyne Saab (um filme que se tornou polémico no Egipto por abordar a questão da excisão feminina).

Em 1999 aparece Gedida, o álbum que inclui a famosa canção Mon Amie La Rose. A sua interpretação desta canção de Françoise Hardy tornou-a famosa em todo o mundo, oriente e ocidente.

Em 2001 ela lança outro álbum, Ayeshteni. Seguem-se Put A Spell On You em 2002 e Something Dangerous em 2003. Finalmente, em 2005, é editado um best of que reune as melhores canções de Natasha Atlas.

É maravilhosamente dançavel e eu já imagino a festa no dia 28.



P.S.: ... mas, neste género musical, a minha cantora preferida é mesmo Majida El Roumi

20.9.06

Hoje, às 22h no Mercado Negro

Ciclo de cinema LOOK THE BOOK

Hiroshima, Mon Amour
de Alain Resnais

a partir do livro de Marguerite Duras
(França/Japão, 1959, legendas em espanhol)

entrada livre

Associação Cultural Mercado Negro
R. João Mendonça, 17, 3800-200 Aveiro

Ask the dust ou da poeira do tempo

Barbara Stanwyck, 1937

E perguntam vocês___ Barbara Stanwick? Pois, já vos conto tudo. Mas ela vem mesmo a propósito agora que está a decorrer o 10° Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa (de 15 a 24 de Setembro). Se a Barbara era lésbica? Não sei, não interessa. O que quis registar aqui foi a imagem da mulher que, pela primeira vez, ousou representar o papel de uma lésbica num filme de Hollywood. Barbara Stanwick foi Jo Courtney em 1962 no filme Walk on the wild side de Robert Dmytryk (They said, hey Sugar, take a walk on the wild side, I said, hey honey, take a walk on the wild side. esqueçam o Lou Reed).

E como é que soube isso? Porque andei a investigar os argumentos escritos pelo escritor americano John Fante e o Lou Reed pulsou a tecla do filme com o mesmo nome da canção. Disse John Fante. Why?__ Já viram Ask the Dust? Então já sabem que este é um filme que não se aconselha. Quanto ao autor do livro que inspirou o realizador Robert Towne, fiquei curiosa: em 1980, Charles Bukowski exigiu à sua editora que o livro Ask the Dust fosse republicado (não enviou novos trabalhos à Black Sparrow Press enquanto isso não aconteceu) e as questões colocadas por Arturo Bandini, o protagonista deste e outros livros de Fante, o seu alter-ego, dizem, __ sobre a escrita, a ambição, a imigração, permanecem actuais. O filme permitiu-me perceber um pouco do universo do escritor. Mas sinceramente, salta à vista que Robert Towne não sabe escrever diálogos, ele torna patético o que poderia ser belo. Os dois actores principais, plenos de atributos físicos, Salma Hayek e Colin Farrell, parecem tolos. Salva a este filme uma soberba fotografia. ou melhor, não salva. Melhor mesmo é começar a procurar umas traduções de John Fante. ou ver uns filmes com a Barbara Stanwick. que eles sim, resistem à poeira do tempo.

Volver II

A voz que Penélope não tem é de Estrella Morente. Ouçam a sua versão de "Volver", o mítico tango do argentino Carlos Gardel. A aplaudir, toda a equipa do filme. Sim, a bela Penélope também.

19.9.06

Volver a este universo de mulheres

Gostei de Volver a este universo de mulheres. Penélope Cruz está mesmo potente, mais carnal que nunca, tão cheia de formas e de realidade que quase se toca. Carmen Maura é o melhor fantasma de cabelo pintado que já vi. Mulheres de todas as formas e imensas virtudes que vivem para além dos cabrones que amaram. Um filme intensamente espanhol, ou não fosse Almodóvar o seu realizador. Um filme intensamente Almodóvar. E esse é o trunfo e o joker do filme. Surpreendente e previsível.






18.9.06

Um dia por Darfur


Foi ontem. Não chega. Não chegou a tempo. Em 2004, já era muito tarde.

Os números apontam agora para 300 mil mortos e 2 milhões de refugiados. O conflito teve início em Fevereiro de 2003. Em Setembro de 2006 (a semana passada) o Conselho de Segurança da ONU finalmente aprovou uma resolução que prevê o envio de 20 mil capacetes azuis, em substituição da inoperante força da União Africana (UA)___ mas não se avança porque o Governo sudanês, este Governo sudanês, recusa a presença de mais soldados estrangeiros no seu território?

A memória do genocídio no Ruanda em 1994 não foi suficiente para evitar uma nova crise humanitária. Invadem-se Estados que (alegadamente) têm ligações à Al-Qaida e não se intervém na defesa de populações atacadas por milícias como a Janjaweed. Um dia por Darfur, todos os dias por Darfur, até se encontrar uma solução para o conflito! Mas para quando um minuto de silêncio pelos Estados que compõem o Conselho de Segurança da ONU?

Sem esquecer, é claro, as sábias palavras do escritor Ahmadou Kouroma: Autant que l'indifférence et l'hypocrisie des pays du Nord, il faut fustiger les Africains eux-mêmes, dénonçant le fatalisme lié aux croyances religieuses et au fétichisme, l'incurie et la corruption des dirigeants qui se sont succédé après les indépendances ou bien encore le manque d'éducation dans des régions où « les bêtes sauvages vivent mieux que les hommes ».

Subway life

16.9.06

L'amour est mort

Jacques Brel morreu a 9 de Outubro de 1978. Quase trinta anos já passaram. Mas quando o ouvimos cantar, e escutem este L'amour est mort, ficamos arrasados. Esta canção é tocante (e belíssimas são as imagens que a acompanham). E, no entanto, até há pouco tempo, não era conhecida. Foi a Universal que lançou recentemente (2003), no meio de muita polémica, uma compilação contendo cinco canções inéditas gravadas no Outono de 1977: "Mai 40", "La Cathédrale", "Sans exigences", "Avec élégance" e "L'amour est mort".

Au départ, ces chansons devaient figurer dans le dernier disque du chanteur, paru en 1977. Mais à l'époque, déjà malade, Brel avait finalement décidé de les réserver pour un deuxième album qui n'a jamais vu le jour. François Rauber, son arrangeur musical, et Gérard Jouannest, son pianiste, expliquent que le chanteur comptait les remanier. Ce dernier les considérait "comme des chansons encore inachevées d'un point de vue artistique", précise le patron de sa maison de disques, Eddie Barclay, dans une interview au "Figaro". Les trois hommes étaient convenus "de ne rien faire sans son autorisation", poursuit-il.

Talvez Brel ficasse furioso com a edição das cinco canções inacabadas mas eu espero que a sua interdição não fosse definitiva. ou que perdoe gostar tanto destas palavras, e por só me apetecer ouvir L'amour est mort.



Ils n'ont plus rien à se maudire
Ils se perforent en silence
La haine est devenue leur science
Les cris sont devenus leurs rires
L'amour est mort, l'amour est vide
Il a rejoint les goélands
La grande maison est livide
Les portes claquent à tout moment


Ils ont oublié qu'il y a peu
Strasbourg traversé en riant
Leur avait semblé bien moins grand
Qu'une grande place de banlieue
Ils ont oublié les sourires
Qu'ils déposaient tout autour d'eux
Quand je te parlais d'amoureux
C'est ceux-là que j'aimais décrire


Vers midi s'ouvrent les soirées
Qu'ébrèchent quelques sonneries
C'est toujours la même bergerie
Mais les brebis sont enragées
Il rêve à d'anciennes maîtresses
Elle s'invente son prochain amant
Ils ne voient plus dans leurs enfants
Que les défauts que l'autre y laisse


Ils ont oublié le beau temps
Où le petit jour souriait
Quand il lui récitait Hamlet
Nu comme un ver et en allemand
Ils ont oublié qu'ils vivaient
A deux, ils brûlaient mille vies
Quand je disais belle folie
C'est de ces deux que je parlais


Le piano n'est plus qu'un meuble
La cuisine pleure quelques sandwichs
Et eux ressemblent à deux derviches
Qui toupient dans le même immeuble
Elle a oublié qu'elle chantait
Il a oublié qu'elle chantait
Ils assassinent leurs nuitées
En lisant des livres fermés


Ils ont oublié qu'autrefois
Ils naviguaient de fête en fête
Quitte à s'inventer à tue-tête
Des fêtes qui n'existaient pas
Ils ont oublié les vertus
De la famine et de la bise
Quand ils dormaient dans deux valises
Et, mais nous, ma belle
Comment vas-tu?
Comment vas-tu?

Conversa da treta

Desafios são desafios e neste devemos escrever aleatóriamente seis coisas sobre nós, passando depois o testemunho a outros seis bloguistas.

1. Nasci no Dundo e ninguém nasce e abandona o lugar onde nasceu impunemente (quem é que dizia isto?). Quando em 1971 cheguei a Portugal, estranhei o país. Às vezes revivo essa impressão.
2. Por essa altura, lembro-me de que queria muito aprender a ler. Fixei, como uma fotografia, uma imagem em que estou sentada no colo do meu pai enquanto ele lê o jornal, na nossa sala que tinha as paredes verdes, e vou apontando as letras do alfabeto. Mas o que mais me fascinava era a rapidez com que os adultos falavam e a sua capacidade de dizer palavras difíceis sem hesitações. Os pivots dos telejornais eram os meus ídolos. Eles sabiam ler, fixavam tudo, e por isso tinham sido escolhidos para contar a toda a gente o que se passava de importante no mundo. Hoje, enquanto assisto às notícias penso muitas vezes que é só conversa da treta!
3. Entrei para a escola primária no exacto dia em que fiz seis anos mas, desse dia, a única imagem que guardo é a de um longo corredor, escuro, onde os meus passos ecoavam. Tudo o que me rodeava parecia mover-se em câmara lenta. Existem momentos, hoje, em que essa sensação se repete.
4. As minhas filhas, gémeas, têm seis anos, e eu sei que elas não vão esquecer o bruar da sua nova escola com quase trezentos alunos. No primeiro dia, uma delas, não conseguiu largar-me a mão. A outra aguentou o impacto mas, à noite, só queria colo. Eu também.
5. Quando estava grávida das minhas filhas encontrei a minha professora da primária e conversámos imenso. Disse-me que, menina, eu só falava quando tinha a certeza de que estava certa e que olhava para ela como se a contemplasse. Era boa aluna mas mas era difícil comunicar comigo. Hoje, não há nada que me dê mais prazer que conversar. Contudo, dou comigo muitas vezes a ter conversas da treta, pelo que perdi uma boa qualidade. Mas conservo o espanto e ainda há quem se queixe da reserva.
6. Depois de três dias de aulas, as minhas filhas estão mais confiantes. Uma delas, à saída da escola, disse-me que já sabia escrever, porque é isso que ela mais anseia (suspeito que os desenhos que tem feito não satisfaçam a pressa que tem de ser grande). A outra, que eu imaginava igualzinha a mim aos seis anos, surpreendeu-me. Trocando impressões com a sua professora fiquei a saber que, afinal, ela não é nada tímida, mas a alegria que a põe a saltar à minha volta no regresso a casa, diz-me que, lá no fundo, o que ela mais sente é alívio face à avaliação que supunha fosse acontecer quotidianamente na nova escola. Uma coisa é certa, gostaria que guardassem uma memória feliz deste tempo. Sabes, as recordações são uma espécie de claras em castelo. Bem batidas, muito firmes, fazem com que cresçamos bem. As minhas, envolvo em cremes doces, e às vezes sabem bem, outras vezes nem por isso... enfim, conversa da treta!


Passo a palavra aos blogues:
Não compreendo os homens
Não compreendo as mulheres
Farinha Amparo (Didas ou Rosarinho)
Meditassões do Jakim
mEIA vOLTa e...
Voz em Fuga

15.9.06

Então o cego perguntou, Ouviste alguma coisa ?

Manuel Luis Cochofel


Eu ouvi um tiro:

No Festival de Toronto, Fernando Meirelles anunciou que seu próximo filme será uma adaptação do brilhante romance “Ensaio sobre a cegueira”, do português José Saramago. (...)
A versão cinematográfica de “Ensaio sobre a cegueira” já faz parte do acordo de produção e distribuição que Meirelles firmou com a norte-americana Focus Features. Será um desafio e tanto para o cineasta adaptar um livro em que a absoluta maioria dos personagens não enxerga na maior parte da trama. Link

Fernando Meirelles é o realizador de Cidade de Deus (2002) e de O Fiel Jardineiro (2005). Espero ver confirmada esta aliança de talentos e que a partir de um ensaio sobre a cegueira se crie não um, mas dois ensaios sobre a lucidez. Três tiros não era mau... que eu também não gosto de ouvir os cães uivar!

13.9.06

Angel-A


Acho que é difícil não nos lembrarmos de Asas do Desejo de Win Wenders. Mas Angel-A é outro filme. É um pequeno conto. E, não tendo o argumento a qualidade do filme de culto de Wenders, é, mesmo assim, um conto fantástico, deliciosamente interpretado pelos divinos mortais Jamel Debbouze e Rie Rasmussen.


Em todos os filmes de Luc Besson existe uma personagem que está, ou melhor, é, só, profundamente só, e que estabelece uma ligação única com alguém, outro humano ou parahumano (por que não inventar uma palavra?). É a fórmula que Besson utiliza para nos levar a questionar a essência do ser humano. Como definir os universos de Jacques Mayol, Nikita, Léon, ou, neste filme, André e Angela?

Criando estes seres extremos, explora invariavelmente relações entre opostos que se atraem. Em Angel-A, como em Léon, o contraste entre as figuras/estaturas físicas dos actores torna gritante esse recurso (quem viu Léon não esquece Jean Reno e Nathalie Portman, então uma menina). Em Angel-A, como Mayol e Enzo Molinari, ou Mayol e Johana, em Le Grand Blue, André e Angela são duas personalidades absolutamente distintas que se compreendem. Os pares encontram-se, evoluem, mergulhados em enormes doses de confronto (físico, verbal), sedução, desejo, humor, até à plenitude dos sábios silêncios e da incomensurável ternura. O outro passa a ser TUDO.


Não interessa a forma de TUDO. Pode ser o fundo do mar habitado por golfinhos, a futurista Leeloo (e como Milla Jovovich se parece com Rie Rasmussen!), uma Mathilda Lolita de 12 anos, um anjo. Ama-se esse outro que é TUDO porque, por oposição, é puro, extremamente belo e encantado e dotado de uma força sobrehumana. Ao mesmo tempo, e só assim poderia nascer esse amor por TUDO, existe uma enorme fragilidade. TUDO contém sempre uma ausência de (palavras, orientação, corpo) que cria amarras. TUDO precisa do homem simples, do seu instinto de sobrevivência, da sua manha ou do seu código, da sua extrema e limitada dedicação. TUDO é o que o homem quer ser, ou o que o vai engrandecer.

O passado da(s) personagem(ns), que é desvendado aos poucos, é sempre a chave para a compreensão do laço que os dois vão criar. O passado é triste, negro, bizarro,
impossível, conferindo a um dos personagens uma aura irreal. E há sempre uma busca de salvação.

Em todos os filmes de Luc Besson, o amor que nasce entre esses dois elementos aparentemente contrários torna-se vital e libertador. A morte está sempre presente, tempera todas as relações com ameaças ou doces apelos. Em Le Grand Blue, mergulhamos no oceano da morte com pele de golfinho, suavemente. Mas normalmente, mesmo que necessária, em Besson, a morte é brutal. Desta vez ele abençoa-nos com o sonho.

André/Jamel Debbouze acaba desesperadamente agarrado a Angel-A, não suporta a condenação que é essa perda. Quem deixaria fugir o seu anjo da guarda! Mas não me lembro de outra cena igual a esta na (minha memória elementar da) História do cinema. Sobre os desejos e anseios deste anjo, nada vos digo, quero mesmo que os ouçam em francês!

E depois..., depois que o belo vos console. Paris a preto e branco, Paris e suas pontes, os truques com a câmara, às vezes óbvios, como colagens infantis, a Vitória de Samocrácia fundida com Angela/Rie Rasmussen, as asas brancas, o vôo sobre o Sena, e a música de Anja Garbarek.


Luc Besson criou alguns dos meus filmes de culto, não resisto a deixar-vos uns links que são convites à partilha. Já agora, estejam também atentos às (novas) produções da EuropCorp. É que Besson criou um dos raros estúdios independentes e integrados (associando produção e distribuição) na Europa. Se tiverem dúvidas sobre a importância de afirmar o cinema europeu no mundo ou, se quiserem, apenas, uma cinematografia que constitua uma alternativa ao modelo (modelos) americano, talvez não se espantem nem entristeçam face a situações como a que vos vou (ainda) relatar:
Na bilheteira da sala de cinema onde fui, da LUSOMUNDO, apercebi-me que os pedidos de bilhetes para as sessões de Angel-A suscitam uma reacção particular junto dos vendedores. Eles "avisam" o público de que o filme é em francês e a preto e branco. Um jovem casal à minha frente, por exemplo, acabou por desistir de ir ver o filme. Quando chegou a minha vez, e dado que o "aviso" se repetiu, queixei-me da atitude. Interessa acrescentar que esta semana, Angel-A é, provavelmente, o melhor filme em exibição em Aveiro? Mesmo que não seja! A justificação que obtive foi a de que alguns clientes já tinham pedido a devolução do preço dos bilhetes ao deparar-se com um filme com essas características - em francês (o título "Angel-A" é enganador) e a preto & branco! Fiquei sem palavras. Quando não gostamos de um livro, vamos devolvê-lo à livraria? Os nossos critérios de escolha afunilaram assim tanto? É aceitável a pedagogia ultra-pragmática aplicada nas salas de cinema?

(pausa)
(Besson, de novo:)




Não percam ainda: Léon (vídeo); o site oficial de Luc Besson; o surpreendente trailer de Arthur et les Minimoys, o anunciado último filme de Besson (como realizador).

Obrigada, DOLO EVENTUAL (link)

Gostei de ser a galinha da vizinha :))

11.9.06

Sonho de uma noite de fim de Verão

Hoje sonhei com Atico. Era uma adolescente sentada numa sala de aulas, estava perante uma prova escrita de filosofia, e lia a pergunta: "Que filósofos conheceram Atico?"

Ainda sinto a inquietação da aluna que é surpreendida por uma pergunta que não vem no programa. Olho o professor. Ele compreende o meu desconcerto de boa aluna que sabe que vai falhar e de forma amável tenta tranquilizar-me. Diz-me que essa pergunta não está incluida na avaliação. Eu sorrio. Trata-se de um jogo. Lanço-me no desafio, começo a escrever.
Estou convencida de que Atico é um filósofo grego que conheceu Sócrates ou Platão. Depois corrijo, talvez ele seja um pré-socrático. Mas, por causa de um recente jogo de Trivial, em que descobri que Arquimedes inventou o parafuso sem fim, detenho-me no problema da medida do parafuso. Arquimedes acreditava que nada do que existe é tão grande que não possa ser medido. Como se mede um parafuso sem fim?
O tempo passou e a minha folha é um rascunho. Acho importante referir Aristóteles, talvez seja essa a resposta correcta, Aristóteles integra o programa.

Observo o professor. Ele está inclinado sobre a secretária, lê um livro. De repente estende um braço, espreguiça-se, e olha para mim divertido. Deve haver aqui uma ratoeira. Releio a pergunta. Talvez Atico seja um mar ou um lugar.
O tempo passa e começo a ficar ansiosa. Não importa se errar a resposta mas quero compor uma reacção bem pensante, quero impressioná-lo. Volto aos pré-socráticos e decido listar os princípios da existência de todas as coisas, qual seria o arché de Atico?

Ele pôs-se de pé e disse "acabou o tempo". Eu acordei.
Há tanto tempo que não recordava um sonho! Pensei no meu professor de filosofia do liceu, sempre o mesmo em todos os anos, e naquela questão que apareceu num teste. "O homem da rua pergunta - que horas são, o filósofo pergunta - o que é o tempo. Comente."
Não sei se os testes americanos passaram a dominar os exames deste novo tempo. Espero que não. A adolescente tinha razão, havia uma ratoeira no teste do sonho. Atico era mesmo um lugar: uma língua.
E esse meu professor do liceu ensinou-me a gostar de filosofia e de poesia.

Um dia ofereci-lhe uma rosa com um pé enorme. Não me lembro do momento em que apareci com a rosa. Mas na minha memória, ficou para sempre, como a cena de um filme, a imagem de um velho senhor, ligeiramente obeso, a afastar-se de mim com a rosa na mão, numa postura de menino de comunhão em dia de procissão, o pé da flôr a oscilar, e, tenho a certeza, os olhos a conter com esforço umas lágrimas teimosas.

Esta semana as minhas filhas vão entrar para a escola primária, ou, como se diz agora, para o primeiro ano do primeiro ciclo. Se elas tivessem um professor assim, eu dormiria melhor.

11 de Setembro

de 2001

de 1973. Ainda controverso!

9.9.06

As vozes de Paulo José Miranda

A voz que nos trai é assim:

A rapariga dos cabelos cor de avelã de breve mel

Se a calhandra junto ao lago despe as asas,
porque te não hás-de esquecer do corpo nos meus lábios?

*

O corpo respira o corpo.
Morre à beira de um seio.

*

Crio uma incomparável beleza
e é esta a dificuldade do amor.
Estou à beira de ser outro.


O Sábio

Despojou-se das metáforas,
depois sentou-se nos seixos do rio
a escutar as águas

A voz que nos trai
Paulo José Miranda
Ed. Cotovia


A voz que nos trai, agora, chegou também à terra de ninguém. O autor é o mesmo.
À poesia, esta voz vai juntar política. Vão
até que vos doa.

O mal do mal

(...)
É preferível escrever bem acerca de Píndaro
do que escrever mal acerca de quem quer que seja.
É preferível escrever bem acerca de uma rua
do que escrever mal acerca da cidade.
Não é moral, é ontológico.
(...)

Gracias a la vida

Mercedes Sosa é uma das Divas maiores. Ela é argentina mas dá voz a toda a América Latina. Foi graças a Mercedes que descobri outras vozes que (en)cantam ou (nunca pr)escrevem. Ouçam esta interpretação muito antiga da canção Gracias a la vida (e antigo é o encontro com a canção) (que descobri agora on line nessa fantástica invenção que é o YouTube). Só penso numa palavra: alma!



Bom fim de semana! Fiquem bem.

8.9.06

e viva a independência do Brasil!

Simone minha amiga, não vou deixar passar em branco não, sobretudo depois de você me enviar estas pérolas!

Bota Chico e Elis nisso!

Aquizinho (link), Chico Buarque como a gente já nem lembra (ou sim) a gravar (com bons ingredientes, e de forma caseira) Tanto Mar: tão bonitinho!

E aqui (link), Elis Regina (diz a Simone:) "cantando um hino dos exilados políticos no tempo da ditadura, que viviam a imaginar um Brasil idílico". Sabiá!

Kothbiro

A paixão que eu tenho por este disco, En Mana Kuoyo! Sentir uma extrema subtileza e doçura, um imenso espaço para a mente vaguear. Talvez tenham retido o som de Ayub Ogada em O Fiel Jardineiro de Fernando Meirelles. Ouvir Kothbiro no final do filme foi uma espécie de cereja em cima do bolo!

Haaaaaaaaa, hajé, hajé, hajé, hajé, hajé, hajé
Haaaaaaaaa, hajé, hajé, hajé, hajé, hajé, hajé

U-ma Ku-indja Kothbiro qué luru vokétala
U-ma Ku-indja Kothbiro qué luru vokétala

(escrita em luo, língua falada no Sul do Sudão e no Norte do Quénia)

Recordem
aqui e depois digam-me até onde viajou o vosso espírito livre.
Se conhecerem uma tradução "certificada" da letra da canção, fico eternamente grata (sendo que a gratidão não pode ser uma prisão)
(andamos constantemente a criar amarras e a libertar-nos delas!)(divagar)(escrever uma errata da nossa vida: os momentos das más decisões - sugestão de George Steiner)
(listar as pequenas grandes conquistas)(nunca salvei a humanidade)
(u-ma Ku-indja Kothbiro qué luru vokétala)(tenho a certeza que fala de liberdade)
(pensar livremente o passado altera-o?)
(ou o passado é imutável?)(pensar o passado altera o futuro?)
(os fiéis jardineiros conservam jardins de memórias?)
(existirão sempre guerreiros)(e guerreiros de afectos)
(o Ralph Fiennes é tão inglês!)
(
Haaaaaaaaa, hajé, hajé, hajé, hajé, hajé, hajé)

7.9.06

Banville, O mar e Whistler, Géricault e De La Tour

James McNeill Whistler
Mother, 1871

Estava sentada numa cadeira um pouco afastada de mim, junto à parede, de lado, na mesma postura da mãe de Whistler, com as mãos cruzadas no regaço e o rosto inclinado, pelo que as órbitas se assemelhavam a dois poços escuros e imensos. Uma luz, que julguei ser de uma vela, ardia numa mesa diante dela, projectando um círculo de luz difuso no cenário, que poderia ser um estudo de Géricault ou de De La Tour - um círculo difusamente luminoso com uma mulher sentada e um homem a andar.


Théodore Géricault
Estudo de cabeça


Georges De La Tour
Madalena com a vela fumegante, 1640


Transcrição: in Banville, John, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, p. 161

Imagens: Whistler Mother, An American Icon; Web Gallery of Art

6.9.06

Para não esquecer


Ingrid Betancourt e outros sequestrados pelas FARC não podem ser esquecidos. Nem lembrados pelas piores razões (pelo que a questão que se coloca aqui é muito pertinente).

Ver: Tugir, Canhoto, e outros tantos blogues que decidiram não esquecer

Banville, O mar e Vermeer

A memória não gosta do movimento, prefere reter as coisas imobilizadas e, como acontece com tantas cenas evocadas, estou a ver esta como se fosse um quadro. Rose com o busto inclinado para a frente e as mãos apoiadas nos joelhos, o cabelo caído a tapar-lhe o rosto numa madeixa comprida e brilhante, a escorrer espuma de sabão. Está descalça, vejo-lhe os dedos dos pés sobre a erva crescida, veste uma daquelas blusas de linho branco, de mangas curtas, vagamente tirolesas, tão populares na altura, tufadas na cintura e cingidas nos ombros, bordadas no peito num desenho abstracto a ponto-cruz vermelho e azul-prussiano. O decote é profundamente recortado e vislumbro os seus seios pendentes, pequenos e pontiagudos semelhantes às extremidades de dois fusos.

Johannes Vermeer, que também é conhecido como Vermeer de Delft ou Johannes van der Meer
Rapariga com jarro de leite, 1658-60



Mrs. Grace usa um roupão de cetim azul e delicados chinelos azuis, e transporta consigo para o exterior um perfume incongruente a toucador. Tem o cabelo apanhado junto às orelhas com dois ganchos ou travessões de tartaruga, acho que era assim que lhes chamavam. É visível que se levantou há pouco tempo e o rosto, iluminado pela luz da manhã, revela umas feições ásperas e desarmónicas. Está exactamente na mesma posição da rapariga com o jarro de leite de Vermmer, com a cabeça e o ombro esquerdo inclinados, uma das mãos em concha sob a densa cascata de cabelos de Rose e a outra a despejar um jacto de água prateada de um jarro de esmalte amolgado.

Transcrição: in Banville, John, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, pp 140-141
Imagens: Popular Vermeer

Banville, O mar e Duccio

Duccio di Buoninsegna
Madona e menino, 1280


Em repouso, quando ignorava que a estavam a espiar - e que espião eu era! - mantinha a cabeça inclinada para baixo num ângulo acentuado, com os olhos velados e o queixo com uma pequena covinha enfiado no ombro. Nessas alturas lembrava uma madona de Duccio, melancólica, distante, abnegada, perdida em devaneios sombrios sobre o que o futuro lhe reservara, as coisas que nunca teria.

Transcrição: in Banville, John, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, pp 141-142
Imagem: Works of DUCCIO di Buoninsegna

5.9.06

Banville, O mar e Bonnard III

Pierre Bonnard
O banho, 1925


A obra em que supostamente devia estar a trabalhar é uma monografia sobre Bonnard, um projecto modesto em que estou metido há mais tempo do que gostaria. Um pintor extraordinário, na minha opinião, sobre o qual, como há já muito percebi, não tenho nada de original a dizer. Anna costumava chamar-lhe o Noivas-no-Banho, ao mesmo tempo que soltava um gargalhada. Bonnard, Bonn'art, Bon'nargue. Não, não sou capaz de trabalhar, mas apenas de rabiscar umas coisas.
Seja como for, trabalho não é bem a palavra que eu usaria para aquilo que faço. Trabalho é um termo demasiado vasto e demasiado sério. Os operários trabalham. Os adultos trabalham. Para nós, os medíocres, não existe uma palavra suficientemente modesta que seja adequada para descrever o que fazemos e como o fazemos. Não aceito o diletantismo. É o amadorismo que é diletante, ao passo que nós, a classe ou o género de que estou a falar, somos profissionais. Os profissionais de papel de parede como Vuillard e Maurice Denis eram diligentes - e aqui está outra palavra-chave - como o seu amigo Bonnard, embora a diligência só por si não chegue, nunca é suficiente. Nós não somos nem uns baldas nem uns ociosos.(...)

Acabamos as coisas, ao passo que para o verdadeiro trabalhador, como disse o poeta Valéry, suponho que foi ele, o trabalho nunca está concluído, mas tão só suspenso. Existe uma bela vinheta em que se vê Bonnard no Museu do Luxemburgo acompanhado por um amigo, creio que era Vuillard, a quem ele pede para distrair o guarda do museu enquanto saca da caixa de tintas e refaz uma parte de um dos seus trabalhos ali expoxto há vários anos. Os verdadeiros trabalhadores morrem atormentados por um sentimento de frustação. Tanta coisa por fazer e tanta coisa que não chegou a ser feita!


in Banville, John, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, pp 29-30

Pierre Bonnard
Nu de cócoras no banho, 1940

Banville, O mar e Bonnard II

Pierre Bonnard
Mesa diante da janela, 1930-31


Ainda não descrevi Chloe. Aparentemente, não havia uma grande diferença entre nós, entre mim e ela, naquela idade, em termos do que poderia ser medido. Mesmo o cabelo, quase branco, mas cor-de-trigo quando estava molhado, pouco mais comprido era do que o meu. Usava-o cortado à pagem, com uma franja a tapar-lhe a testa bonita, arqueada e estranhamente convexa - semelhante, apercebo-me de súbito, notavelmente semelhante à testa daquela figura espectral vista de perfil a pairar na extremidade do quadro de Bonnard, Mesa diante da janela, o quadro com a taça de fruta e o livro, e a janela que mais parece uma tela vista de trás, assente num cavalete. (...)
Certo dia, um dos rapazes do Campo garantiu-me, com um sorriso dúbio, que uma franja como a de Chloe era um sinal indesmentível de uma rapariga que brincava sozinha. Ignorava o que ele queria dizer, mas tinha a certeza de que Chloe não brincava, nem sozinha nem de outro modo.

in Banville, John, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, pp 88-89

4.9.06

Banville, O mar e Bonnard

Pierre Bonnard
Marthe au gant de crin, 1920

Certo dia, em 1893, Pierre Bonnard avistou uma rapariga a descer de um eléctrico de Paris e, atraído pela sua beleza frágil e pálida, seguiu-a até ao local onde ela trabalhava, uma agência de pompes funèbres, onde passava os dias a coser pérolas em coroas mortuárias. Foi assim que, desde o início, a morte entrelaçou a sua fita negra na vida de ambos. Ele não tardou a conhecê-la - suponho que que essas coisas eram feitas com naturalidade e um certo aprumo na Belle Époque - e pouco tempo depois ela abandonou o emprego e tudo o resto na sua vida e foi viver com ele. Disse-lhe que se chamava Marthe de Méligny e que tinha dezasseis anos. Na realidade, embora só o viesse a descobrir volvidos mais de trinta anos, quando decidiu finalmente casar com ela, o seu verdadeiro nome era Maria Boursin e, quando se conheceram, não tinha dezasseis anos, mas, como Bonnard, vinte e poucos. Permaneceram juntos atravessando várias vicissitudes, cada vez mais frequentes, até à morte dela cerca de cinquenta anos depois. (...) Era reservada, ciumenta, ferozmente possessiva, sofria de um complexo de perseguição, e era uma hipocondríaca ferrenha e obstinada. Em 1927, Bonnard comprou uma casa, Le Bosquet, numa cidadezinha incaracterística, Le Cannet, na Côte d'Azur, onde viveu com Marthe, remetido a um isolamento intermitentemente atormentado, até à morte dela quinze anos depois. Em Le Bosquet, a mulher criou o hábito de passar intermináveis horas no banho, e foi no banho que Bonnard a pintou, repetidamente, dando continuidade à série mesmo depois da morte dela. Os Baignoires constituem o culminar triunfante da obra de uma vida inteira. No Nu no banho, com cão, começado em 1941, um ano antes da morte de Marthe, e apenas concluído em 1946, ela surge em tons de rosa, malva e ouro, uma deusa num mundo flutuante, emaciada, perene, simultaneamente morta e viva, e ao lado, sobre os ladrilhos, o seu pequeno cão castanho, o seu animal de estimação, suponho que um basset, vigilante, enroscado em cima duma esteira ou do que pode ser um rectângulo de luz desmaiada projectada através de uma janela invisível. O espaço estreito que lhe serve de refúgio vibra à sua volta, nas suas cores latejantes. Os pés, o esquerdo estendido na extremidade da perna imponderavelmente comprida, parecem ter deformado a banheira e provocado um bojo na extremidade esquerda e, por baixo da banheira, do mesmo lado, dentro do campo de forças, também o chão surge desalinhado e como que prestes a esgueirar-se pelo canto, não como um chão mas como uma poça de água escorregadia. Aqui tudo se move, tudo se move serenamente, num silêncio aquoso. Ouve-se um gotejar, um leve murmurejar, um suspiro trémulo. Uma mancha vermelha ferruginosa na água ao lado do ombro direito da banhista talvez seja de ferrujem ou, quem sabe, de sangue seco. (..)
Também ela, a minha Anna, quando adoeceu, adquiriu o hábito de tomar longos banhos à tarde. Dizia que a acalmavam.

Pierre Bonnard
Nu no banho, com cão, 1941-46

Transcrição: in Banville, Jonh, O Mar, ed. ASA, Junho 2006, pp 97-98

Max Morden, o protagonista deste romance em que se entrelaçam muitas histórias, é um especialista de Bonnard. A escrita do "grande livro sobre Bonnard" vai correr mal. Banville termina O Mar e Max escreveu apenas "metade de um pretenso primeiro capítulo e de um bloco de notas cheio de anotações dispersas e incipientes" (pp 163-164). Ultrapassar a perda recente de Anna e confrontar um trauma de infância vão consumir Max. vai consumir-nos. de dor e muito prazer.

e voltou a acontecer: li um mestre.