25.7.06

AVANCA 06. Estreia de Quatro Elementos




Janek Pfeifer
Arquitecto, trabalha em arquitectura e design em Portugal e Alemanha. Desenvolve trabalho na área do vídeo digital experimental.

Joaquim Pavão: o site


Textos para o booklet do DVD:

Filosofia - Desidério Murcho

A doutrina dos quatro elementos foi introduzida pelo filósofo grego Empédocles (490-430 a. C.) e exerceu uma das mais fortes influências no pensamento científico, filosófico, artístico e religioso de que há memória. As suas palavras originais, pouco conhecidas, são as seguintes: "Ouve primeiro das quatro raízes de todas as coisas: o brilhante Zeus (fogo), a Hera (ar) que dá a vida, e Adónis (terra) e Néstis (água) que humedece as origens dos homens com as suas lágrimas" (continua)

Sociologia - Maria do Rosário Fardilha

Bachelard tinha sem dúvida razão ao apresentar a água como o contrário do vinho:
miticamente, isso é verdade; sociologicamente, pelo menos hoje, já o é menos:

certas circunstâncias económicas e históricas transferiram esse papel para o leite.
Roland Barthes¹


Os quatro elementos são uma construção familiar. Pouco sabemos da sua história, da sua composição química ou dos devaneios (como diria Bachelard) que inspiraram a artistas, filósofos e cientistas, mas Água, Ar, Terra e Fogo são velhos companheiros. Os quatro elementos integram o nosso imaginário, atravessam as nossas percepções mais diversas. Desde Empédocles e Aristóteles que estruturam as nossas tentativas de explicação da natureza.

Hoje, segundo Jean Baudrillard, falar de ecologia é verificar a morte e a abstracção total da Natureza. Por toda a parte “o direito a” subscreve “o definhamento de”. O grande referente Natureza morreu e o que o substitui é o “ambiente” e uma manipulação do ambiente. O que são a “natureza” ou o “ambiente”? A projecção de um modelo social, sempre. Vejamos, o Sol “já nada tem a ver com a função simbólica colectiva que tinha (…). Já não tem aquela ambivalência duma força natural – vida e morte, benfeitor e assassino – que tinha nos cultos primitivos ou ainda no trabalho rural.”² O Sol é agora um Sol de férias, oposto ao não-Sol (chuva, frio, mau tempo). E a Terra, o Ar e a Água deixaram de ser simples forças produtivas, tornaram-se bens raros e entraram no campo do valor da economia política, pelo que a necessidade do controlo social dos “elementos”, muitas vezes sob o signo da protecção do ambiente, se reflecte também nas imagens que hoje criamos.

Um exercício simples de associações livres aos quatro elementos poderá resultar em respostas tão díspares como “signos do zodíaco”, “tabela periódica” ou “linha de perfumes da Hugo Boss”. O Ar pode ser associado ao céu, às nuvens e ao vento ou a sentimentos de liberdade ou de vazio. Se uma criança pensar em Água pode lembrar-se mais rapidamente de piscinas que do mar, uma parte dos habitantes da Terra pensarão em sede e chuva, outros em serenidade e vida. A Terra tanto significa sementes a desabrochar e abundância, como pó, mãos e pés sujos. O cheiro da terra molhada convive na imagética humana com histórias de reformas agrárias. E o Fogo “arde sem se ver”, é paixão, ou é guerra e medo, calamidade natural, incêndio. As chamas destroem ou purificam.

Cada um dos elementos pode encarnar o que simboliza. Ou seja, o Fogo não representar apenas alguma coisa mas ser ele próprio a coisa simbolizada: deus, paixão, guerra, pureza, o humano. Para Lévi-Strauss o pensamento mítico é concreto, um pensamento onde as imagens são coisas e onde as coisas são ideias, “onde as palavras dão existência ou morte às coisas”.

Cada um dos elementos pode remeter para um conceito, ou seja para um juízo ou raciocínio que estabelece uma diferença entre as nossas vivências subjectivas e a estrutura objectiva do que é analisado.

Hoje sabemos que o pensamento mítico, que pertence ao campo do pensamento simbólico e da linguagem simbólica, coexiste com o pensamento e linguagem conceptuais. Na verdade, a imaginação social transforma em mito aquilo que o pensamento conceptual elabora nas ciências e na filosofia. A percepção e simbolização da natureza (ou do ambiente) e seus elementos é embebida pelos ritmos acelerados da modernização. Em cada instante e lugar, as comunidades filtram uma visão, que funde passado, presente e futuro (isto é, o sonho). Pensar os quatro elementos hoje, significa pois, ainda, pensar o Homem.

Ar, Água, Terra e Fogo são sensações, afectos, raízes, experiências estéticas, paradigmas científicos, memória cultural, modelos sociais, estruturas económicas, ideologias, que se fundem em múltiplas percepções e imagens, ou que produzem, por “deformação” das imagens iniciais, algo que suplanta todas as realidades, o imaginário.

Também para compreender as ameaças à biosfera, é fundamental que as ciências sociais estudem este imaginário. Ele está na génese das crenças, atitudes e comportamentos dos seres humanos face ao Meio Físico. Ele condiciona o olhar e a acção das/nas sociedades face às questões ambientais.

¹ Barthes, Roland, Mitologias, Ed. 70, 1984, pp 68
²Baudrillard, Jean, Para uma Crítica da Economia Política do Signo, Ed. 70, 1981, pp 105

Sem comentários: