28.12.08

Contos caseiros de Natal

Houve um momento, já tarde, no dia 25, em que saí da sala e me fui enroscar, tomada pelo sono, no sofá ao pé da outra lareira. A lareira da copa ou da cozinha, que a casa tem medidas diferentes dos apartamentos de hoje, era a única fonte de luz. Olhando para aquele espaço, para os armários de madeira, as velhas loiças, comecei a imaginar um dia no futuro, quando todos os adultos presentes tivessem desaparecido, e qual seria a nova ordem dada às coisas, as novas linhas do mobiliário e o movimento dos novos habitantes da casa. Da sala, ecoavam as vozes de toda a família em animada conversa. Os sons difusos, os risos quase fundidos, acentuaram aquela melancolia passageira e pareciam coerentes com o cenário fantástico que criara. Um dia, a memória daquele grupo seria assim, feliz, mas indistinta. O meu filme interior durou apenas alguns instantes e não me assustou. A ideia de passar a ascendente distante numa nova árvore genealógica, o próprio facto da ideia me surgir naquele momento, era bizarro, e sorri cá dentro. Confrontava-me com a mais humana das condições, a nossa finitude. Na verdade, quando me sinto muito protegida, sinto medo, medo de perder as pessoas que me rodeiam. Aquela gente, aquela casa, é o meu ninho. A ansiedade transfigurou-se em devaneio. «Mamã, acorda!» e voltei para a sala.

Culpo-me muitas vezes por não aproveitar da melhor maneira o tempo que passo com as minhas filhas. Devia brincar mais com elas. O quotidiano acaba por ser dominado pela lista das actividades, afazeres e cuidados obrigatórios: levar, buscar à escola, levar, buscar à ginástica, à música, acompanhar os deveres escolares, os banhos, dar jantar, deitá-las, sossegá-las. Conversamos imenso mas há sempre o dever pelo meio, de educar, de castigar - um dia sem computador! - se bate na irmã, se diz asneiras - dois dias sem computador!, se não quer estudar,... As férias, esta época de Natal, deixam-nos respirar. Pela primeira vez, a Sofia tocou piano e eu acompanhei-a a cantar. Mais, voltei às aulas de música com ela, que elegi minha professora. A Ana leu para mim. A Ana já não gosta que lhe leiam histórias, agora é ela que as quer ler para nós. Normalmente ouço-a enquanto giro pela casa. Na casa dos avós, parei para a ouvir. A minha filha lê mesmo bem! Em francês também - e não foi o pai gaulês que a ensinou, aprendeu sozinha. De matemática é que não gosta, o que começa a ser problemático. Já a irmã, adora! Perceber o ADN! A Sofia tem uma loja cá em casa e vende e revende imensas coisas. Pediu-me uma máquina de calcular para o Natal. Disse-lhe que não, é preciso treinar o cálculo mental. Ficou furiosa, já sabia que também não teria a PSP (playstation)! Esta mãe só dá livros! Enfim, acabou por ter algumas surpresas. A melhor foi a câmara digital para tirar fotos e filmar.

Estive hoje a "descarregar" as primeiras fotos e vídeos que fizeram com a máquina nova. A Ana fez um filme enorme, chamou-lhe «reportagem com entrevistas». Andou a deambular por todos os cantos da casa e jardim, explicando à família e a outras pessoas «invisíveis» o que ia vendo e filmando, fazendo perguntas a quem passava (e nenhum de nós se apercebeu de que ela estava a filmar, pensávamos que tirava fotografias). As velhas ferramentas do avô, guardadas na garagem, são «antiguidades»; o sótão «não é assombrado»; a avó «é amorosa porque quando vai lá a casa a deixa ver televisão até tarde e depois lhe leva leite quentinho à cama»; todas as flores são lindas, as escadas são perigosas, «a filha Leonor é tímida»...

Na verdade, enquanto filmavam, ambas revelaram qualquer pequena coisa que eu desconhecia. Por exemplo, a Sofia decidiu atribuir ao cão Bill o título de proprietário da casa e, sendo verdade que ele é o cão mais humano que conhecemos, até o trata por tio... Com dúvidas, decidi que um dos filmes dela pode ser mostrado aqui. "Quase" não se vê a casa e não filma pessoas. Este vídeo é o seu modo de olhar os presentes que mais apreciou. É a sua doçura. E eu tenho duas filhas preciosas. A vida, finita, sempre aquém (como diria o Mário de Sá-Carneiro, que ando a reler aos quilos por causa de um trabalho para o mestrado), já valeu!



[Vídeo da Sofia, 8 anos]

22.12.08

Sports Update


Com o nível dos árbitros, Confúcio, São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, só podia ser um jogo profundamente elevado. E deixem-se de coisas, Sócrates é único!

Quase

Lucas Almeida
desenho 201


Para ouvir..., ou ler:

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão...
Mas na minh’alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


....................................................

Um pouco mais de sol – e fora brasa,
Um pouco mais de azul – e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



(Paris, 13 de Maio de 1913)

MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
in Dispersão

19.12.08

Ir até ao fim

Carvoeiro
MRF, 2007


«Quase todos os poemas foram escritos a partir de frases sublinhadas, a traço grosso, aquando da primeira leitura dos "Cadernos"...

O vento,
uma das raras coisas próprias do mundo

o vento,
empurra os odores e espalha sementes
o vento,
assobia canções de embalar entre dentes
o vento,
canta os amores coloridos e suspira fundo
o vento,
dança nas frestas e sopra as ondas do mar
o vento,
é um mensageiro alado que nos faz sonhar
o vento,
é uma das raras coisas próprias do mundo.»

Eduardo Graça in Há um momento em que a juventude se perde. É o momento em que os seres se perdem. E é preciso saber aceitar. Mas esse momento é duro.
Edição de Autor, Lisboa, Outubro 2008




Eduardo, recebi o objecto-fruto maduro, híbrido, iluminado pela «esplendorosa ressonância de estar vivo» de Jorge de Sena e pelo lirismo que decorre do «êxtase na unidade homem-natureza» em Camus. Objecto-de-autor-sensível, atravessado pela maresia e o vento do Mediterrâneo. Objecto-poema pincelado de afecto, quente, no sufoco pelo ser feminino suave, pelo filho,... Lembrei-me: «Havia tanto amor e veneração nos seus olhos (...) que alguém nele - aquele que sabia – se revoltou» - o filho revoltou-se?
e os amigos: que não querem viver fora da beleza. Obrigada. Sinto-me fraca.

Partilha:
1. Sublinhei a traço grosso:
«E, à noite, deitado, morto de cansaço, no silêncio do quarto onde a mãe dormia levemente, ainda ouvia uivar dentro dele o tumulto e o furor do vento que amaria ao longo de toda a vida.» - Albert Camus, O Primeiro Homem, Edição Livros do Brasil, 1994, pp. 219.
2. Parabéns por subir e descer a montanha
5 x 365 dias!

15.12.08

Sá-Carneiro fala de Santa-Rita Pintor que fala de Homem Cristo: Pessoa lê.

Cabeça
Guilherme Santa-Rita, 1910
Óleo sobre tela - 65,3 x 46,5 cm

"(...) Aliás o Santa-Rita não aprecia na prosa ideias, nem belezas - apenas quer música: «Escreva-me você, por exemplo, a descrição de um serrador serrando onde os rr se precipitem raspantes, e eu não terei dúvida em proclamá-lo um artista.» Mas só admite esta arte. Ora se na verdade eu admiro prosa e verso desta espécie (por exemplo, os «Violoncelos», em que se ouvem as cordas a gemerem, ou a sua «Flauta»), acho avançar muito querer reduzir a isto somente toda a literatura e amordaçar a ideia. Que diz a isto você? Outra grande admiração literária do nosso homem é, imagine quem, o Homem Cristo (pai)! Mas o Homem Cristo literato! Chama-lhe génio, cita entusiasticamente frases dele e devora O Povo de Aveiro no Exílio, que aqui se publica hebdomadariamente!... Você compreende o que pode haver de fatigante na conversa com semelhante individualidade. No entanto, sempre em desacordo, largas horas palestramos."

in Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa
Edição Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, 2001, p. 23

Natal em Alfama


De vez enquando, um assalto da saudade. Lisboa, Alfama, os amigos de há muitos anos. e foi bom ser "roubada".


Fotos MRF
Dezembro 2008

12.12.08

Exposição de postais de Natal

Um outro blogue ao qual estou particularmente ligada é___ ESTE. Se vos interessar conhecer as actividades e batalhas de uma Associação de Pais local..., espreitem! Já agora, estão convidados para ir ver uma exposição muito especial na Casa da Cultura Fernando Távora.

A S. e a A. também vão expôr as suas obras de arte... :)

10.12.08

Espessura. ou linguagem nenhuma


Ponta Delgada e Lisboa
Fotos MRF


Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa coisa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

Alberto Caeiro

À escuta #79 ou Carta de Natal dos tempos modernos

Os pedidos são cada vez mais sofisticados. São novos os tempos! Temo que nem «carinho de bebé» (mais um!), nem «pleisteichan», e jamais um «telemovel»! E o que é um «PSP»? Ou os «merofones» dos ABBA? E, ai vida, agora a carta já não é dirigida ao Pai Natal. Ainda há magia, cantam-se toadas natalícias, brinca-se com as figuras do presépio, partem-se braços a pastores e asas ao anjo Gabriel, mas quanto ao OH-OH-OH, acabou!


"1 carinho de bébé com duas cadeiras ao pé da outra.
1 nenuco muito giro.
O livro do corpo humano que eu queria e tu disseste que me ias dar no natal.
1 maquina fotografica do imaginario aquela que eu te pedi mas se te tiveres esquecido eu digo-te outra vez.
1 pleisteichan ou qualquer coisa assim.
1 PSP / 1 pleisteichain ou qualquer coisa assim que tenha merofones do ABBA e se não souberes pergunta ao papá.
1 telemovel
E outras coisas que saibas que eu gosto e já agora se tu vires alguma coisa gira ou muito gira compra."


S., 8 anos.

9.12.08

À flor da terra




"As águas frias misturam-se às águas quentes, à flor da terra ou por subterrâneos..."

Raul Brandão, Ilhas Desconhecidas (1926)


Furnas, Parque Terra Nostra
Fotos MRF

6.12.08

Tronco ou ramo

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onde espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo
E aspiro unicamente à liberdade


Antero de Quental




Ponta Delgada
Fotos MRF

5.12.08

Apoplexia


"Apoplexia da Ideia" na livraria Bulhosa de Campo de Ourique, hoje, às 18.30h.
A apresentação será feita por Isabel Mendes Ferreira.

E, de Aveiro, segue um abraço para a Maria e para a Isabel.

3.12.08

Nem tanto nem tão pouco


Nem toda a sede nos leva ao pote.
Nem toda a tosse é catarro.
Nem todas as verdades se dizem.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Nem tanto, nem tão pouco.


O projecto de formação para o Teatro Amador que a Efémero - Companhia de Teatro de Aveiro promove de dois em dois anos, terminou a sua terceira edição. Durante três meses, os 18 participantes que compuseram o corpo de formandos contactaram com as disciplinas de expressão dramática, voz, movimento e interpretação.

Daqui resultou “Nem Tanto Nem Tão Pouco”, um exercício final sob a forma de um espectáculo onde se abordam textos de autores de expressão portuguesa. Mais do que uma apresentação, “Nem Tanto Nem Tão Pouco” mostra-nos um grupo de pessoas que exprime na sua essência aquilo que a palavra amador significa: o que ama. Neste caso, os que amam o Teatro. As sessões decorrem nos dias 2, 3, 4 e 5 de Dezembro ‘08 às 21h 30.

O preço dos bilhetes é único, no valor de 4,00 euros cada, e a reserva pode ser feita para o número de telefone 234 38 65 24 ou para o email efemero@mail.telepac.pt, das 10h às 13h e das 14h 30 às 17h 30.

2.12.08

de Dezembro

Ponta Delgada
Foto MRF


Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é vôo de um pássaro
é uma canção.

Carlos Drummond de Andrade
Poemas de Dezembro [este, é de Dezembro de 1968]

1.12.08

das Comemorações #2

Os últimos redutos do patriotismo não são a monarquia nem o PCP, mas a comparação é genial! Se as monarquias estão mais próximas da natureza, já não sei se o deus de D. Duarte é o dos cristãos ou se é um deus panteísta. Viva a República! Viva a laicidade! Mas eu gostei da entrevista de D. Duarte de Bragança ao Publico.

(...)
- Porque faz sempre um discurso no 1º de Dezembro?
(...)
- Criou-se a ideia de que a nossa independência não é necessária. De que podemos depender dos outros, seja da União Europeia, seja dos americanos ou dos espanhóis. E até que seríamos mais bem governados se o fôssemos por outros.
- Isso é uma tendência recente?
- É um pensamento que data de 1910. O núcleo duro da revolução tinha como objectivo a União Ibérica. É por isso que o vermelho da bandeira portuguesa, que representa a Espanha, é maior do que o verde, que representa Portugal. E ainda hoje há quem pense assim, até alguns ilustres escritores, que deveriam ter mais juízo.
- Mas porque cabe aos monárquicos defender o patriotismo?
- Porque não vejo mais ninguém a fazê-lo. As associações dos antigos combatentes celebram o 10 de Julho, o Presidente da República comemora o Ano Novo, e o 25 de Abril, e ainda há alguns que vão ao cemitério do Alto de São João celebrar o 5 de Outubro.
- O Presidente da República deveria fazer um discurso no 1º de Dezembro?
- Sim. Se o fizer, deixo de fazer o meu.
- A monarquia é o último reduto do patriotismo?
- O último não. O Partido Comunista também é muito patriótico.
- O que há de comum entre as duas forças?
- Um certo idealismo próprio de quem adere a movimentos políticos que não dão compensações, que não dão emprego. Se um dia houver em Portugal um referendo e ganhar a causa monárquica, os movimentos monárquicos deixam de existir.
- Quem está nos grandes partidos é sempre por interesse?
- Os partidos deveriam fazer um trabalho de formação doutrinária. Digo muitas vezes aos meus amigos do PS, por exemplo, que é fundamental debater a doutrina. Para que serve hoje em dia o socialismo?
- Acredita no socialismo?
- Acredito no socialismo cooperativista, como era definido no século XIX, por Antero de Quental, ou António Sérgio.
- Poderia ter aplicação hoje em dia?
- Podia. Veja um caso concreto. Qual é hoje o sector bancário que não está em crise? O crédito agrícola. Por ser cooperativista, mutualista. O Montepio é a mesma coisa, não teve crise. São mais abertos, têm muita gente a dar opinião, a acompanhar o que eles fazem. O Crédito Agrícola é propriedade de centenas de caixas agrícolas espalhadas pelo país. Eu sou o presidente da Assembleia-Geral da Caixa Agrícola de Nelas, e temos uma participação na caixa central. Representamos mais de um milhão de portugueses, mas não nos ligam nenhuma, a nível político.
- O PS devia estar mais atento a essa realidade?
- Sim, porque o pensamento socialista original em Portugal era esse. Se o cooperativismo estivesse mais desenvolvido, vários factores beneficiariam muito.
- Mas essas empresas podem ser competitivas?
- Na Holanda, na Áustria, na Suíça, na Alemanha, na Escandinávia, grandes organizações empresariais são cooperativas. O maior banco da Holanda é uma cooperativa. Em França, o maior banco é o Crédit Agricole. Mas estas empresas têm um inconveniente: não dão tachos a ex-ministros. Nem financiam campanhas eleitorais. Por isso não são muito simpáticas.
(...)
- Acha que devia ter uma pensão do Estado?
- Não. Isso retirava-me a independência, para a minha acção política. Embora, quando faço missões pelo mundo fora, o faça em colaboração com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
- Que missões são essas?
- Neste momento, tenho um programa de desenvolvimento ambiental agrícola na Guiné-Bissau, outro em Angola, de introdução de novas técnicas de construção civil, outro em Timor. Estou a iniciar um projecto de ensino da língua portuguesa nos países que aderiram agora à lusofonia, como o Senegal, a Guiné Equatorial e as Ilhas Maurícias.
- Como escolhe as missões?
- Quando vejo uma oportunidade que possa ser interessante, proponho ao MNE. São sempre no campo das relações externas, geralmente com países com que Portugal tem relações fracas, como foi o caso da Indonésia, durante algum tempo, ou são hoje os países árabes.
- É respeitado nos países árabes?
- Quando estou numa monarquia árabe sou descendente do profeta Maomé.
- Porquê?
- A rainha Santa Isabel era descendente de um príncipe árabe que era descendente de Maomé. Por isso, a minha posição é completamente diferente da de qualquer embaixador da república portuguesa.
- Isso é reconhecido em todo o mundo árabe?
- É. Mas quando estou em Israel digo que o D. Afonso Henriques era descendente do Rei David. Aliás, aconteceu uma coisa curiosa, nesta última viagem a Jerusalém: o chefe dos sefarditas contou-me que D. Pedro II do Brasil, bisavô da minha mãe, tinha visitado Israel e falava fluentemente o hebreu.
- Esse respeito de que é objecto em todo o lado deve-se a pertencer a uma família aristocrática?
- Não. Não tem anda a ver com aristocracia. É por ser o chefe de uma Casa Real. O imperador do Japão, por exemplo, recebeu-me na biblioteca, coisa que só faz com a sua família.
- Também é da família dele?
- Não. Mas aconteceu uma coisa engraçada. No fim, o imperador veio à porta despedir-se de mim, o que também só faz com parentes. O motorista do táxi viu e foi contar no hotel. Quando cheguei lá, tinha os directores à minha espera, pedindo-me licença para me instalarem numa suite especial, porque viram que o imperador me tinha tratado como família.
- É como se as famílias reais fossem todas uma grande família.
- Sim. É uma família espiritual.
- Mas porque faz essas missões? Não tem obrigação nenhuma.
- Sinto que o facto de ter nascido nesta família me dá uma obrigação moral para com o meu povo.
(...)
- O atraso que temos é herdeiro do 25 de Abril?
- É sobretudo herdeiro de 1910. Se o rei D. Carlos não tivesse sido assassinado, não teria havido a revolução republicana. A nossa monarquia teria evoluído democraticamente como as outras. A revolução de 1910 atrasou Portugal muitos anos, e teve como consequência a revolução do Estado Novo de 1926.
- É um ciclo de desgraças.
- Sim, de atrasos no desenvolvimento português. E agora, mais uma vez, se houver uma grave crise, ninguém acredita que a democracia a resolva. As pessoas vão dizer que querem um militar que tome conta de nós.
- Isso lembra o que Manuela Ferreira Leite disse recentemente. A grave crise pode, de facto, acontecer? Pode acabar com a democracia?
- A educação democrática em Portugal é muito fraca. As pessoas ainda não perceberam qual é o papel dos partidos e do Parlamento. Se houver uma crise grave, com fome, pilhagens, tudo isto vai por água abaixo. Basta que, por um acto terrorista, não recebamos petróleo, que por causa de greves, ou distúrbios, a importação de produtos alimentares seja suspensa. Somos completamente dependentes. Pode haver centenas de milhares de pessoas a manifestarem-se por uma intervenção totalitária dos militares, ou do Presidente.
- Como é que o regime impede que se chegue a esse ponto?
- É preciso que a democracia seja participativa. Devia haver referendos, a sociedade civil deveria participar das decisões. As pessoas não deveriam apenas depositar o seu voto numa urna (este nome não augura nada de bom. Geralmente, o que está na urna são os mortos). As organizações ecologistas, por exemplo, deveriam ter milhares de colaboradores...
- As monarquias são mais sensíveis à causa ecologista...
- Sim, porque defendem os valores permanentes.
- As próprias famílias reais são permanentes, no poder.
- As monarquias são mais ecológicas porque estão mais próximas da natureza humana, que é baseada na família.
- As repúblicas são contranatura?
- São. As repúblicas são contranatura. Excepto aquelas repúblicas muito tradicionais, como a Suíça, ou os EUA, onde, de algum modo, elegem um rei.
- O Presidente americano é um rei?
- Sim. Esteve mesmo para ser rei. E tem mais poder do que algum rei tem hoje em dia.
(...)

das Comemorações


Não tenho especial fascinação por este tipo de tabelas, cujos critérios de selecção de acontecimentos desconhecemos, mas não deixa de ser interessante olhar para elas e pensar nos diferentes sentidos do devir histórico: da instalação do primeiro telefone na Casa Branca à conquista do espaço ou ao Eurotúnel, de Rosa Parks a Obama, do primeiro posto de de gasolina em Pittsburgh à actual crise do petróleo, da formação do primeiro Kibbutz em 1909 à sua privatização em 2007, de Ernesto Zedilho a Felipe Calderón, do Tratado Antártico à recente polémica sobre a guerra pelo Antártico, de Mikhail Gorbatchov ao relacionamento actual entre a Rússia e os restantes países da NATO, da Restauração da Independência de Portugal em 1640 ao actual silêncio dos media sobre esse acontecimento histórico,...


1640 - Restauração da Independência de Portugal em relação ao Reino de Castela; João, Duque de Bragança torna-se rei como João IV de Portugal após sessenta anos de domínio castelhano.
1821 - A colónia espanhola de Santo Domingo, actual República Dominicana, proclama sua independência da Espanha.
1822 -
Pedro I é coroado Imperador do Brasil.
1878 - É instalado na Casa Branca, residência do presidente norte-americano, o primeiro telefone.
1887 - É publicado o primeiro romance policial de Sir Arthur Conan Doyle sobre o detetive Sherlock Holmes.
1902 - Lançamento da obra Os Sertões de Euclides da Cunha.
1903 - O primeiro filme western da história do cinema,
The Great Train Robbery, é exibido em Washington, Estados Unidos.
1909 - É fundado em Israel, com o nome de Deganya Alef, o primeiro kibbutz.
1913 - Inaugurado o primeiro posto de gasolina em Pittsburgh, Estados Unidos.
1918 - O parlamento dinamarquês aprova o decreto que tornou a Islândia um estado independente.
1918 - A Transilvânia e o Reino da Roménia unem-se e formam a Roménia moderna.
1929 - É inventado o jogo do Bingo, por Edwin Lowe.
1935 - Chiang Kai-Shek é eleito presidente da China.
1942 - Durante a Segunda Guerra Mundial é iniciado nos Estados Unidos o racionamento de combustível.
1944 - Fim da
Conferência de Teerão, realizada entre os líderes das forças aliadas: Churchill, Roosevelt e Estaline.
1951 - São suspensas as relações comerciais entre as Alemanhas Oriental e Ocidental.
1955 - Em Montgomery, no Alabama,
Rosa Parks recusa-se a ceder seu lugar num autocarro a um branco. Este gesto deu início à luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.
1959 - Doze nações firmam o
Tratado Antártico pelo qual se comprometem a não reivindicar nenhuma parte do continente.
1959 - Tirada a primeira fotografia colorida do planeta Terra, de uma espaçonave.
1960 - Os cães Pchelka (Abelhinha) e Mushka (Mosquinha) são lançados a bordo do Korabl-Sputnik-3.
1961 - Protectorados das Nações Unidas: a parte ocidental da Nova Guiné torna-se independente da Holanda.
1964 - Malawi, Malta e Zâmbia são admitidos como Estados-Membros da ONU.
1970 - Aprovada lei na Itália que, em determinados casos, concede o divórcio.
1976 - Estreia no Brasil o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, com Sónia Braga e José Wilker.
1976 - Angola é admitida como Estado-Membro da ONU.
1989 - Mikhail Gorbatchov visita o Papa João Paulo II . É o primeiro líder soviético a visitar o Vaticano desde a Revolução Russa de 1917.
1990 - Eurotúnel o encontro dos dois túneis 40 metros abaixo do solo do Canal da Mancha.
1994 - Ernesto Zedilho, do Partido Revolucionário Institucional, toma posse na Presidência do México.


P.S.: Esta não é a primeira imagem colorida do planeta Terra tirada em 1959, mas a primeira imagem completa da Terra, tirada em 1968, pela tripulação da Apollo 8.

28.11.08

Satyagraha (Gandhi)

«Could an opera put virtue back on its feet or make us warriors for peace?”


Philip Glass: Satyagraha
Act 1 "Tolstoy"
Scene 1 "The Kuru Field of Justice" (início)
Scene 1"The Kuru Field of Justice" (excerto)
Scene 3 "The Vow" (excerto)
Staatsoper Stuttgart
Conductor: Dennis Russell Davis
Stage direction: Achim Freyer

23.11.08

Books Not Bombs

Books Not Bombs (vídeo)
Nicholas D. Kristof in Pakistan

“Durante os anos em que vivia em França, prometera a si próprio fazer aquilo que a mãe, que ficara na Argélia, aquilo que ela lhe pedia desde longa data: visitar a sepultura do pai que nunca vira. Ele pensava que a visita não fazia o menor sentido, para si próprio, antes de mais (...), e depois, para a mãe que nunca falava do extinto... (...) Foi então que leu na sepultura a data de nascimento do pai e descobriu ao mesmo tempo que até agora a ignorara. Em seguida, leu as duas datas, «1885-1914» e procedeu a um cálculo mental: vinte e nove anos. Surgiu-lhe de súbito uma ideia que o fez estremecer. Tinha quarenta anos. O homem sepultado sob aquela pedra, e que fora seu pai, era mais jovem do que ele. E a vaga de ternura e piedade que de repente lhe encheu o coração não era o movimento de uma alma que conduz o filho à evocação do pai desaparecido, mas a perturbada compaixão que um homem feito experimenta perante a criança injustamente assassinada (...). Olhava as outras placas do rectângulo e reconhecia nas datas que o solo estava juncado de crianças..."

Albert Camus,
O Primeiro Homem
Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 1994, pp 29-30-31

21.11.08

O ÁLBUM, uma criação de Helena Botto

ATÉ 23 DE NOVEMBRO, 22H

O Álbum é uma criação híbrida que entrecruza os universos da performance, da fotografia, do vídeo, da imagem em tempo real, da música e utilizando como fio dramaturgico condutor alguns fragmentos de textos de Câmara Clara de Roland Barthes e de Crave de Sarah Kane. Há nesta amálgama de linguagens um elemento que as contrapõe: a questão da imobilidade e do devir. Tal como a fotografia, a música, as imagens de vídeo e os textos, não estão sujeitos à mudança e ao desgaste (a menos que deliberadamente neles intervenhamos aposteriori da sua concepção), no entanto o corpo (performance) esse estará irremediavelmente sujeito ao desgaste, à perda, à transformação. É talvez a cruel fatalidade a que não poderemos escapar e sobre a qual nos propomos reflectir.

Um corpo emerge do Álbum da Memória, um espaço constituído por cerca de 2000 fotografias pessoais. Este aglomerado de imagens privadas, constitui aquilo a que se chamou o Álbum da Memória. São fotos de infância misturadas com fotos recentes, fotos de trabalho, fotos de férias, fotos de festas, fotos de pessoas, instantâneos recolhidos à socapa, fotos roubadas de outras pessoas, de outras vidas, outras vidas partilhadas, outras vidas cruzadas.

É então a partir desta mancha de imagens paralizadas, fixadas em papel fotográfico, que todo o processo performativo se vai construindo. Diante da unicidade de uma imagem, há determinados pormenores (o punctum de que nos fala Roland Barthes) de algumas fotos que subjectivamente foram destacados e que provocaram associações psico-fisicas e comportamentos que se foram construindo. Diante da unicidade do Álbum da Memória, houve determinadas fotografias que se destacaram talvez porque tenham causaram uma vertigem temporal, porque remeteram o corpo para um universo de memórias, porque cruelmente afirmaram aquilo que foi e não aquilo que imaginámos ter sido…

Estes pormenores imutáveis de fotografias e estas fotografias imutáveis, estes fragmentos da realidade são destacados e instalados na tela vazia, orgânica e sujeita ao desgaste que é o corpo da performer, este corpo reage através de uma linha de comportamentos também ela fragmentária a estes estímulos, criando e construindo à medida que a performance se desenvolve um novo álbum, talvez ainda mais privado e pessoal, O Álbum Interior.

E porque este novo álbum é corpo (corpo-memória) está ele próprio sujeito ao devir, à transformação, à perda, urge a necessidade de o guardar, de o gravar, talvez numa tentativa cruel (?) de paralização temporal. Um registo fotográfico deste álbum interior vai sendo feito à medida que a performance decorre. Estas novas fotografias impressas originarão um novo álbum, a Memória do Álbum Interior.

Barthes diz-nos, “a fotografia é violenta, não porque mostre violência mas porque nela nada pode recusar-se ou transformar-se”… a paralização e a fragmentação temporal é violenta, sem dúvida a incapacidade do devir é monstruosa… mas o tempo que passa, e as alterações que vamos sofrendo, as pessoas, os momentos, todo um conjunto de inefabilidades que se vão perdendo, e que serão sempre irrecuperáveis, não serão elas ainda mais violentas? O que são as nossas fotografias quotidianas senão o registo de momentos que queremos por alguma razão fixar… não será a perda desses momentos e o seu devir ainda mais violento? Contra argumentando, diriamos que a passagem do tempo, as transformações a que vamos estando sujeitos acabarão por nos trazer outras vivências e por eliminar gradualmente os sentimentos de perda… Quanto à primeira parte de acordo, quanto segunda só posso concordar com Barthes: “(…) o luto com o seu trabalho progressivo elimina lentamente a dor. Eu não podia nem posso acreditar nisso, porque para mim o tempo elimina a emoção da perda (não choro), é tudo. Quanto ao resto, tudo ficou imóvel.”

Helena Botto



Conceito, direcção artística, concepção plástica e instalação espacial, dramaturgia, e performance: Helena Botto
Composição musical original e sonoplastia: João Figueiredo
Captação de imagem e videoplastia: João Raposo
Performers no vídeo: Helena Botto e Pedro Bastos
Texto: fragmentos de “Câmara Clara” de Roland Barthes e de “Crave” de Sarah Kane
Desenho de luz: José Nuno Lima
Operação de luzes: João Teixeira / Hugo Martins
Design: Joana Ivónia /Look Concepts
Produção executiva: Helena Botto / Projecto Transparências – criação de objectos performativos - associação

19.11.08

D & C


O ano passado esqueci-me do aniversário mas, desta vez, deixo a nota: o Divas & Contrabaixos começou a 19 de Novembro de 2004, há exactamente 4 anos.
Já devem ter dado por isso, blogar entusiasma-me cada vez mais menos, mas não largo o vício. O blogue funciona agora como um registo de memórias soltas, nada exaustivas, entrecortado aqui e ali, por uma pequena acção de campanha a favor ou contra causas glo-locais (ou nem isso, nos últimos tempos). Falta-me tempo e fogo.
Como também é preciso navegar - e eu ando a navegar pouco por estes espaços virtuais, o número de visitantes acidentais concorre com o dos visitantes intencionais e até fica a ganhar. Nesse campo, as surpresas não diminuiram. As buscas mais frequentes, para além das óbvias, relativas a "divas" nuas ou compostas, chamam ao presente posts escritos há bastante tempo e que não pensava serem susceptíveis de maior interesse. Deixo o link para alguns deles ...


Desde Setembro de 2008, e segundo o serviço Clicky, o ranking é este.

Homem na escuridão

ou seja

17.11.08

20 anos é pouco tempo

Barcelona
Nov. 2008
Foto MRF

Há 20 anos atrás tirei uma foto a um amigo neste lugar. Guardei a foto. O amigo desapareceu pouco tempo depois. Levou-o uma doença de que se começava a falar muito na época, mas que parecia completamente distante do nosso universo de possibilidades. Há uma semana, neste lugar, revi-me a tirar a foto. E andei com o Luíz (com "z") por ali durante um bom bocado. até uma das minhas filhas me chamar. ou até a banda brasileira começar a tocar no palco improvisado. ou até concluir que a vida é assim. plena de absurdos.

Mariza

Barcelona
Foto MRF
[Clicar na foto para aumentar]


A Mariza actua no dia 19 no Palau de la Musica. Barcelona soprava Mariza em todas as ruas.

16.11.08

Dia Nacional do Mar


Música: Manos Hadjidakis. Arranjos: Nikos Kypourgos.
Edição de cenas do filme "Thasos" (1961) de Takis Kanellopoulos


Foi a 16 de Novembro de 1994 que entrou em vigor a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, um novo quadro jurídico para o direito do mar ratificado por Portugal em 1997, tendo então assumido responsabilidade numa das áreas marítimas mais extensas da Europa, e a maior da União Europeia, com uma dimensão 18 vezes superior ao território nacional.

15.11.08

Barcelona, Nov 2008
Foto MRF



"O Eu «chocalha» por dentro. É o preço de quem se ampliou em demasia, de quem voou mais alto, de quem teve pretensões de soberania."

Esta citação encontrei-a na obra de Fátima Inácio Gomes sobre «O Imaginário Sexual na Obra de Mário de Sá Carneiro». A citação não tem qualquer relação com a foto. a não ser no meu imaginário. Juro. se eu fosse capaz de me erguer dentro de um tal par de botas, «chocalharia» por fora e por dentro e, avistando a primeira rotunda, transformar-me-ia em polícia sinaleiro. A minha pretensão de soberania é curta e pobre. Enfim, era isso ou dar pontapés no maior número possível de traseiros. pulsão crua. sado, pois. e maso, que a hérnia discal ia logo dar sinal.