Houve um momento, já tarde, no dia 25, em que saí da sala e me fui enroscar, tomada pelo sono, no sofá ao pé da outra lareira. A lareira da copa ou da cozinha, que a casa tem medidas diferentes dos apartamentos de hoje, era a única fonte de luz. Olhando para aquele espaço, para os armários de madeira, as velhas loiças, comecei a imaginar um dia no futuro, quando todos os adultos presentes tivessem desaparecido, e qual seria a nova ordem dada às coisas, as novas linhas do mobiliário e o movimento dos novos habitantes da casa. Da sala, ecoavam as vozes de toda a família em animada conversa. Os sons difusos, os risos quase fundidos, acentuaram aquela melancolia passageira e pareciam coerentes com o cenário fantástico que criara. Um dia, a memória daquele grupo seria assim, feliz, mas indistinta. O meu filme interior durou apenas alguns instantes e não me assustou. A ideia de passar a ascendente distante numa nova árvore genealógica, o próprio facto da ideia me surgir naquele momento, era bizarro, e sorri cá dentro. Confrontava-me com a mais humana das condições, a nossa finitude. Na verdade, quando me sinto muito protegida, sinto medo, medo de perder as pessoas que me rodeiam. Aquela gente, aquela casa, é o meu ninho. A ansiedade transfigurou-se em devaneio. «Mamã, acorda!» e voltei para a sala.Estive hoje a "descarregar" as primeiras fotos e vídeos que fizeram com a máquina nova. A Ana fez um filme enorme, chamou-lhe «reportagem com entrevistas». Andou a deambular por todos os cantos da casa e jardim, explicando à família e a outras pessoas «invisíveis» o que ia vendo e filmando, fazendo perguntas a quem passava (e nenhum de nós se apercebeu de que ela estava a filmar, pensávamos que tirava fotografias). As velhas ferramentas do avô, guardadas na garagem, são «antiguidades»; o sótão «não é assombrado»; a avó «é amorosa porque quando vai lá a casa a deixa ver televisão até tarde e depois lhe leva leite quentinho à cama»; todas as flores são lindas, as escadas são perigosas, «a filha Leonor é tímida»...
Na verdade, enquanto filmavam, ambas revelaram qualquer pequena coisa que eu desconhecia. Por exemplo, a Sofia decidiu atribuir ao cão Bill o título de proprietário da casa e, sendo verdade que ele é o cão mais humano que conhecemos, até o trata por tio... Com dúvidas, decidi que um dos filmes dela pode ser mostrado aqui. "Quase" não se vê a casa e não filma pessoas. Este vídeo é o seu modo de olhar os presentes que mais apreciou. É a sua doçura. E eu tenho duas filhas preciosas. A vida, finita, sempre aquém (como diria o Mário de Sá-Carneiro, que ando a reler aos quilos por causa de um trabalho para o mestrado), já valeu!
[Vídeo da Sofia, 8 anos]
4 comentários:
Que termines 2009 assim... em derretimentos de ternura...
Baci *
um muito feliz e quente 2009!
e um grande abraço!
Belíssimo post!
Só tenho pena de não ver ninguém com os "merofones" a chamar pela Chiquitita!!
Ainda assim é adorável!
Um fantástico e surpreendente 2009, para si e para os seus.
Um beijo, com saudades, do
Helder
um post lindíssimo!
Bom ano para ti e para as tuas filhas! Bjos.
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