1.12.08

das Comemorações #2

Os últimos redutos do patriotismo não são a monarquia nem o PCP, mas a comparação é genial! Se as monarquias estão mais próximas da natureza, já não sei se o deus de D. Duarte é o dos cristãos ou se é um deus panteísta. Viva a República! Viva a laicidade! Mas eu gostei da entrevista de D. Duarte de Bragança ao Publico.

(...)
- Porque faz sempre um discurso no 1º de Dezembro?
(...)
- Criou-se a ideia de que a nossa independência não é necessária. De que podemos depender dos outros, seja da União Europeia, seja dos americanos ou dos espanhóis. E até que seríamos mais bem governados se o fôssemos por outros.
- Isso é uma tendência recente?
- É um pensamento que data de 1910. O núcleo duro da revolução tinha como objectivo a União Ibérica. É por isso que o vermelho da bandeira portuguesa, que representa a Espanha, é maior do que o verde, que representa Portugal. E ainda hoje há quem pense assim, até alguns ilustres escritores, que deveriam ter mais juízo.
- Mas porque cabe aos monárquicos defender o patriotismo?
- Porque não vejo mais ninguém a fazê-lo. As associações dos antigos combatentes celebram o 10 de Julho, o Presidente da República comemora o Ano Novo, e o 25 de Abril, e ainda há alguns que vão ao cemitério do Alto de São João celebrar o 5 de Outubro.
- O Presidente da República deveria fazer um discurso no 1º de Dezembro?
- Sim. Se o fizer, deixo de fazer o meu.
- A monarquia é o último reduto do patriotismo?
- O último não. O Partido Comunista também é muito patriótico.
- O que há de comum entre as duas forças?
- Um certo idealismo próprio de quem adere a movimentos políticos que não dão compensações, que não dão emprego. Se um dia houver em Portugal um referendo e ganhar a causa monárquica, os movimentos monárquicos deixam de existir.
- Quem está nos grandes partidos é sempre por interesse?
- Os partidos deveriam fazer um trabalho de formação doutrinária. Digo muitas vezes aos meus amigos do PS, por exemplo, que é fundamental debater a doutrina. Para que serve hoje em dia o socialismo?
- Acredita no socialismo?
- Acredito no socialismo cooperativista, como era definido no século XIX, por Antero de Quental, ou António Sérgio.
- Poderia ter aplicação hoje em dia?
- Podia. Veja um caso concreto. Qual é hoje o sector bancário que não está em crise? O crédito agrícola. Por ser cooperativista, mutualista. O Montepio é a mesma coisa, não teve crise. São mais abertos, têm muita gente a dar opinião, a acompanhar o que eles fazem. O Crédito Agrícola é propriedade de centenas de caixas agrícolas espalhadas pelo país. Eu sou o presidente da Assembleia-Geral da Caixa Agrícola de Nelas, e temos uma participação na caixa central. Representamos mais de um milhão de portugueses, mas não nos ligam nenhuma, a nível político.
- O PS devia estar mais atento a essa realidade?
- Sim, porque o pensamento socialista original em Portugal era esse. Se o cooperativismo estivesse mais desenvolvido, vários factores beneficiariam muito.
- Mas essas empresas podem ser competitivas?
- Na Holanda, na Áustria, na Suíça, na Alemanha, na Escandinávia, grandes organizações empresariais são cooperativas. O maior banco da Holanda é uma cooperativa. Em França, o maior banco é o Crédit Agricole. Mas estas empresas têm um inconveniente: não dão tachos a ex-ministros. Nem financiam campanhas eleitorais. Por isso não são muito simpáticas.
(...)
- Acha que devia ter uma pensão do Estado?
- Não. Isso retirava-me a independência, para a minha acção política. Embora, quando faço missões pelo mundo fora, o faça em colaboração com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
- Que missões são essas?
- Neste momento, tenho um programa de desenvolvimento ambiental agrícola na Guiné-Bissau, outro em Angola, de introdução de novas técnicas de construção civil, outro em Timor. Estou a iniciar um projecto de ensino da língua portuguesa nos países que aderiram agora à lusofonia, como o Senegal, a Guiné Equatorial e as Ilhas Maurícias.
- Como escolhe as missões?
- Quando vejo uma oportunidade que possa ser interessante, proponho ao MNE. São sempre no campo das relações externas, geralmente com países com que Portugal tem relações fracas, como foi o caso da Indonésia, durante algum tempo, ou são hoje os países árabes.
- É respeitado nos países árabes?
- Quando estou numa monarquia árabe sou descendente do profeta Maomé.
- Porquê?
- A rainha Santa Isabel era descendente de um príncipe árabe que era descendente de Maomé. Por isso, a minha posição é completamente diferente da de qualquer embaixador da república portuguesa.
- Isso é reconhecido em todo o mundo árabe?
- É. Mas quando estou em Israel digo que o D. Afonso Henriques era descendente do Rei David. Aliás, aconteceu uma coisa curiosa, nesta última viagem a Jerusalém: o chefe dos sefarditas contou-me que D. Pedro II do Brasil, bisavô da minha mãe, tinha visitado Israel e falava fluentemente o hebreu.
- Esse respeito de que é objecto em todo o lado deve-se a pertencer a uma família aristocrática?
- Não. Não tem anda a ver com aristocracia. É por ser o chefe de uma Casa Real. O imperador do Japão, por exemplo, recebeu-me na biblioteca, coisa que só faz com a sua família.
- Também é da família dele?
- Não. Mas aconteceu uma coisa engraçada. No fim, o imperador veio à porta despedir-se de mim, o que também só faz com parentes. O motorista do táxi viu e foi contar no hotel. Quando cheguei lá, tinha os directores à minha espera, pedindo-me licença para me instalarem numa suite especial, porque viram que o imperador me tinha tratado como família.
- É como se as famílias reais fossem todas uma grande família.
- Sim. É uma família espiritual.
- Mas porque faz essas missões? Não tem obrigação nenhuma.
- Sinto que o facto de ter nascido nesta família me dá uma obrigação moral para com o meu povo.
(...)
- O atraso que temos é herdeiro do 25 de Abril?
- É sobretudo herdeiro de 1910. Se o rei D. Carlos não tivesse sido assassinado, não teria havido a revolução republicana. A nossa monarquia teria evoluído democraticamente como as outras. A revolução de 1910 atrasou Portugal muitos anos, e teve como consequência a revolução do Estado Novo de 1926.
- É um ciclo de desgraças.
- Sim, de atrasos no desenvolvimento português. E agora, mais uma vez, se houver uma grave crise, ninguém acredita que a democracia a resolva. As pessoas vão dizer que querem um militar que tome conta de nós.
- Isso lembra o que Manuela Ferreira Leite disse recentemente. A grave crise pode, de facto, acontecer? Pode acabar com a democracia?
- A educação democrática em Portugal é muito fraca. As pessoas ainda não perceberam qual é o papel dos partidos e do Parlamento. Se houver uma crise grave, com fome, pilhagens, tudo isto vai por água abaixo. Basta que, por um acto terrorista, não recebamos petróleo, que por causa de greves, ou distúrbios, a importação de produtos alimentares seja suspensa. Somos completamente dependentes. Pode haver centenas de milhares de pessoas a manifestarem-se por uma intervenção totalitária dos militares, ou do Presidente.
- Como é que o regime impede que se chegue a esse ponto?
- É preciso que a democracia seja participativa. Devia haver referendos, a sociedade civil deveria participar das decisões. As pessoas não deveriam apenas depositar o seu voto numa urna (este nome não augura nada de bom. Geralmente, o que está na urna são os mortos). As organizações ecologistas, por exemplo, deveriam ter milhares de colaboradores...
- As monarquias são mais sensíveis à causa ecologista...
- Sim, porque defendem os valores permanentes.
- As próprias famílias reais são permanentes, no poder.
- As monarquias são mais ecológicas porque estão mais próximas da natureza humana, que é baseada na família.
- As repúblicas são contranatura?
- São. As repúblicas são contranatura. Excepto aquelas repúblicas muito tradicionais, como a Suíça, ou os EUA, onde, de algum modo, elegem um rei.
- O Presidente americano é um rei?
- Sim. Esteve mesmo para ser rei. E tem mais poder do que algum rei tem hoje em dia.
(...)

1 comentário:

PreDatado disse...

Algumas ideias "engraçadas", outras interessantes, algum fait-divers, um q.b. de reaccionarismo, enfim uma entrevista que diverte e que até nos prende. Acabei por ler a tua transcrição de fio a pavio. Entretanto, Viva a República! :)