"(...) Aliás o Santa-Rita não aprecia na prosa ideias, nem belezas - apenas quer música: «Escreva-me você, por exemplo, a descrição de um serrador serrando onde os rr se precipitem raspantes, e eu não terei dúvida em proclamá-lo um artista.» Mas só admite esta arte. Ora se na verdade eu admiro prosa e verso desta espécie (por exemplo, os «Violoncelos», em que se ouvem as cordas a gemerem, ou a sua «Flauta»), acho avançar muito querer reduzir a isto somente toda a literatura e amordaçar a ideia. Que diz a isto você? Outra grande admiração literária do nosso homem é, imagine quem, o Homem Cristo (pai)! Mas o Homem Cristo literato! Chama-lhe génio, cita entusiasticamente frases dele e devora O Povo de Aveiro no Exílio, que aqui se publica hebdomadariamente!... Você compreende o que pode haver de fatigante na conversa com semelhante individualidade. No entanto, sempre em desacordo, largas horas palestramos."
in Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa
in Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa
Edição Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, 2001, p. 23
2 comentários:
Se calhar ele ía gostar do meu "O som das palavras" que publiquei há 2 dias atrás.
(olha eu aramado em bom)
Talvez Pre, mas, para seres fiel ao Santa-Rita, convém que o teu testamento dite a ordem de destruição póstuma de toda a tua obra. Esta "Cabeça", por exemplo, foi uma das duas únicas pinturas que restaram. É melhor fazeres como o Mário de Sá-Carneiro e não ligares muito ao que ele diz... :))
Enviar um comentário