28.4.12

Casi uno

Onde estavas quando criei o Mundo?

Preparem-se para este julgamento. Mal se sentam, sentem a exigência. Nem o Livro de Jó vos acudirá!


Uma mulher defende-se em tribunal, após ter despedido o seu advogado oficial, iniciando as suas alegações finais com o propósito de explicar o seu crime. Embora não seja claro de início as circunstâncias do crime pelo qual a mulher responde, ato mais hediondo não parece haver: a ré é acusada de filicídio. O que leva uma mãe a este ato extremo? E como explicá-lo? Com a progressão da peça, que se divide entre as últimas declarações da mãe/arguida para o tribunal e, em jeito de flashback, os momentos que antecederam o ato pelo qual está a responder, percebemos que a morte do filho poderá ter sido um ato de piedade devido ao sofrimento deste numa circunstância em que a eutanásia não é legal ou aceitável.

O público será colocado no papel tanto de juiz como de confessor, ao seguir o texto que pretende abordar as racionalizações por detrás de atos extremos e as suas apologias -- desde o livro de Jó e a historia de Isaac na Bíblia, aos fatores sociais e familiares que são comuns universalmente -- numa montanha russa de emoções misturadas com questões pertinentes sobre religião, matrimónio, maternidade, morte, desenvolvidas no tom ligeiramente esquizofrénico da personagem principal, entre o erudito e o popular.

de Artur Ribeiro
versão cénica e encenação João Mota
figurinos Carlos Paulo
desenho de luz José Carlos Nascimento
sonoplastia Hugo Franco
interpretação Manuela Couto
produção TNDM II
M/16

25.4.12

Donos de Portugal


Donos de Portugal from Donos de Portugal on Vimeo.

Donos de Portugal é um documentário de Jorge Costa sobre cem anos de poder económico. O filme retrata a proteção do Estado às famílias que dominaram a economia do país, as suas estratégias de conservação de poder e acumulação de riqueza.

Mello, Champalimaud, Espírito Santo – as fortunas cruzam-se pelo casamento e integram-se na finança. Ameaçado pelo fim da ditadura, o seu poder reconstitui-se sob a democracia, a partir das privatizações e da promiscuidade com o poder político. Novos grupos económicos – Amorim, Sonae, Jerónimo Martins - afirmam-se sobre a mesma base.

No momento em que a crise desvenda todos os limites do modelo de desenvolvimento económico português, este filme apresenta os protagonistas e as grandes opções que nos trouxeram até aqui.

Produzido para a RTP 2 no âmbito do Instituto de História Contemporânea, o filme tem montagem de Edgar Feldman e locução de Fernando Alves.

A estreia televisiva teve lugar na RTP2 a 25 de Abril de 2012. Desde esse momento, o documentário está disponível na íntegra em
donosdeportugal.net.

Donos de Portugal é baseado no livro homónimo de Jorge Costa, Cecília Honório, Luís Fazenda, Francisco Louçã e Fernando Rosas, editado em 2011 pela Afrontamento e com mais de 12 mil exemplares vendidos.

Querer é poder

Querer é poder
...é o que dizem. não sei o que não fiz não fizemos. talvez estejam suspensos: os desejos. e há desejos que devem ficar assim. outros não. como estes, que agora vocifero. a ver se acontecem: quero que este país -que-não-é-uma
-democracia-porque-não-há-democracias (já dizia o Alain Tourraine) se aproxime mais do modelo democrático. porque o que existe são sociedades-que-aspiram-à-democracia e esse foi o direito que conquistámos em 1974, o direito a lutar por esse modelo, a obrigação de criar as bases que sustentem e desenvolvam um Estado e uma forma de estar que nos aproxime do modelo. que a democracia não é tesouro que se guarde em caixas. é uma ideia que se defende com ações. a assembleia da república como casa símbolo é frágil: é uma gaiola: sem corpo, as ideias entram e saiem por entre as grades. às vezes, a democracia foge e não a apanham. e então respira-se mal lá dentro.

é o dia. podem acrescentar os vossos desejos. da unanimidade de uns far-se-á força. da originalidade de outros, publicidade. dois bons meios para se chegar lá. às vezes.

[Imagem: Paula Rego]

«entre nós e as palavras, o nosso dever de falar»

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente d...e costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsinore
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever de falar

Mário Cesariny de Vasconcelos

23.4.12

A última entrevista de Guimarães Rosa

Uma preciosidade histórica da língua portuguesa: a entrevista realizada pelo escritor e jornalista português Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Guimarães Rosa morreria menos de um ano depois de tê-la concedido.


«Minha família do lado Gui­marães é de Trás-os-Montes. Em Minas o que se vê mais é a casa minhota, mas na região em que eu nasci havia uma “ilha” transmontana. (...) Conheci Aquilino (Aquilino Ribeiro), mas acidentalmente. Eu entrei numa livraria, não sei qual, do Chiado (presumo que a Bertrand) e, quando pedi al­guns livros dele, o empregado per­guntou-me se eu queria co­nhecê-lo, pois estava ali mesmo. Respondi que sim, e desse modo obtive dois ou três autógrafos de Aquilino, com quem conversei alguns instantes. Voltei a estar com ele, mais tarde, num jantar que lhe foi oferecido enquanto de sua vinda ao Brasil. Mas ele, naturalmente, não se recordava de mim (porque eu não me apresentara como escritor), e eu também não lhe falei do assunto. (...) Em relação a mim, houve por aqui (no Brasil) muitos equívocos, que ainda hoje não desapareceram de todo e que, curiosamente, ao que parece, não houve em Por­tugal. Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido. Talvez por isso que ainda hoje eu tenha verdadeira paixão pelos autores portugueses antigos. Uma das coisas que eu queria fazer era editar uma antologia de alguns deles (as antologias que existem não são feitas, como regra, segundo o gosto moderno), como Fernão Mendes Pinto, em quem ainda há tempos fui descobrir, com grande surpresa, uma palavra que uso no “Grande Sertão”: amouco. E vou dizer-lhe uma coisa que nunca disse a ninguém: o que mais me influenciou, talvez, o que me deu coragem para escrever foi a” História Trágico-Marítima” (coleção de relatos e notícias de naufrágios, acontecidos aos navegadores portugueses, reunidos por Ber­nardo Gomes de Brito e publicados em 1735). Já vê, por aqui, que as minhas “raízes” es­tão em Portugal e que, ao contrário do que possa parecer, não é grande a distância “linguística” que me se­para dos portugueses.»

O PRIMEIRO LIVRO IMPRESSO EM PORTUGAL


Em Portugal, a imprensa foi introduzida no tempo do rei D. João II. O primeiro livro impresso em território nacional foi o Pentateuco (os cinco livros de Moisés que compõem a Torá), que saiu das oficinas tipográficas de D. Samuel Porteiro, um judeu de Faro, em 1487, sensivelmente 30 anos após Gutenberg imprimir em Mainz a sua famosa Bíblia.

Em 1488 foi impresso em Chaves o Sacramental de Clemente Sánchez de Vercial, considerado o primeiro livro impresso em língua portuguesa, e em 1489 e na mesma cidade, o Tratado de Confissom.

Imagem: Facsimile do Pentateuco hebraico, o primeiro livro imprenso em Portugal, no século XV.

21.4.12

À escuta #118

- Quem me faz um café?
A. - Eu faço!... Já viste que já quase não há cápsulas... e comprámos a caixa a semana passada! O café não tem álcool, pois não?
- Não, tem cafeína, que por acaso também faz mal! Mas eu bebo mais descafeinados, e é verdade que bebo muitos...
A. - Pois, eles põem coisas para as pessoas ficarem dependentes...
S. - Eu acho que algumas bolachas também devem ter esses químicos que nos deixam dependentes...
- Ah boa desculpa!
A. - Vocês não andam bem informadas. Eu vi uma reportagem assustadora sobre o tabaco: não é só a nicotina que cria o hábito. E eu aposto que fazem isso com outros produtos. Já viste o que seria se pusessem álcool no café?

A comunidade inconfessável (Blanchot)

Zhang Dali. Chinese Offspring. 2003-2005

Ontem, no evento "Grandes Autores, Grandes Leitores", co-organizado pela Revista Ler e pela Bertrand (Aveiro), Filipe Nunes Vicente referia «essa nova raça de escritores, imitadores do já feito», os Dan-castanhinhos portugueses, e insistiu no conceito de "comunidade inconfessável" de Maurice Blanchot. Bastou para que comprasse o seu "Mau-Mau" (Quetzal)...

[sobre Blanchot (porque o "Mau-Mau" só vou abrir daqui a pouco):]

«La question de la communauté est devenue pressante à l'époque où commençait à s'effondrer le modèle appelé communiste. A la mesure de cet effondrement, il est apparu nécessaire à plusieurs d'entre nous de reprendre, de reprendre radicalement, la question de l'être en commun, et c'est ainsi qu'en 1983 par exemple Blanchot pouvait écrire que la réflexion sur l'exigence communiste, comme il disait, ne l'avait jamais abandonné. 
L'écriture et la littérature selon Blanchot, sont inséparables de l'être en commun et de la communication. L'écriture n'est pas pour Blanchot, un objet formel et fermé , ce n'est pas un objet esthétique ni autistique, mais l'écriture c'est le rapport d'adresse par lequel non seulement un moi s'adresse à un toi, mais par lequel il y a seulement un moi et un toi, un un et un autre et par lequel seulement il peut y avoir une solitude et un dehors de la solitude, une expression, ou pour reprendre le mot de Bataille une extase. L'écrivain et le lecteur se font l'un l'autre, et se faisant l'un l'autre, ils se déplacent l'un l'autre et ils se déplacent l'un par rapport à l'autre. Ils n'ont pas quelque chose à se communiquer, ils n'ont pas un message à se transmettre, ce qu'ils partagent, l'écrivain et le lecteur, c'est à dire aussi l'un et l'autre en général dans la communauté, ce qu'ils partagent c'est la puissance et la passion de se communiquer et à ceux qui attendent de l'écriture en ce sens une signification déterminable et communicable. Il vaut mieux dire qu'il n'y a rien à communiquer, mais ce rien à communiquer n'a rien de nihiliste. Il n'y a pas moins nihiliste que Blanchot. Blanchot est celui qui écrit d'ailleurs les pessimistes n'écrivent pas et donc la communauté est immontrable, imprésentable. Elle ne peut pas elle-même devenir un terme donné, elle ne peut pas être mise en Oeuvre contrairement à ce qu'ont voulu les totalitarismes et contrairement à ce que veut sans doute toute volonté qui n'est que politique. Mais pour autant la communauté n'est pas une abstraction, ni un idéal flottant en l'air; la communauté est elle-même ce mouvement ce rapport sans cesse en déplacement; la communauté est le mouvement de l'écriture.

Lorsque Blanchot parle dans la communauté inavouable (éd. Minuit, 1983), du fond sans fond de la communication, il n'y a là aucune acrobatie verbale, aucun mysticisme. Ce fond sans fond de la communication nous savons tous très bien ce que c'est, c'est ce sans fond auquel tout échange aboutit non pas comme à une impasse mais comme à l'ouverture qui est précisément l'ouverture de l'un de sur l'autre ou l'ouverture de l'un à l'autre. Cet échange étant celui dont Blanchot dit aussi – seule en vaut la peine la transmission de l'intransmissible – et la peine que vaut la transmission de l'intransmissible on pourrait dire que c'est la peine infinie qu'il y a à comme ont dit couramment se faire comprendre, ce à quoi on aboutit jamais. Mais dans ce non-aboutissement du se faire comprendre il y a en même temps tout le mouvement de l'ouverture de la communication, c'est à dire aussi tout le mouvement par lequel un moi sort de son moi et de ses petites préoccupations, c'est à dire aussi le seul mouvement par lequel on existe véritablement.»

Um original "Tabu "

Miguel Gomes desdobra o filme em dois níveis antagónicos: uma primeira parte de pessoas comuns, uma idosa temperamental, Aurora, a sua empregada cabo-verdiana, e Pilar, uma vizinha dedicada a causas sociais, que partilham o andar num prédio em Lisboa; uma segunda parte, de cinema "fantástico" e grandes emoções: amor, aventura, traição, exotismo, arrependimento, morte. Nesse sentido, Miguel Gomes voltou a fazer um filme em que o assunto também é o próprio cinema.

"Tabu" é todo a preto e branco. Mas na segunda parte, como no cinema mudo, não se ouve a voz das personagens, apesar de as vermos falar. A narrativa é sustentada na voz off, mas escuta-se o som ambiente. Desta forma não há qualquer reconstituição técnica da sétima arte, pois em nenhuma fase intermédia a tecnologia nos deu o som ambiente e de voz off, retirando os diálogos.
Ao contrário do que acontece com "O Artista", o cinema mudo é evocado mas não imitado. E por momentos, a narração (feita por uma das personagens) aproxima-nos do estilo documental. Serve também para manter uma perspetiva exterior. Aquela é uma história real que nos estão a contar, mas a nossa realidade é outra, a nossa realidade é a da primeira parte.

Tal é evidente quando, numa espécie de prólogo, vemos uma curta-metragem, passada na selva africana, a que Pilar está a assistir. Nesse prólogo, temos o "intrépido aventureiro", que poderia ser Serpa Pinto, não fosse a história barroca e romântica em que é envolvido. Vemos o filme inteiro e só depois nos apercebemos de que aquilo é um filme dentro do filme.
Esse preâmbulo promete uma África de aventuras para a segunda parte. É a pequena ficção que preenche a vida de uma personagem carente de ficções, como nós próprios. Evidencia-se a presença africana, colonialista, em Lisboa, através dos mais diversos pormenores, desde a arquitectura a traços do décor. Ou até mesmo a personagem de Santa, a criada negra de Aurora, em que no trato se notam resquícios do colonialismo. Santa carrega o peso do desenraizamento, da iliteracia (está a aprender as primeiras linhas em Daniel Defoe, "Robison Crusoe", o homem-metáfora para a solidão). A própria transição para a segunda parte é feita num espaço de decoração naif, um centro comercial no Cacém em que se reproduz uma selva.

Em Lisboa contam-se os dias, em África contam-se os meses. Essa leitura diferenciada do tempo é dada através dos separadores, marca que acompanha as três longas de Miguel Gomes. Este é também um filme sobre a dicotomia do tempo. O presente saudosista, o passado que queremos viver. Só que no passado da segunda parte há uma inconsciência do próprio tempo. Como se os actos não tivessem consequências, numa leviandade infantil. Se na primeira parte parte Aurora exibe traços de senilidade, em África a insanidade é aceite, como é claro nos anfitriões da festa da piscina (o pai brinca à roleta russa enquanto o filho joga boxe francês com fantasmas).
A segunda parte torna "Tabu", na sua essência, uma grande história de amor. Uma história de amor impossível, mas daquelas que nos envolvem e nos apaixonam. E o aparente distanciamento criado pela narração, pelo ambiente africano que nos é distante ou pelo comportamento ético das próprias personagens (colonialista no sentido mais perverso) não lhe retira emoção.

O trabalho dos actores é fantástico. Carloto Cotta vale mais do que Dujardin e Ana Moreira está absolutamente deslumbrante. E depois há o crocodilo. O crocodilo bebé, brinquedo de carne e osso e dentes afiados, que vai crescendo, como uma fera insubmissa, que foge do espaço. Mas aquele animal, resquício do tempo em que os homens eram macacos e os macacos eram homens, representa a memória. A memória das histórias que ficaram por contar.

"Tabu", de Miguel Gomes, argumento de Miguel Gomes e Mariana Ricardo, com Teresa Madruga, Laura Soveral, Ana Moreira, Henrique Espírito Santo, Carloto Cota, Isabel Cardoso, Ivo Müller e Manuel Mesquita, 118 min.



20.4.12

Tabu

Miguel Gomes, o mesmo realizador de "Aquele Querido Mês de Agosto" (2008), realizou "Tabu" (2012) e venceu o prémio da crítica em Berlim. O que leio no Público é suficiente para nos sentar a todos na sala de cinema. É o que vou fazer logo à noite...

«Um filme "desconcertante", diz a Variety; "encantadoramente excêntrico", na versão da Hollywwod Reporter. Miguel Gomes está perto de se tornar "muito maior", garante o El Mundo. (...) Dividido em duas partes, o filme a preto e branco evoca e invoca ao mesmo tempo a presença portuguesa em África e o cinema clássico, passado entre a Lisboa dos nossos dias e os anos de 1960 no sopé do Monte Tabu. (..) O Hollywood Reporter escreveu que “Tabu” é um exercício “encantadoramente excêntrico” na meta-ficção, explicando que o realizador explora as suas personagens sem seguir qualquer regra narrativa, tornando lugares e experiências comuns “num estranho entretenimento contemporâneo”. “A liberdade de Gomes em trabalhar com peças familiares vai novamente ganhar elogios da crítica para o realizador que foi crítico”, acrescentou. No espanhol El Mundo, o crítico Luis Martínez comparou “Tabu” de Miguel Gomes ao “Tabu” do realizador alemão F. W. Murnau (1888-1931), por “ser um desses filmes” que leva “irremediavelmente” à melancolia. Para o crítico espanhol, Miguel Gomes, realizador de “Aquele Querido Mês de Agosto” ficou mais perto de se tornar “muito maior” do que aquilo que era antes da exibição do filme em Berlim. O filme tem já estreia assegurada em vários países – nos co-produtores (Portugal, Alemanha, Brasil e França), e no Canadá, Grécia, Suíça, Áustria, Sérvia, Bósnia, Montenegro, Austrália, Estados Unidos da Améria, Reino Unido, México e Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).»


"Tabu" de Miguel Gomes estreou nas salas de cinema - Cultura - Notícias - RTP

19.4.12

Florbela

Hoje, no modo Florbela Espanca (1894-1930). O filme de Vicente Alves do Ó centra-se nos últimos cinco anos da vida da poetisa. É um fragmento ficcionado da vida de alguém que "que não sabe viver". Uma visão subjectiva e poética, que nos oferece uma Florbela que nos é familiar (mais do que esperávamos) e estranha (porque se "revelam" facetas de uma modernidade singular). Sobressai a vida pequeno-burguesa, laivos de uma época, as terríveis angústias existenciais, um amor ambíguo entre irmãos (um mito na sua biografia, quase irresistível não ir por aí). Deixou-se cair a ligação ao mundo real, a colaboração com jornais, a dificuldade para publicar, há apenas uma alusão às traduções que fazia... Mesmo a escrita é colocada em segundo plano, está lá mas como pano de fundo. Gostei dessa opção (não cairam no óbvio). Temos pois a mulher. Uma visão dessa mulher. Excelentes interpretações. Dalila do Carmo sem maniqueísmos, absolutamente terrena. Cenários sóbrios no fausto (a festa em Lisboa, chez Sophia de Arriaga) ou na simplicidade (Vila Viçosa). Adorei a banda sonora de Guga Bernardo! Parabéns ainda pela fotografia e direcção de arte! Desde a primeira cena entrei no filme! Nem o vislumbre do Visconde Lauro Antonio me resgatou ao real (já te disse, estás um charme!). Peguem no lencinho e entrem na sala. (Chorei q.b. mas dói sempre ver alguém quebrar as suas "lanças uma a uma"!)

 

António Patrício

Está on line a obra de António  Patrício (1878-1930), publicada em 1920, e cujo conto, «Suze» (1910), já aqui transcrevi. Dada a ausência completa de publicações recentes deste escritor, excelente contista, vale a pena a impressão caseira!

www.gutenberg.org

Mergulhar

«Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não
conhece como eu mergulhei

Clarice Lispector


Bernard Plossu, Californie, 1974

18.4.12

Francisco Madeira Luís

O meu amigo Francisco Madeira Luís faz hoje 79 anos. É um dos pioneiros do associativismo em Portugal, participou na criação e gestão do projecto dos Centros Culturais Regionais na década de 70 e 80, ao serviço da Direcção Geral de Acção Cultural. Foi ainda impulsionador de iniciativas locais para criação de emprego, para combate ao insucesso escolar, para implementação de políticas locais de salvaguarda do património edificado, para valorização e preservação do património industrial, entre outros. A partir dos anos 60 iniciou uma recolha de documentação gráfica orientada para as áreas do Teatro e das Artes Plásticas, com destaque para os cartazes. Reúne de igual modo material da produção pré-industrial nos domínios do vidro, da cerâmica e do ferro fundido, sendo membro activo da Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial. Madeira Luís escolheu a cidade de Aveiro, e especificamente a sua Universidade, para doar a maior parte dos acervos constituídos ao longo de uma longa vida.
Os tantos anos são uma grande proeza. Acontece que, para além do muito viver, ele também pensa muito, e eu acho que pensa extraordinariamente bem. Ouçam-no nesta pequena grande entrevista e imaginem o prazer que é conversar com ele à mesa do café, com ou sem tertúlias. Conhecê-lo fez-me bem, já lá vão uns dez anos ou mais. Nunca me senti mais jovem do que ele. É um amigo, uma pessoa boa e alguém que admiro imenso. Parabéns, Francisco!

Madeira Luís
Aveiro 17-04-2012
Foto: MRF

17.4.12

Património de Influência Portuguesa

Igreja de São Tomé, Palai, Índia

E(n)xame

Foi hoje a estreia e foi bom estar lá. Encenação de Jorge Fraga. Não percam! É uma das peças (produzidas por companhias de teatro de Aveiro) que mais prazer me deu assistir nestes últimos anos! Aqui têm a ficha técnica mas ao vivo é só surpresas!

Sei que vale a pena conhecer a Alma, uma mulher que está grávida, que quer ser a melhor mãe do mundo e que vai dar o nome de Aurora à filha. A Alma aprecia a vida! Mas também gostei muito da mulher que já é Mãe e que teve uma vida normal - apaixonou-se, viveu com um homem, teve um filho que era tudo. Vocês sabem, temos um filho e o nosso coração começa a caminhar noutra direcção... Com o filho, gostava de passear, de observar pássaros, faziam planos para voar, paravam para comer e para estudar a lição de amanhã, adormeciam juntos no sofá, até que ele desapareceu, nunca mais ninguém o viu e já passou tempo demais! Agora só há dor! Tem as pernas musculadas de tanto andar, os seus olhos são vigilantes como os de uma ave de rapina. À procura dele... De manhã veste-se e sai, à noite sonha que ele dome no quarto ao lado. Já a Eugénia vive num poço e odeia a sua mãe. A mãe dela atirou o pai para o fundo de um poço e abandonou-a. Movida pelo amor ao seu pai, Eugénia resolveu ir procurá-lo. Ela tornou-se uma pessoa arrogante, revoltada, e projecta todo o ódio que sente pela mãe em todas as mulheres do mundo. Um dia encontra-o mas... A Fátima é uma mulher jovem de coração apaixonado. O seu maior sonho é casar com o Augusto. Hoje é o dia do casamento e ela está no altar. Espera incessantemente por ele. Não há forma de ele chegar mas ela não perde a esperança. Já a Júlia tem uma paixão que é um vício: o jogo. Está sempre no casino! Vendo-se completamente falida, não olha a meios para alimentar o vício! Mas a Ida trabalhou a vida toda! Só que foi despedida e o marido deixou-a. Hoje decidiu comprar o bilhete mais caro, viajar para o lugar mais distante... para se matar. Está revoltada com todos os seres humanos e não sai do seu casulo, a não ser que apareça alguém cheio de bondade e com vontade de oferecer essa bondade. A Ida não é muito diferente da Mulher. A Mulher é casada mas o marido também a deixou e ela vive sozinha, muito sozinha há muitos anos. Ela ficou velha muito cedo! Dobra sempre a mesma camisa, a camisa do marido, porque ele há-de voltar, ela sabe. Absolutamente espantosa é a Violeta! É uma máquina escrava do seu trabalho, a sua função é servir. Tem erros de fabrico: anda para trás e tem parafusos soltos. Vive revoltada com a sua própria natureza artificial. Violeta deseja uma vida plena de humanidade. Mas o que é ser humana? Violeta ainda não entende mas aos poucos vai descobrindo... Não sei se a Ana poderá ajudá-la. A vida da Ana é muito organizada, tem sempre tudo muito bem limpo e ordenado, além de que, sendo consumista, escolhe sempre os produtos mais baratos. É claro que vai entrar em choque com o Pintor, que é um nómada. O Pintor abandonou a sua casa devido a problemas com a família. Ganha dinheiro tocando na rua. A liberdade é a sua casa. Ele atravessou o inferno e agora, nem do diabo tem medo! Enfim, não tem nada a ver com o Igor que vive numa câmara subterrânea, no Mosteiro da Ordem da Luz. Abandonaram-no recém-nascido às portas do mosteiro e acabou sendo criado e educado pelos monges. Igor abraçou a fé e as causas da Ordem, estuda há anos o caminho da perfeição. O que diria ele ao advogado Valério? Valério provinha de uma família abastada e sempre executou bem o seu trabalho. Nunca criou grandes laços com as pessoas. Agora atingiu um ponto de colapso, sente-se distante de qualquer emoção e vai cometer um ou mais homicídios. O Mário tem pensamentos suicidas! Apaixonou-se pela Cecília mas ela trocou-o por outro rapaz. O Mário é um poeta e está perdido. Vamos encontrá-lo ao pé da árvore onde ele e Cecília deram o primeiro beijo... E depois há ainda...esta e aquela, e aquele outro. Mas sabem uma coisa? É preciso conhecê-los mesmo. É que não há gente sem olhos, e boca, e braços, e pernas,... todo o corpo uno e divisível, para nos surpreender, para amarmos ou retalharmos. E depois, há a troca de mundos. É preciso ir lá ver. Eles estão numa sala de teatro. E esperam, esperam,... até ao dia 23 deste mês.


16.4.12

O Estudante de Coimbra



Desde sexta, nas livrarias, O Estudante de Coimbra, de Guilherme Centazzi. É uma (re)edição do primeiro romance moderno português, esquecido e agora redescoberto, que afinal mostra que a História da Literatura Portuguesa tinha uma lacuna grave. Este romance foi também a primeira obra de ficção moderna portuguesa a ser traduzida para uma língua estrangeira. Em primeira-mão, podem aceder ao texto do primeiro capítulo deste pioneiro romance moderno português (1840-41) de Guilherme Centazzi, agora publicado pela Planeta Manuscrito .

Musica Nuda

Petra Magoni e Ferruccio Spinetti são a diva e o contrabaixo que Patrick Süskind não imaginou. Leram "O Contrabaixo" (1981), livro escrito antes do famoso "O Perfume - História de um assassino" (1985)? Tenho uma paixão por esse pequeno livro (monólogo)___ e pelos Musica Nuda. Oh cordas vocais virtuosas!

Vídeo coreografia "Bocca di Rosa". Direção vídeo: Roggero Pini. Bailarina e coreógrafa: Sarah Pini.

15.4.12

Ilusionismo

Julião Sarmento
I Can't Live Without You, 2006
Mixed media on canvas 196 x 190 x 6 cm


Não sei o que te diga. E se soubesse
a quem o diria? Já não sei inventar os domingos.
Pode-se inventar tudo menos os domingos.
Começo a vestir-me para o outono, começo
por este dia que só de dizê-lo é inverno.
Ponho uma camisola clara para afugentar a noite.
E todas as horas. As que ficam no fundo
e arrasam a gaveta. O peso incontável
de terem partido os dias da semana
iguais entre si, iguais a ti e a mim.
Ficou um segundo esquecido na gaveta.
É com ele que farei o dia e todos os dias
que faltam para que não me faltes.

ROSA ALICE BRANCO (n. 1950)
 
«Mestre em Filosofia do Conhecimento pela Universidade Nova de Lisboa. Ensina psicologia da perceção na Escola Superior de Artes e Design. Participou no Grupo de Estudos de Semiótica e Poética do Porto, tendo sido um dos responsáveis pela revista Figuras e pertence à direção da revista Limiar.
Com vasta obra publicada, a sua poesia, reflectindo sobre paradoxos filosóficos e linguísticos, ocupa um lugar único na poesia portuguesa contemporânea mais recente.»

13.4.12

À escuta #117

A. - Quando andavas na universidade, eu não existia... Viveste durante anos e eu era nada!
- Não, já eras uma espécie de sonho!
A. - Eu não existia!
- A existir mesmo, a seres mesmo tu, só depois de seres concebida...
A. - Isso é insuportável!
- Não percebo!
A. - Não gosto da ideia de ser nada. As pessoas morrem e dizem que continua a existir o seu espírito... Há muitas pessoas que acreditam nisso! Mas, antes de nascer, não podem também já ter um espírito?

Beijo

Dia do Beijo numa sexta-feira, 13.
Sai Yves Trémorin. ou queriam uma coisinha morna!


10.4.12

Nenhuma memória. A felicidade perfeita. Eu não a quero.

Ralph Eugene Meatyard. 1962



«Estoy leyendo una novela de Louise Erdrich. A cierta altura, un bisabuelo encuentra a su bisnieto. El bisabuelo está completamente chocho (sus pensamientos tienen el color del agua) y sonríe con la misma beatífica sonrisa de su bisnieto recien nacido. El bisabuelo es feliz porque ha perdido la memoria que tenía. El bisnieto es feliz porque no tiene, todavía, ninguna memoria. He aquí, pienso, la felicidad perfecta. Yo no la quiero.»

in Eduardo Galeano, El libro de los abrazos

8.4.12

Je ne me souviens pas plus loin que cette terre-ci et le christianisme

«(...) Je ne me souviens pas plus loin que cette terre-ci et le christianisme. Je n'en finirais pas de me revoir dans ce passé. Mais toujours seul; sans famille; même, quelle langue parlais-je? Je ne me vois jamais dans les conseils du Christ; ni dans les conseils des Seigneurs, — représentants du Christ. (...) À qui me louer? Quelle bête faut-il adorer? Quelle sainte image attaque-t-on? Quels cœurs briserai-je? Quel mensonge dois-je tenir? — Dans quel sens marcher?»

in Arthur Rimbaud, "Une saison en enfer", avril-août 1873.

Cette Terre-ci et le christianisme (Rimbaud)
© Nadir Afonso.

Pâques à New York



Blaise Cendrars in "Pâques à New York" (1912):

Seigneur, c’est aujourd’hui le jour de votre Nom,
J’ai lu dans un vieux livre la geste de votre Passion,

Et votre angoisse et vos efforts et vos bonnes paroles
Qui pleurent dans le livre, doucement monotones.

Un moine d’un vieux temps me parle de votre mort.
Il traçait votre histoire avec des lettres d’or

Dans un missel, posé sur ses genoux.
Il travaillait pieusement en s’inspirant de Vous.

À l’abri de l’autel, assis dans sa robe blanche,
il travaillait lentement du lundi au dimanche.

Les heures s’arrêtaient au seuil de son retrait.
Lui, s’oubliait, penché sur votre portrait.

À vêpres, quand les cloches psalmodiaient dans la tour,
Le bon frère ne savait si c’était son amour

Ou si c’était le Vôtre, Seigneur, ou votre Père
Qui battait à grands coups les portes du monastère.

Je suis comme ce bon moine, ce soir, je suis inquiet.
Dans la chambre à côté, un être triste et muet

Attend derrière la porte, attend que je l’appelle!
C’est Vous, c’est Dieu, c’est moi, — c’est l’Éternel.

Je ne Vous ai pas connu alors, — ni maintenant.
Je n’ai jamais prié quand j’étais un petit enfant.

Ce soir pourtant je pense à Vous avec effroi.
Mon âme est une veuve en deuil au pied de votre Croix;

Mon âme est une veuve en noir, — c’est votre Mère
Sans larme et sans espoir, comme l’a peinte Carrière.

Je connais tous les Christs qui pendent dans les musées;
Mais Vous marchez, Seigneur, ce soir à mes côtés
(...)
Je suis triste et malade. Peut-être à cause de Vous,
Peut-être à cause d’un autre. Peut-être à cause de Vous.

Seigneur, la foule des pauvres pour qui vous fîtes le Sacrifice
Est ici, parquée, tassée, comme du bétail, dans les hospices.

D’immenses bateaux noirs viennent des horizons
Et les débarquent, pêle-mêle, sur les pontons.

Il y a des Italiens, des Grecs, des Espagnols,
Des Russes, des Bulgares, des Persans, des Mongols.

Ce sont des bêtes de cirque qui sautent les méridiens.
On leur jette un morceau de viande noire, comme à des chiens.

C’est leur bonheur à eux que cette sale pitance.
Seigneur, ayez pitié des peuples en souffrance.

Seigneur dans les ghettos grouille la tourbe des Juifs
Ils viennent de Pologne et sont tous fugitifs.

Je le sais bien, ils t’ont fait ton Procès;
Mais je t’assure, ils ne sont pas tout à fait mauvais.

Ils sont dans des boutiques sous des lampes de cuivre,
Vendent des vieux habits, des armes et des livres.

Rembrandt aimait beaucoup les peindre dans leurs défroques.
Moi, j’ai, ce soir, marchandé un microscope.

Hélas! Seigneur, Vous ne serez plus là, après Pâques!
Seigneur, ayez pitié des Juifs dans les baraques.
(...)
Seigneur, je suis dans le quartier des bons voleurs,
Des vagabonds, des va-nu-pieds, des recéleurs.

Je pense aux deux larrons qui étaient avec vous à la Potence,
Je sais que vous daignez sourire à leur malchance.

Seigneur, l’un voudrait une corde avec un noeud au bout,
Mais ça n’est pas gratis, la corde, ça coûte vingt sous.

Il raisonnait comme un philosophe, ce vieux bandit.
Je lui ai donné de l’opium pour qu’il aille plus vite en paradis.

Je pense aussi aux musiciens des rues,
Au violoniste aveugle, au manchot qui tourne l’orgue de Barbarie,

À la chanteuse au chapeau de paille avec des roses de papier;
Je sais que ce sont eux qui chantent durant l’éternité.
(...)
Seigneur, rien n’a changé depuis que n’êtes plus Roi.
Le Mal s’est fait une béquille de votre Croix.

Je descends les mauvaises marches d’un café
Et me voici, assis, devant un verre de thé.

Je suis chez des Chinois, qui comme avec le dos
Sourient, se penchent et sont polis comme des magots.

La boutique est petite, badigeonnée de rouge
Et de curieux chromos sont encadrés dans du bambou.

Ho-Kousaï a peint les cent aspects d’une montagne.
Que serait votre Face peinte par un Chinois ? ..

Cette dernière idée, Seigneur, m’a d’abord fait sourire.
Je vous voyais en raccourci dans votre martyre.

Mais le peintre, pourtant, aurait peint votre tourment
Avec plus de cruauté que nos peintres d’Occident.

Des lames contournées auraient scié vos chairs,
Des pinces et des peignes auraient strié vos nerfs,

On vous aurait passé le col dans un carcan,
On vous aurait arraché les ongles et les dents,

D’immenses dragons noirs se seraient jetés sur Vous,
Et vous auraient soufflé des flammes dans le cou,

On vous aurait arraché la langue et les yeux,
On vous aurait empalé sur un pieu.

Ainsi, Seigneur, vous auriez souffert toute l’infamie,
Car il n’y a pas de plus cruelle posture.

Ensuite, on vous aurait forjeté aux pourceaux
Qui vous auraient rongé le ventre et les boyaux.

Je suis seul à présent, les autres sont sortis,
Je me suis étendu sur un banc contre le mur.

J’aurais voulu entrer, Seigneur, dans une église;
Mais il n’y a pas de cloches, Seigneur, dans cette ville.
(...)

New York, avril 1912
Imagem: Samuel Aranda (The New York Times). Iémen, 2011. Foto do Ano no World Press 2012. A imagem mostra uma mulher segurando um familiar ferido durante protesto contra o governo do Iémen na capital Sanaa.

Não se deitam comigo corações obedientes

A Naifa, hoje, no Centro Cultural de Ílhavo.

Foi bom vê-los pela terceira vez ao vivo, agora sem o João Aguardela, mas ainda com a memória dele tão presente. A Sandra Baptista é o novo elemento da banda e é simplesmente a mulher mais bonita que já vi a tocar baixo. A Mitó (voz), o Luis Varatojo (guitarra portuesa) e o Samuel Palitos (bateria) estão como esperávamos, cada vez mais próximos, cada vez mais simples. O Centro Cultural de Ílhavo estava com a casa meia cheia (não se sentiu a parte meia vazia)(mas, pela conversa após o espectáculo, nos bastidores, não havia muita gente da terra___ ou havia muita gente que não era de Ílhavo)(a verdade apanha-se com mentiras ou entre muitas tentativas para contar uma mesma estória). O novo álbum tem um título poético e revelador, afirma uma atitude, que eu diria ser a d' A Naifa: "Não se deitam comigo corações obedientes". Como em todos os álbuns anteriores, há um enorme cuidado com as letras das canções; desta vez, todos os temas têm a autoria de poetisas portuguesas. Se gostarem de Margarida Vale de Gato ou de Adília Lopes, podem (re)encontrá-las. e Maria do Rosário Pedreira, Ana Paula Inácio e Renata Correia Botelho. Enfim, «não há mais mundos, este chega e sobeja/ o fruto proibido era a cereja...».


5.4.12

La Beauté

La Beauté triste de Charles Baudelaire (Fleurs du mal). Finito.



Je suis belle, ô mortels! comme un rêve de pierre,
Et mon sein, où chacun s'est meurtri tour à tour,
Est fait pour inspirer au poète un amour
Eternel et muet ainsi que la matière.

Je trône dans l'azur comme un sphinx incompris;
J'unis un coeur de neige à la blancheur des cygnes;
Je hais le mouvement qui déplace les lignes,
Et jamais je ne pleure et jamais je ne ris.

Les poètes, devant mes grandes attitudes,
Que j'ai l'air d'emprunter aux plus fiers monuments,
Consumeront leurs jours en d'austères études;

Car j'ai, pour fasciner ces dociles amants,
De purs miroirs qui font toutes choses plus belles:
Mes yeux, mes larges yeux aux clartés éternelles!

— Charles Baudelaire

Les Fleurs du mal

E finalmente: Charles-Pierre Baudelaire por Léo Ferré.

Para quem quiser: TUDO

Les Assis

Arthur Rimbaud, «Les Assis», musicado e cantado por Léo Ferré. Ao vivo!
Antes, Ferré divaga... bem!


Âme te souvient-il

Léo Ferré pegou num gravador e em sua casa gravou dezenas e dezenas de poemas de Rimbaud e de Verlaine. Por vezes, musicava os poemas. A voz e o seu piano. Só depois da sua morte foram encontradas todas gravações (que não são de grande qualidade técnica). Imaginar esses momentos. enternece. Aqui, um registo muito belo. Comecemos por Paul Verlaine.

4.4.12

Para quando uma reedição?


O meu livro, uma (5ª) edição de 1983. Eu suspeito que "Os dados estão lançados" não é reeditado há quase 30 anos!

Os dados estão lançados

Jean-Paul Sartre (1905–1980) escreveu um romance genial e delicioso de ser lido, “Os dados estão lançados” (1947). Seria excelente se o livro fosse reeditado em Portugal! Esta obra-prima, manifesto de consciência de classe, tratado de metafísica, furioso arranca-corações, livro de culto, guião de cinema (filme realizado por Jean Delannoy), anda desaparecida há tanto tempo...

Muito sucintamente, é a história de uma mulher burguesa e de um chefe de uma "Liga" de resistência que se apaixonam perdidamente um pelo outro mas, porque se encontram apenas após a sua morte (ambos foram assassinados), não podem consumar o seu amor. No céu, não são tangíveis...

«Olham-se e dançam em silêncio por um momento.
- Diga-me - pergunta Pedro de repente -, o que é que se passa? Não pensava senão nos meus aborrecimentos há bocado e agora estou aqui. Danço e não vejo senão o seu sorriso... Se isto fosse a morte...
- Isto?
- Sim, dançar consigo sempre, só a ver a si, esquecer tudo o resto...
- E depois?
- A morte valia mais que a vida. Não acha?
- Aperte-me com força - diz ela baixinho.
Os rostos estão muito perto um do outro. Dançam ainda um instante e ela repete:
- Aperte-me com mais força...
Bruscamente, o rosto de Pedro entristece-se. Pára de dançar, afasta-se um pouco de Eva e exclama:
- É uma comédia. Nem sequer cheguei a tocar a sua cintura...»
[in Sartre, Jean-Paul, "Os dados estão lançados", Ed. Presença, 1983, pp 72-73]

Decidem então dirigir-se a Deus, reclamar e obter autorização para voltar à Terra. Deus é misericordioso e aceita que regressem para viver o amor e a vida em comum que lhes havia sido indevidamente frustrada. Mas impõe uma condição: têm 24 horas para ultrapassar todas as barreiras inerentes à diferença da sua condição social. Se forem bem sucedidos, esquecerão o episódio da morte; se falharem, voltarão ao céu.
__________

Muitas das ideias do político e do filósofo estão contidas neste pequeno livro, pelo que não é difícil imaginar o final. Sartre milita activamente no partido comunista e virá a aproximar-se cada vez mais do marximo, integrando-o no existencialismo (La Critique de la raison dialectique, 1960). Em 1952 rompe publicamente a amizade com Camus, devido à publicação de "O Homem Revoltado" no qual Camus ataca criticamente o Estalinismo.
E o que dizer da nova oportunidade oferecida a Pierre e Eve: será o destino mais forte que o livre-arbítrio? A liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem?

Existe uma versão disponível on line, tradução portuguesa, que poderão gravar/imprimir enquanto esperam (!) pela publicação de uma nova edição. 

3.4.12

o guizo do poente da infância

"Quando te sentas, à porta da noite, e recordas o guizo do poente da infância, três gazelas vermelhas vêm ter contigo."

Tiago Veiga, "Mamma, Why Did You Awake Me?" (Colectânea inédita)



No final de um dia cheio. Elas hoje fizeram 12 anos! 

«entre o planeta e o sem-fim a asa de uma borboleta»

«No misterio do sem-fim equilibra-se um planeta. E no planeta um jardim e no jardim um canteiro no canteiro uma violeta e sobre ela o dia inteiro entre o planeta e o sem-fim a asa de uma borboleta.»

Cecília Meireles

Tine Drefahl

1.4.12

O discurso de Souhayr Belhassen. ou:

Imagem: Jean Gaumy.
Treino de mulheres voluntárias nas milícias iranianas em Teerão,
Irão, 1986.

«modernidade mutilada»

Souhayr Belhassen, activista tunisina dos direitos humanos, :

«A Tunísia tinha todos os ingredientes para fazer esta revolução. Temos a primeira Constituição do mundo árabe, o primeiro sindicato operário em África e no mundo árabe, o primeiro código de estatuto oficial evoluído, a primeira liga de direitos humanos no mundo árabe. A Tunísia foi o país que escolheu fazer da educação e não das armas a sua prioridade. Temos 90% da população escolarizada. A organização da justiça e do ensino determinava que o país tivesse escolhido a modernidade. Tinha todos os elementos de modernidade, mas essa modernidade estava mutilada. Porque tínhamos modernidade económica e social, mas não política. E esta modernidade mutilada serviu de terreno aos islamistas.»