4.4.12

Os dados estão lançados

Jean-Paul Sartre (1905–1980) escreveu um romance genial e delicioso de ser lido, “Os dados estão lançados” (1947). Seria excelente se o livro fosse reeditado em Portugal! Esta obra-prima, manifesto de consciência de classe, tratado de metafísica, furioso arranca-corações, livro de culto, guião de cinema (filme realizado por Jean Delannoy), anda desaparecida há tanto tempo...

Muito sucintamente, é a história de uma mulher burguesa e de um chefe de uma "Liga" de resistência que se apaixonam perdidamente um pelo outro mas, porque se encontram apenas após a sua morte (ambos foram assassinados), não podem consumar o seu amor. No céu, não são tangíveis...

«Olham-se e dançam em silêncio por um momento.
- Diga-me - pergunta Pedro de repente -, o que é que se passa? Não pensava senão nos meus aborrecimentos há bocado e agora estou aqui. Danço e não vejo senão o seu sorriso... Se isto fosse a morte...
- Isto?
- Sim, dançar consigo sempre, só a ver a si, esquecer tudo o resto...
- E depois?
- A morte valia mais que a vida. Não acha?
- Aperte-me com força - diz ela baixinho.
Os rostos estão muito perto um do outro. Dançam ainda um instante e ela repete:
- Aperte-me com mais força...
Bruscamente, o rosto de Pedro entristece-se. Pára de dançar, afasta-se um pouco de Eva e exclama:
- É uma comédia. Nem sequer cheguei a tocar a sua cintura...»
[in Sartre, Jean-Paul, "Os dados estão lançados", Ed. Presença, 1983, pp 72-73]

Decidem então dirigir-se a Deus, reclamar e obter autorização para voltar à Terra. Deus é misericordioso e aceita que regressem para viver o amor e a vida em comum que lhes havia sido indevidamente frustrada. Mas impõe uma condição: têm 24 horas para ultrapassar todas as barreiras inerentes à diferença da sua condição social. Se forem bem sucedidos, esquecerão o episódio da morte; se falharem, voltarão ao céu.
__________

Muitas das ideias do político e do filósofo estão contidas neste pequeno livro, pelo que não é difícil imaginar o final. Sartre milita activamente no partido comunista e virá a aproximar-se cada vez mais do marximo, integrando-o no existencialismo (La Critique de la raison dialectique, 1960). Em 1952 rompe publicamente a amizade com Camus, devido à publicação de "O Homem Revoltado" no qual Camus ataca criticamente o Estalinismo.
E o que dizer da nova oportunidade oferecida a Pierre e Eve: será o destino mais forte que o livre-arbítrio? A liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem?

Existe uma versão disponível on line, tradução portuguesa, que poderão gravar/imprimir enquanto esperam (!) pela publicação de uma nova edição. 

Sem comentários: