28.11.08

Satyagraha (Gandhi)

«Could an opera put virtue back on its feet or make us warriors for peace?”


Philip Glass: Satyagraha
Act 1 "Tolstoy"
Scene 1 "The Kuru Field of Justice" (início)
Scene 1"The Kuru Field of Justice" (excerto)
Scene 3 "The Vow" (excerto)
Staatsoper Stuttgart
Conductor: Dennis Russell Davis
Stage direction: Achim Freyer

23.11.08

Books Not Bombs

Books Not Bombs (vídeo)
Nicholas D. Kristof in Pakistan

“Durante os anos em que vivia em França, prometera a si próprio fazer aquilo que a mãe, que ficara na Argélia, aquilo que ela lhe pedia desde longa data: visitar a sepultura do pai que nunca vira. Ele pensava que a visita não fazia o menor sentido, para si próprio, antes de mais (...), e depois, para a mãe que nunca falava do extinto... (...) Foi então que leu na sepultura a data de nascimento do pai e descobriu ao mesmo tempo que até agora a ignorara. Em seguida, leu as duas datas, «1885-1914» e procedeu a um cálculo mental: vinte e nove anos. Surgiu-lhe de súbito uma ideia que o fez estremecer. Tinha quarenta anos. O homem sepultado sob aquela pedra, e que fora seu pai, era mais jovem do que ele. E a vaga de ternura e piedade que de repente lhe encheu o coração não era o movimento de uma alma que conduz o filho à evocação do pai desaparecido, mas a perturbada compaixão que um homem feito experimenta perante a criança injustamente assassinada (...). Olhava as outras placas do rectângulo e reconhecia nas datas que o solo estava juncado de crianças..."

Albert Camus,
O Primeiro Homem
Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 1994, pp 29-30-31

21.11.08

O ÁLBUM, uma criação de Helena Botto

ATÉ 23 DE NOVEMBRO, 22H

O Álbum é uma criação híbrida que entrecruza os universos da performance, da fotografia, do vídeo, da imagem em tempo real, da música e utilizando como fio dramaturgico condutor alguns fragmentos de textos de Câmara Clara de Roland Barthes e de Crave de Sarah Kane. Há nesta amálgama de linguagens um elemento que as contrapõe: a questão da imobilidade e do devir. Tal como a fotografia, a música, as imagens de vídeo e os textos, não estão sujeitos à mudança e ao desgaste (a menos que deliberadamente neles intervenhamos aposteriori da sua concepção), no entanto o corpo (performance) esse estará irremediavelmente sujeito ao desgaste, à perda, à transformação. É talvez a cruel fatalidade a que não poderemos escapar e sobre a qual nos propomos reflectir.

Um corpo emerge do Álbum da Memória, um espaço constituído por cerca de 2000 fotografias pessoais. Este aglomerado de imagens privadas, constitui aquilo a que se chamou o Álbum da Memória. São fotos de infância misturadas com fotos recentes, fotos de trabalho, fotos de férias, fotos de festas, fotos de pessoas, instantâneos recolhidos à socapa, fotos roubadas de outras pessoas, de outras vidas, outras vidas partilhadas, outras vidas cruzadas.

É então a partir desta mancha de imagens paralizadas, fixadas em papel fotográfico, que todo o processo performativo se vai construindo. Diante da unicidade de uma imagem, há determinados pormenores (o punctum de que nos fala Roland Barthes) de algumas fotos que subjectivamente foram destacados e que provocaram associações psico-fisicas e comportamentos que se foram construindo. Diante da unicidade do Álbum da Memória, houve determinadas fotografias que se destacaram talvez porque tenham causaram uma vertigem temporal, porque remeteram o corpo para um universo de memórias, porque cruelmente afirmaram aquilo que foi e não aquilo que imaginámos ter sido…

Estes pormenores imutáveis de fotografias e estas fotografias imutáveis, estes fragmentos da realidade são destacados e instalados na tela vazia, orgânica e sujeita ao desgaste que é o corpo da performer, este corpo reage através de uma linha de comportamentos também ela fragmentária a estes estímulos, criando e construindo à medida que a performance se desenvolve um novo álbum, talvez ainda mais privado e pessoal, O Álbum Interior.

E porque este novo álbum é corpo (corpo-memória) está ele próprio sujeito ao devir, à transformação, à perda, urge a necessidade de o guardar, de o gravar, talvez numa tentativa cruel (?) de paralização temporal. Um registo fotográfico deste álbum interior vai sendo feito à medida que a performance decorre. Estas novas fotografias impressas originarão um novo álbum, a Memória do Álbum Interior.

Barthes diz-nos, “a fotografia é violenta, não porque mostre violência mas porque nela nada pode recusar-se ou transformar-se”… a paralização e a fragmentação temporal é violenta, sem dúvida a incapacidade do devir é monstruosa… mas o tempo que passa, e as alterações que vamos sofrendo, as pessoas, os momentos, todo um conjunto de inefabilidades que se vão perdendo, e que serão sempre irrecuperáveis, não serão elas ainda mais violentas? O que são as nossas fotografias quotidianas senão o registo de momentos que queremos por alguma razão fixar… não será a perda desses momentos e o seu devir ainda mais violento? Contra argumentando, diriamos que a passagem do tempo, as transformações a que vamos estando sujeitos acabarão por nos trazer outras vivências e por eliminar gradualmente os sentimentos de perda… Quanto à primeira parte de acordo, quanto segunda só posso concordar com Barthes: “(…) o luto com o seu trabalho progressivo elimina lentamente a dor. Eu não podia nem posso acreditar nisso, porque para mim o tempo elimina a emoção da perda (não choro), é tudo. Quanto ao resto, tudo ficou imóvel.”

Helena Botto



Conceito, direcção artística, concepção plástica e instalação espacial, dramaturgia, e performance: Helena Botto
Composição musical original e sonoplastia: João Figueiredo
Captação de imagem e videoplastia: João Raposo
Performers no vídeo: Helena Botto e Pedro Bastos
Texto: fragmentos de “Câmara Clara” de Roland Barthes e de “Crave” de Sarah Kane
Desenho de luz: José Nuno Lima
Operação de luzes: João Teixeira / Hugo Martins
Design: Joana Ivónia /Look Concepts
Produção executiva: Helena Botto / Projecto Transparências – criação de objectos performativos - associação

19.11.08

D & C


O ano passado esqueci-me do aniversário mas, desta vez, deixo a nota: o Divas & Contrabaixos começou a 19 de Novembro de 2004, há exactamente 4 anos.
Já devem ter dado por isso, blogar entusiasma-me cada vez mais menos, mas não largo o vício. O blogue funciona agora como um registo de memórias soltas, nada exaustivas, entrecortado aqui e ali, por uma pequena acção de campanha a favor ou contra causas glo-locais (ou nem isso, nos últimos tempos). Falta-me tempo e fogo.
Como também é preciso navegar - e eu ando a navegar pouco por estes espaços virtuais, o número de visitantes acidentais concorre com o dos visitantes intencionais e até fica a ganhar. Nesse campo, as surpresas não diminuiram. As buscas mais frequentes, para além das óbvias, relativas a "divas" nuas ou compostas, chamam ao presente posts escritos há bastante tempo e que não pensava serem susceptíveis de maior interesse. Deixo o link para alguns deles ...


Desde Setembro de 2008, e segundo o serviço Clicky, o ranking é este.

Homem na escuridão

ou seja

17.11.08

20 anos é pouco tempo

Barcelona
Nov. 2008
Foto MRF

Há 20 anos atrás tirei uma foto a um amigo neste lugar. Guardei a foto. O amigo desapareceu pouco tempo depois. Levou-o uma doença de que se começava a falar muito na época, mas que parecia completamente distante do nosso universo de possibilidades. Há uma semana, neste lugar, revi-me a tirar a foto. E andei com o Luíz (com "z") por ali durante um bom bocado. até uma das minhas filhas me chamar. ou até a banda brasileira começar a tocar no palco improvisado. ou até concluir que a vida é assim. plena de absurdos.

Mariza

Barcelona
Foto MRF
[Clicar na foto para aumentar]


A Mariza actua no dia 19 no Palau de la Musica. Barcelona soprava Mariza em todas as ruas.

16.11.08

Dia Nacional do Mar


Música: Manos Hadjidakis. Arranjos: Nikos Kypourgos.
Edição de cenas do filme "Thasos" (1961) de Takis Kanellopoulos


Foi a 16 de Novembro de 1994 que entrou em vigor a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, um novo quadro jurídico para o direito do mar ratificado por Portugal em 1997, tendo então assumido responsabilidade numa das áreas marítimas mais extensas da Europa, e a maior da União Europeia, com uma dimensão 18 vezes superior ao território nacional.

15.11.08

Barcelona, Nov 2008
Foto MRF



"O Eu «chocalha» por dentro. É o preço de quem se ampliou em demasia, de quem voou mais alto, de quem teve pretensões de soberania."

Esta citação encontrei-a na obra de Fátima Inácio Gomes sobre «O Imaginário Sexual na Obra de Mário de Sá Carneiro». A citação não tem qualquer relação com a foto. a não ser no meu imaginário. Juro. se eu fosse capaz de me erguer dentro de um tal par de botas, «chocalharia» por fora e por dentro e, avistando a primeira rotunda, transformar-me-ia em polícia sinaleiro. A minha pretensão de soberania é curta e pobre. Enfim, era isso ou dar pontapés no maior número possível de traseiros. pulsão crua. sado, pois. e maso, que a hérnia discal ia logo dar sinal.

Exposição na Bobogi

E eu, que gosto de joalharia portuguesa por todas as razões, é claro que vou estar na exposição que é inaugurada na Bobogi às 16 horas.

Para além da empreendedora bobogiana Marta Matias, veremos joalharia de autor de
Liliana Alves - Maria Martinho - Paula Fulgêncio - Patrícia Iglésias - Susana Alves - Olga Pinto - Susana Nunes - Miriam Matos - Catarina Fernandes - Priscília Cruz - Luísa Martins

Às 18h, poderemos ainda assistir à apresentação das colecções
Story Tailors (Outono/Inverno 2008) e Malene Birger (Primavera/Verão 2009)

14.11.08

Blindness - Ensaio sobre a cegueira #3



Os primeiros cinco minutos... de um filme que começa bem e não decepciona. Há inteligência na economia operada na narrativa e eficácia na gradação da densidade e da tensão. O espaço diegético é muito bem explorado. A obra de Saramago é uma parábola que Fernando Meirelles conservou em estado sólido. como se o realizador não tivesse desconstruído o romance. deixando essa parte para nós. E as leituras são forçosamente plurais. Li que a cegueira, ou quase todas as suas formas, é contagiosa. que são tão cegos os que vêem branco como os que vêem todas as formas e cores. que aqueles a quem é diagnosticada a doença têm a mesma probabilidade de salvação que os que (só) aparentemente são sãos. que as minorias são muitas vezes maiorias invisíveis, nascendo a ilusão de mero retardamento de sintomas. que qualquer forma de organização humana reproduz o modelo dominante (a teia de relações, hierarquias, ideologias, valores, aporias, evocados nesse laboratório social que é o campo de quarentena, somos nós). que, face à escassez de recursos e, sobretudo, quando se trata de sobrevivência, não predomina a solidariedade. e quem detém poder (o cego à nascença) tende a abusar desse poder, sendo raros (a heroína) os que dele se servem para servir os outros. que o absurdo é inexpugnável. que a generosidade também cega.

a minha cegueira cala-me agora. o que vos disse a vossa cegueira?

12.11.08

Tu casa eres Tú

COLECCIÓN GAUDI



Alguns dias nas cidades todas que existem em Barcelona. Um tempo mui bueno pero obras em toda a parte. A Sagrada Familia, em perpétua construção, é uma realidade e uma metáfora da Cidade. Que importa! Em Barcelona sentimos um estranho familiar saboroso. Tanto mais que por lá vivem amigos. PopUp - Tu casa eres Tú é o projecto da E.. Querem uns Gaudi iguaizinhos a estes? Liguem à E.! Vale?

5.11.08

3.11.08

Um pouco de clareza...

Dardos, dardos e dardos



«Com o Prémio Dardos se reconhecem os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, são uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web. Quem recebe o “Prémio Dardos” e o aceita deve seguir algumas regras:

1 - Exibir a distinta imagem;
2 - Linkar o blog pelo qual recebeu o prémio;
3 - Escolher quinze (15) outros blogues a quem entregar o Prémio Dardos.»

Jogando aos dardos:
1 -


2 - ABSORTO , BLOG DO ZIG, Aquiles, Hector, a vossa Briseida agradece a distinção!

3 -
ZUMBIDO - WASTED BLUES - VOZ EM FUGA - VIDA DAS COISAS - UM DIA A MENOS - SAUDADES DO FUTURO - RENDEZ-VOUS - RAÍZES E ANTENAS - RAIM - PUBLICISTA - PLAN(O)ALTO - PÉ DE MEIA - ONDAS3 - O RASTO DOS COMETAS - O PREDATADO

1.11.08

Suze (7)

Dante Gabriel Rossetti
Detalhe de Paolo e Francesca da Rimini, 1855


Conheceste príncipes, é certo, mas nem um místico: só mais ou menos imbecis... Não te fossem falar do céu - a ti que tantos viras de platina na boca de gozadores com avaria.
Por isso não tiveste gritos, não te estorceste: nem sei mesmo se choraste.
Posta em teatro, não farias uivar as galerias nessa paródia de circo tão grotesca que é um quinto acto para burgueses e povinho; eras pròs raros apenas como o matoidismo poético da minha terra. Na tua voz de folha seca, dizias de todo o teu calvário apenas isto: é um detalhe.
Mas para mim, Suze, o teu corpo serpentino, que ora começa a decompor-se, o teu génio a fagulhar num incêndio múrmuro de élitros e, sobretudo, o supremo encanto da tua dor heróica, sem desfalecências e sem queixas, para sempre ficarão no meu espírito, como qualquer coisa de belo, de perfeito, pois que correste os bastidores da vida, todo o egoísmo, toda a lama, toda a infâmia, em vítima serena - tão serena como essas que na Grécia iam hirtas de dor entre colunas...
E amaste sempre o sol! E amaste sempre o sol!

Deixa-me lembrar-te: é a última carta que te escrevo. Desta vez serei sincero, porque estás morta, porque a não lerás...
Espera!... As nossas tardes no Rio Doce, em Leça... Os olhos dos mortos ainda reflectem, ainda vêem... Pudesse eu ir arrancar-tos, trazê-los nas mãos com cautela, como dois pássaros mortos, e dar-lhes ainda a beber - pobrezinhos! - sol, mar, areias ruivas, águas correntes...
Pudesse eu beijar-te os olhos mortos!
Chamava-se Sol o nosso barco. Eu levava-o à vara, lentamente. Tiracas o chapéu, estendias-te à popa e nem falavas. De quando em quando, ia colar à tua a minha boca: beijava-te as pálpebras de manso.
Parava sob um chorão, à sombra dos teus cabelos verdes. Cingia-te. Poisava a cabeça nos teus seios, que eram lindos, tersos como de virgem. Todo o teu corpo desfalecia, se humilhava no teu vestido de seda crua como o duma criança adormecida... E era então que eu sentia, que eu palpava, que eu vivia a vida divina do silêncio.
Era mais vago o marulhar da ramaria e fazia mais silêncio, como faz mais silêncio, à noite, o acorde das ondas numa praia...
Sentia-se cair silêncio como se sente cair névoa.
As nossas bocas colavam-se num beijo húmido, calado, de volúpia tristíssima, confrangida. Era como uma despedida sem palavras, muito lenta, de dois suicidas...
Eu não te via os olho, adivinhava-os: estavam maiores, mais nevoentos, como janelas deitando prò silêncio que se cavava em torno, fazendo leito ao nosso pensamento pelo espaço...
E confusamente sentíamos que o tempo passava, passava sempre entre os nossos corpos enlaçados...
Por fim - era à boca da noite - voltávamos.
Devagarinho, dizias tu, devagarinho...
Eu ia levando o Sol na água mortuária, e à nossa passagem partiam sempre, iam partindo, pássaros mal adormecidos nos salgueirais das margens, reflectiam-se no rio em fugas de asas, e era tudo mais triste como se esse voo fosse o adeus de tudo...

-continua-
[fragmentos anteriores]



«Suze», de António Patrício (in Serão Inquieto), 1910