28.10.05

Para o Voz em Fuga, que lançou um desafio

O mote: Porque estás triste? Não te dei já o sumo de laranja que querias?

TARDE

O pai apresentou-me. Esta é a Alice. Ela parou um segundo, olhou para mim de lado e depois continuou a brincar. Eu já a conhecia, ou quase. Quando ele decidiu chamar-lhe Luz, pensei que o tinha perdido para sempre. Esperei tantos anos, Luz. Confesso que só nos últimos meses comecei a amar-te. Amar-te por seres a Luz do homem que já posso amar. E quero amar-te mesmo depois dele. Depois do cansaço ou da indiferença que sei que vai acontecer.

E de repente, aproximaste-te de nós. O teu pai ali, a observar-nos. O fato de banho molhado. Ser mãe é perguntar Vamos mudar de roupa, querida? Foi com ternura que te despi e te disse para ficares ali a apanhar sol. para te aqueceres. Bebe um bocadinho de sumo enquanto vou buscar uma roupa seca.
- Não, e quero ficar nua.

Ficaste nua toda a tarde. deitada na cadeira de lona. e não disseste mais nada. O teu pai afastou-se encolhendo os ombros. Sabes Luz, tenho a impressão de que te conheço há muito tempo. Ainda estavas na barriga da tua mãe e já sabia que te ias chamar assim. E às vezes via-te passar com ela. Deves ter muitas saudades. Queres antes este sumo?

Luz, achas que podemos ser amigas?

Porque estás triste? Este sol é tão quentinho, já te dei o sumo de laranja que pediste. Eu queria ajudar-te a esquecer.

- A mãe deitava-se aqui comigo. eu adormecia deitada no corpo dela.
E então levantaste-te, foste à tua mochila, tiraste um molho de fotografias que começaste a ver. e depois mostraste-me apenas uma. O teu corpo sobre o de tua mãe, que te pertencia, que te acomodava.

Esta tarde passada contigo. e tu ainda no colo dela. toda esta tarde com ela. E não comigo.

1 comentário:

Miguel Horta disse...

Gosto muito...um outro ponto de vista. o desenho permite isso...não é muito definido, deixa espaço para a escrita