9.3.07

Se por acaso ouvires esta mensagem #5

Disseram-me, e eu ouvi. Mas não posso guardar só para mim essas palavras, tenho de dividi-las com alguém, desde logo contigo.
Claro que havia também o homem que eu amava, é claro que falámos disso, da culpa dele, porque não me disse, e deveria ter dito, da distância que, a partir daí, se cavou entre nós, pela traição das palavras não ditas.
Mas antes dele, estavas tu, que também me deverias ter protegido e falhaste. Se alguém me traiu, foste primeiro tu. Também eu me deveria ter protegido mais, sei que vais dizer isso, ou sei que dirias, se falasses comigo. Mas proteger-me como? Os preservativos rebentam, ou não sabes disso? Não podes fingir sempre que és alheio a tudo: se um homem que eu amava me traiu, foi porque, primeiro, tu me abandonaste.
Deixaste-me cair na noite, no meio do nevoeiro e do fumo. Devias estar na minha vida, junto de mim, e não estavas. E o que acontece comigo não te importa. Culpa minha? Não, culpa tua. Sei que estou a gritar, e que mesmo assim não me ouves, porque não estás aqui. Se estivesses eu sacudia-te pelos ombros, batia com os punhos nos teus ombros, sufocaria a voz no teu peito, esconderia o rosto nos teus braços. Faz qualquer coisa, gritaria até perder a voz. Faz qualquer coisa por mim.
O meu rosto estaria roxo de cólera e eu continuaria a gritar até ter a certeza de que me ouvias. Porque eu não mereço, tu sabes melhor do que ninguém que não mereço. Justamente agora. Quando tudo se ajeitava na minha vida, que parecia finalmente resolver-se. [continua]


autora: Teolinda Gersão
pré-publicação do conto (fragmento 5): Se por acaso ouvires esta mensagem
do livro: A Mulher que Prendeu a Chuva
editora: Sudoeste

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