7.6.07

Vamos brincar às cidades

"Pequeno auditório a implantar junto ao monumento aos mortos da Grande Guerra"

O concurso do Expresso chama-se "Vamos Fazer a Cidade" e, dado o destaque - cinco páginas na Única (Expresso de 2 de Junho), a pretensão pode parecer séria. Mas, pelo menos desta vez, não foi!

O projecto de requalificação para a Av. Lourenço Peixinho, em Aveiro, elaborado pela dupla Tiago Filipe Santos e João Paulo Cardielos, ambos arquitectos, é, no mínimo, desconforme em grandeza. Eu diria que os autores leram Avenida Lourenço Peixinho mas pensaram Avenue des Champs-Elysées. O projecto apresentado prevê um corredor central para peões e ciclistas e ainda: um pequeno auditório, um campo de futebol, um bar, um quiosque, um espaço de leitura, um espaço expositivo, um campo de basquetebol, um espaço para jogos tradicionais, um grande auditório, um espaço internet, um multi-usos, um espaço radical, uma piscina e um centro de turismo, enterrados ou à superfície.

Juro que li o artigo mais do que uma vez, pensando nas dimensões (largura) da avenida! O pressuposto só poderia ser o da eliminação das faixas rodoviárias! Mas não, "os automóveis não terão de ser erradicados", "reduz-se o número de vias para, apenas, uma em cada sentido, com corredor de estacionamento paralelo". Enfim, dada a construção recente do túnel num dos topos da Avenida (em frente à Estação da CP), convém mesmo não erradicar agora os automóveis!

Para além do elevado número de núcleos programáticos, o projecto de arquitectura prevê que estes sejam "abraçados" por estacas verticais, "optando-se por repetir sistematicamente" este "elemento de base estrutural". As imagens do jornal eram sugestivas... de uma Avenida sobrepovoada de construções.

O artigo tem o título "Olhares convergentes" mas, quem conhece a avenida em questão, só pode convergir na necessidade de mudança. É um facto que "de artéria nobre, unindo a Estação ao Rossio, foi, aos poucos, perdendo personalidade. «Nos anos 80 do século XX acentuou-se a troca da ocupação residencial pelo comércio e serviços, aliás, como noutras cidades. Nos anos 90, as fusões de algumas empresas e instituições bancárias levaram à desocupação de grande parte dos imóveis e à sua consequente degradação»." Falta acrescentar que a actividade comercial na Avenida Lourenço Peixinho foi fortemente abalada pela abertura do espaço Forum Aveiro e que esta "ameaça" se mantém.

O júri do concurso decidiu distinguir a proposta "cujo conceito central era a devolução do ambiente de «boulevard» oitocentista." É um facto que existe algum despotismo iluminado no projecto e na forma adoptada pelo Expresso para o apresentar. Concerteza, o plano para o corredor central da Avenida reflecte "um modelo de cidade ideal". Mas, e os prédios que já estão implantados? Como disfarçar o alinhamento desastroso de construções nos dois lados da avenida? Qual é a tipologia construtiva que se sugere para o futuro?

Fixemos a ideia principal, "de abrir um novo universo de actividades, de carácter lúdico, pedagógico ou cultural, incorporando programas actuais e recuperando valores identitários que se desvaneceram." Esqueçamos tudo o resto. Até o facto de nenhum projecto ser exequível do ponto de vista financeiro. Até o facto do Projecto Avenida de Arte Contemporânea, que previa animar a Av. Lourenço Peixinho, criando espaços de exposição de arte da Capitania até à antiga Estação da CP, não avançar. Esqueçamos tudo isso, deixemos a Avenida silenciosa. E então aceitaremos que se faça este tipo de jornalismo. Cinco páginas de ficção vendidas como matéria de primeira!



P.S.: Outra aveirense que também não percebeu!

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