3.2.05

O Dia do Escrutinador


Dave April

Estamos em pleno período de campanha eleitoral pelo que, quase diariamente, ouvimos falar de sondagens de opinião. As sondagens aumentam as audiências dos media, os media investem nelas; os políticos comentam as sondagens, contestam-nas se fôr caso disso, às vezes ameaçam instaurar processos; são matérias que vendem. Depois, os partidos políticos também encomendam sondagens e temos sempre a impressão de que estas lhes são mais favoráveis!?
O que resulta de todo este espectáculo é uma enorme descredibilização das sondagens de opinião, nomeadamente de um dos seus tipos, a sondagem eleitoral.
Não acreditando na hipótese de "construção de resultados" por parte das empresas de estudos de mercado, não posso deixar de admitir que existem problemas de natureza metodológica, por um lado, e relativos à publicação/divulgação das ditas sondagens, por outro. Aquando da última revisão da legislação que enquadra as sondagens e as regras jurídicas em matéria da sua divulgação - definidas pela Lei 10/2000, de 21 de Junho -, vários investigadores de reconhecido mérito foram convidados a dar o seu contributo (teórico) pela AACS.
Note-se que cabe à AACS (Alta Autoridade para a Comunicação Social) o poder de fiscalizar a publicação de sondagens eleitorais. É também a AACS que credencia as entidades que podem realizar estes estudos (segundo os últimos dados, são apenas 13).
Ora lendo esses "contributos", críticos em relação à situação e legislação actuais, ficamos imediatamente esclarecidos sobre as limitações objectivas das actuais sondagens. Chamo a vossa atenção para este documento escrito pela profª Maria Helena Gomes que se centra mais nos aspectos ligados à qualidade da informação estatística, mas onde também podemos aprender a ler de forma crítica a ficha técnica de uma sondagem.

A informação estatística pode ser obtida por vários processos, mas o mais comum é através de inquéritos por amostragem. Um inquérito por amostragem tem várias etapas e em cada uma delas há que ter em conta a qualidade. Desde a definição dos objectivos até à divulgação dos resultados, passando pela definição do universo, pelo dimensionamento da amostra, pelo desenho do questionário, pela qualidade dos entrevistadores, etc. tudo isso contribui para a qualidade da informação estatística a obter.(...) Muitas vezes o erro de amostragem foi calculado para determinada desagregação das variáveis, mas a divulgação da informação é feita a um nível mais desagregado. Neste caso o erro de amostragem é com certeza superior e é possível que resulte não só da dispersão, mas também do enviesamento dos dados.

Apesar dos esforços da APODEMO (Assoc. Portuguesa de Empresas de Estudos de Mercado e de Opinião), nomeadamente através da criação do CODEMO, a verdade é que são poucas as empresas que procuraram certificar-se pela Garantia de Qualidade ISO. Pelo que, mesmo que a qualidade média seja elevada, o sector não criou "defesas" que tranquilizem e esclareçam a opinião pública.
No que diz respeito às sondagens publicadas, tenho reparado também que, na ficha técnica, é frequente haver informações omissas. E, o que me parece grave, nunca é nomeado o técnico responsável pelo estudo. A indicação do nome, e a inerente responsabilização pela comprovação e exactidão dos resultados, eliminaria muitos fantasmas, nomeadamente os do nosso primeiro-ministro.
Termino estas notas, recomendando outra leitura - é o contributo do Prof. Jorge Vala que se centra mais na dimensão institucional das sondagens eleitorais.
Para a análise de todas as sondagens que vão sendo publicadas neste período, já devem conhecer o Margens de Erro.
Em "O dia de um Escrutinador", Italo Calvino fez-nos ver que, mesmo junto à mesa eleitoral, tudo pode acontecer. E aqui não há idiotas mas a verdade é que os eleitores indecisos ou pouco convencidos são sensíveis às sondagens eleitorais. Elas podem levar ao voto útil (ou inútil). e há estudos que indicam que este tipo de eleitor também prefere apoiar o partido que é dado como vencedor. Já percebem a raiva do ministro?

12 comentários:

Louise disse...

Bom dia miúda! beijos.

Boabdil disse...

Agora que já vi o filme Closer, e muito haveria para dizer, posso revelar que...
1. o meu personagem favorito é o dermatologista, pois é o mais coerente ao longo de todo o filme.
2. é interessante observar (não é nada de novo mas...) que a verdade poder ser uma forma de manipulação mais perigosa do que a mentira.
3. como disse a minha companhia de filme "estão demasiado preocupados a dizer amo-te, para perceber o que realmente querem"

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Bom dia para ti tb, Louise! bjinhos

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Boabdil, pois!
(1)O dermatologista é o mais lúcido, é ele que vai fazendo a síntese de todos os comportamentos
(2)não, o que me parece é que não há verdade nunca. Perto demais, toda a realidade fica distorcida
(3)a tua companhia tem razão. o discurso apenas acompanha o desejo

Horácio disse...

"E aqui não há idiotas mas a verdade é que os eleitores indecisos ou pouco convencidos são sensíveis às sondagens eleitorais."

Gostei muito da dica do "idiota": no sentido daquele que tem uma só ideia e uma fixação por ela.

Horácio

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Horácio, nãp foi minha intenção, chamar idiota a ninguém, nem aos muito decididos nem aos indecisos. os "idiotas" era uma referência ao livro do I. Calvino: ele dizia (de memória) que era preciso vigiar os que os acompanhavam, não fosse eles serem "coagidos" a pôr a cruz aonde lhes mandassem...

Didas disse...

Percebi logo. O que ele estava a querer dizer era: Ai a minha vida a andar p'a trás!

Francis disse...

As sondagens valem o que valem. Podem ser manipuladas através da forma como as questões são colocadas e na escolha do alvo do inquérito. Enfim, hoje em dia vamos confiar em quem?

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Francis, a tua conclusao vai de encontro ao que por aí se diz. mas é precisamente por isso que são necessários mais esclarecimentos, maior transparência e maior responsabilização por parte de quem produz os estudos. tb é importante que os jornalistas sejam formados para ler as tabelas de frequências estatísticas. De facto não acredito que, propositadamente, se coloquem mal as questões. E o público, por lei, deve sempre ser informado sobre o "alvo" (penso que te referes à amostra: método de amostragem, características da amostra) - devendo os resultados ser lidos a partir daí. Muito obrigada pelo teu comentário. Um abraço

Boabdil disse...

E sabiam que "Idiot" em latim (acho eu) significa o estrangeiro? Isto dá um significado completamente diferente ao romance do Fiodor Doistoyevsky

BlueShell disse...

Venho essencialmente agradecer as tuas palavras nesta hora de grande dor. jinho, BS

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Boabdil, obrigada pela achega!

Blueshell, obrigada pela visita. Um grande abraço