17.9.07

História de amor e trevas #4


Da época de Vilna, resta um velho álbum de fotografias: eis aqui o meu pai e o tio David, alunos de liceu [...].
É quase certo que grande parte daqueles rapazes e raparigas da fotografia foram obrigados a correr nus, reduzidos a esqueletos pela fome e paralisados de frio, perseguidos por cães e empurrados por chicotes para as grandes fossas cavadas na floresta de Ponar. Qual deles se terá salvo, para além do meu pai? [...]
Ou aquela rapariga bonita no centro da fotografia, com uma expressão cínica e inteligente, não, querido, a mim não me enganas tu, eu posso ser jovem, mas já sei tudo, sei coisas que vocês nem sonham. Será que se salvou? Que conseguiu juntar-se aos combatentes da floresta de Rudnik? Que conseguiu esconder-se num gueto graças ao seu «tipo ariano»? Que encontrou refúgio num convento? Ou conseguiu escapar aos Alemães e aos seus lacaios lituanos, atravessando clandestinamente a fronteira da Rússia? E que emigrou mais tarde para a terra de Israel onde viveu até aos setenta e seis anos de idade como pioneira num kibutz do vale de Jezréel, a trabalhar com as colmeias ou no galinheiro? [...]
O meu pai nesta foto é mais jovem que o meu filho. Se fosse possível, entrava na fotografia e avisava-o e a todos os seus amigos alegres. Tentava contar-lhes o que os esperava. E é mais do que certo que não acreditariam em mim e que fariam pouco das minhas palavras.

pp. 128-129

in Amos Oz, Uma História de Amor e Trevas
Ed. ASA, Março de 2007

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