Nada garante que Kublai Kan acredite em tudo o que diz Marco Polo ao descrever-lhe as cidades que visitou nas suas missões, mas a verdade é que o imperador dos tártaros continua a ouvir o jovem veneziano com maior atenção e curiosidade que a qualquer outro enviado seu ou explorador. Na vida dos imperadores há um momento, que se segue ao orgulho pela vastidão ilimitada dos territórios que conquistámos, à melancolia e ao alívio de sabermos que em breve renunciaremos a conhecê-los e a compreendê-los;[...] é o momento desesperado em que se descobre que este império que nos parecera a soma de todas as maravilhas é uma ruína sem pés nem cabeça, que a sua corrupção está demasiado gangrenada para que baste o nosso ceptro para a remediar [...].
in Italo Calvino, As Cidades Invisíveis
Ed. Teorema
Nas últimas semanas andei por aldeias cidades quase invisíveis, escondidas por mares de granito, marões, muitos, parentes do único Marão da pátria de Torga ou, mais a Sul, nascidas à beira da Estrela (que só por isso a Beira é a Beira, à beira da serra), algumas célebres pelas suas ruínas, lugares que deixaram de ser o que eram e que existem agora com outra alma, a custo, ainda dependentes da riqueza que se atribuir às pedras mais ou menos soltas ou agregadas, esculpidas ou torturadas, que escaparam a séculos ou a décadas de abandono. Terras que são de quem lá ficou ou de quem foi para longe, para muito longe, mas volta sempre, custe o que custar, para carregar o Santo ou abraçar compadres. Terras de suas gentes, velhas, pobres, saudosas de frutos e filhos, mas inertes. Ou terras que seguraram a última candeia e se transformaram em coisa híbrida, fruto da fusão da cultura rural original com os valores do novo turismo, histórico, alternativo.
É o nosso império, e a soma de todas estas maravilhas não pode vir a ser uma ruína sem pés nem cabeça. Mas, antes que a memória, o desejo, os sinais, as trocas, até o nome, se alterem novamente, convém ir até lá. Todos os lugares se aproximaram de nós. E os olhos podem agora ser muitos.
A partir de hoje, em cada fim de semana tentarei recrutar exploradores, falando deste ou daquele lugar quase invisível. Até que se esgote a memória e os arquivos de fotografias (pelo que não garanto nada :) ).
in Italo Calvino, As Cidades Invisíveis
Ed. Teorema
Nas últimas semanas andei por aldeias cidades quase invisíveis, escondidas por mares de granito, marões, muitos, parentes do único Marão da pátria de Torga ou, mais a Sul, nascidas à beira da Estrela (que só por isso a Beira é a Beira, à beira da serra), algumas célebres pelas suas ruínas, lugares que deixaram de ser o que eram e que existem agora com outra alma, a custo, ainda dependentes da riqueza que se atribuir às pedras mais ou menos soltas ou agregadas, esculpidas ou torturadas, que escaparam a séculos ou a décadas de abandono. Terras que são de quem lá ficou ou de quem foi para longe, para muito longe, mas volta sempre, custe o que custar, para carregar o Santo ou abraçar compadres. Terras de suas gentes, velhas, pobres, saudosas de frutos e filhos, mas inertes. Ou terras que seguraram a última candeia e se transformaram em coisa híbrida, fruto da fusão da cultura rural original com os valores do novo turismo, histórico, alternativo.
É o nosso império, e a soma de todas estas maravilhas não pode vir a ser uma ruína sem pés nem cabeça. Mas, antes que a memória, o desejo, os sinais, as trocas, até o nome, se alterem novamente, convém ir até lá. Todos os lugares se aproximaram de nós. E os olhos podem agora ser muitos.
A partir de hoje, em cada fim de semana tentarei recrutar exploradores, falando deste ou daquele lugar quase invisível. Até que se esgote a memória e os arquivos de fotografias (pelo que não garanto nada :) ).
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