Ontem passei o dia numa secção de voto. a nº 1 de uma freguesia de Aveiro. ou seja, a mesa das pessoas recenseadas há mais tempo. a mesa dos mais velhos. Quando entrava alguém com bengala, sabíamos que ia votar na nossa mesa. Dos 950 eleitores inscritos, votaram 704. A abstenção foi de 26%, muito abaixo da média. Chegaram cedo. Houve um período em que a fila tinha 200 pessoas. um sem parar de números e nomes lidos em voz alta. Muitos destes votantes apresentavam dificuldades de mobilidade, mãos trémulas, desorientação espacial. alguns vinham acompanhados de cônjuges, filhos, netos que os auxiliavam. Fomos a mesa que bateu o recorde de participação. e fiquei a saber que a tradição é essa. A secção de voto nº 1 é sempre a mais concorrida.
Não pude deixar de pensar nas razões que motivam as pessoas mais idosas a votar de forma tão maciça. Será a memória viva do tempo em que não podiam exercer esse direito? Será um sentido de dever arraigado a uma mentalidade de respeito pelas instituições do Estado?
O que é certo é que fiquei com vontade de registar aquela afluência. Imaginei uma câmara, sequências de imagens - full shots, seguidos de close up sobre rostos e mãos enrugadas, inserts centrados nos olhares e gestos tantas vezes hesitantes ou determinados. Vi aquele espaço como uma passerelle de eleitores exemplares, modelos de participação cívica e política, que merecia projecção. Combater a indiferença dos mais ou menos jovens com o filme que ontem, de forma espontânea, todos os actores inscritos na secção de voto nº 1 realizaram.
No final, contamos 7 votos nulos e 9 votos em branco. Foram 16 votos de protesto (os primeiros não se deveram a enganos mas a raivas. vertidas pelo traçar de riscos de alto a baixo no boletim de voto). Quem foram esses homens ou mulheres? Qual dos modelos se dirigiu ali, e com que esforço, para dizer "Não"?
Não pude deixar de pensar nas razões que motivam as pessoas mais idosas a votar de forma tão maciça. Será a memória viva do tempo em que não podiam exercer esse direito? Será um sentido de dever arraigado a uma mentalidade de respeito pelas instituições do Estado?
O que é certo é que fiquei com vontade de registar aquela afluência. Imaginei uma câmara, sequências de imagens - full shots, seguidos de close up sobre rostos e mãos enrugadas, inserts centrados nos olhares e gestos tantas vezes hesitantes ou determinados. Vi aquele espaço como uma passerelle de eleitores exemplares, modelos de participação cívica e política, que merecia projecção. Combater a indiferença dos mais ou menos jovens com o filme que ontem, de forma espontânea, todos os actores inscritos na secção de voto nº 1 realizaram.
No final, contamos 7 votos nulos e 9 votos em branco. Foram 16 votos de protesto (os primeiros não se deveram a enganos mas a raivas. vertidas pelo traçar de riscos de alto a baixo no boletim de voto). Quem foram esses homens ou mulheres? Qual dos modelos se dirigiu ali, e com que esforço, para dizer "Não"?
[Imagem: René Magritte. Les Jours gigantesques. 1928. Oil on canvas. 116x81 cm]
3 comentários:
Viva
Sempre votei na mesa nº1 da Gloria .
Soube agora que sou idoso, logo eu que «tinha chegado aos cinquenta e as suas características particulares, fronte larga, nariz aquilino, olhar penetrante, rectidão e bondade de espírito...»
Mas apesar das dificuldades la votei "bem" .
Cumprimentos
joAC
Caro joAC, obrigada pelo seu comentário. Chamou-me a atenção para o problema das generalizações. Fê-lo com humor e boa prosa literária, pelo que espero que me perdoe não ter sido clara. Como é óbvio, as pessoas recenseadas há mais tempo naquela freguesia não são forçosamente idosas. Se eu tivesse residido sempre nesta freguesia, hoje votaria também numa das primeiras secções. Falar em "mais velhos" pareceu-lhe pejorativo? Não pretendia ser. De resto, o que me impressionou não foi a idade mas o esforço físico que o exercício daquele direito implicou para muitas pessoas. É um facto. Estive lá das 8h da manhã às 19h e observei muitas pessoas com dificuldades óbvias para andar ou para se aguentarem de pé numa fila. Muitas vezes demos prioridade a essas pessoas. Não vi um único eleitor com 30, muito menos com 18 ou 20 anos. A maioria dos inscritos pertence de facto a segmentos etários mais altos. Daí a correlação (empírica) entre idade e abstenção. E repito, a secção nº 1 é tradicionalmente a que apresenta menor abstenção. Continuo a desejar compreender o porquê dessa diferença.
Um abraço
bonito apontamento.
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