10.2.07

O animal


"A grande partida biológica que nos pregam é que nos tornamos íntimos antes de sabermos alguma coisa acerca da outra pessoa. No momento inicial compreendemos tudo. Inicialmente, somos atraídos para a superfície um do outro, mas também intuímos a dimensão mais plena. E a atracção não tem de ser equivalente: ela é atraída por uma coisa, nós pela outra. É a superfície, é a curiosidade, mas depois, zás!, pela dimensão. É agradável que ela seja de Cuba, (...), é agradável que eu toque piano e tenha um manuscrito de Kafka, mas tudo isso é um mero desvio no caminho para chegarmos aonde vamos. Faz parte do encantamento, suponho, mas é a parte que me faria sentir muito melhor se pudesse dispensá-la. O sexo é todo o encantamento necessário. Os homens acham as mulheres assim tão encantadoras uma vez excluído o sexo? Alguém acha alguém de qualquer sexo assim tão encantador , a não ser que tenha comércio sexual com essa pessoa? Por quem nos sentimos assim encantados? Por ninguém. "

Extracto de O Animal Moribundo, de Philip Roth
Ed. Dom Quixote, pp. 22-23

Livro muito recomendável *****

5 comentários:

Windtalker disse...

“Pensem na velhice do seguinte modo: o facto de a nossa vida estar em risco é apenas um facto quotidiano. Não podemos esquivar-nos ao conhecimento daquilo que em breve nos espera: o silêncio que nos envolverá para sempre. Tirando isso, é tudo a mesma coisa. Tirando isso, somos imortais enquanto vivermos.”

The Dying Animal – P. Roth


Efectivamente, notável...

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Windtalker, vejo que tb já leu o livro. Na verdade, esse fragmento incide mais sobre o tema central deste livro.

E como já vi que gosta de P. Roth, deve ter lido os anteriores dele. Mas este é diferente, não é? tem um tom mais confessional, é mais "introspectivo".

Abraço

Windtalker disse...

Sou notóriamente um "Roth addicted"...Eu diria que o "animal" mais que introspectivo é de apaziguamento pessoal; é o Roth mais "caloroso" que já li...
por oposição à amoralidade fria e implacável do "Teatro de Sabbath", para mim um dos seus melhores...

Windtalker disse...

...by the way, pelo seu marcador de literatura, acho que poderíamos desenvolver muitos temas de conversa (Vian, Houllebecq, Murakami, Banville...).

Bom FDS

Um Abraço

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Windtalker, desculpa só responder agora. Mas sim, os autores que referes são grandes paixões, os dois primeiros há bt tempo, os últimos recentemente.

E eu gostei imenso da "Pastoral Americana" que li ao mesmo tempo que "Conspiração contra a América", e por isso associava o Roth à infância judia e à América dos anos 40 e 50, à perfeita descrição do status quo (e dos seus efeitos perversos). Daí tb ter ficado surpreendida com este "Animal Moribundo".

Abraço