6.4.05

Os dados estão lançados


Guy Bourdin

Olham-se e dançam em silêncio por um momento.
- Diga-me - pergunta Pedro de repente -, o que é que se passa? Não pensava senão nos meus aborrecimentos há bocado e agora estou aqui. Danço e não vejo senão o seu sorriso... Se isto fosse a morte...
- Isto?
- Sim, dançar consigo sempre, só a ver a si, esquecer tudo o resto...
- E depois?
- A morte valia mais que a vida. Não acha?
- Aperte-me com força - diz ela baixinho.
Os rostos estão muito perto um do outro. Dançam ainda um instante e ela repete:
- Aperte-me com mais força...
Bruscamente, o rosto de Pedro entristece-se. Pára de dançar, afasta-se um pouco de Eva e exclama:
- É uma comédia. Nem sequer cheguei a tocar a sua cintura...
[in Sartre, Jean-Paul, Os dados estão lançados, Ed. Presença, 1983, pp 72-73]


Partilhar as memórias da leitura deste livro
com ela (leiam "Depois do ócio...o elogio do amor"), foi um prazer. Entretanto, ele lembrou-nos que este ano temos mais um pretexto para falar de Sartre (aqui e aqui) e para reeditar este livro em Portugal! Esta obra-prima, manifesto de consciência de classe, furioso arranca-corações, guião de cinema, livro de culto, anda desaparecida há tanto tempo...

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