23.11.09

Caderno de Memórias Coloniais


«Manuel deixou o seu coração em África. Também conheço quem lá tenha deixado dois automóveis ligeiros, um veículo todo-o-terreno, uma carrinha de carga, mais uma camioneta, duas vivendas, três machambas, bem como a conta no Banco Nacional Ultramarino, já convertida em meticais.
Quem é que não foi deixando os seus múltiplos corações algures? Eu há muitos anos que o substituí pela aorta


Pode descolonizar-se um país. Mas é impossível descolonizar-se a alma.


Não me apetece esperar pela distribuição do livro nas livrarias, eu já o encomendei. Em primeiro lugar, porque eu sei que a Isabela pensa e escreve MUITO bem. E depois, porque o tema me interessa. O tempo histórico está em nós, quase geneticamente inscrito. Com o 25 de Abril e a independência das ex-colónias, houve uma ruptura nos discursos. e dos paradigmas que formavam a nossa Identidade. mas verdade é que todos, ex-colonizadores (os que se aceitaram como tal. e mesmo os que se recusaram a sê-lo) e ex-colonizados, "pensam" diferentes tempos em simultâneo. A Isabela tem razão. Não aconteceu, não conseguimos, em muitos domínios, a descolonização do "ser colonizador" ou do "ser colonizado". A herança colonial é imensa e fazemos transferência dessa memória. Vivemos, aqui e lá, em estado de "colonialidade". nesta era pós-colonial. Que não se confunda esta fragmentação com qualquer aspiração eurocentrista. Frantz Fanon falou da "guerra mental do colonialismo". As marcas dessa guerra são apenas mais duradouras do que poderíamos desejar.


Sobre o tema, o investigador (em estudos pós-coloniais) Nelson Maldonato-Torres, é uma referência. Leiam The Topology of Being and the Geopolitics of Knowledge: Modernity, Empire, Coloniality.

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