24.1.07

A recusa dos carniceiros #1

"Estamos em Maio de 1830, na Câmara dos Deputados. O sr. António Pereira Rebouças, em seu discurso, lembra do que aconteceu há poucos anos, em 1825, quando o carrasco que deveria enforcar o bem conhecido major Sátiro se recusou a fazer a sua estreia como algoz. Sátiro teve que ser fuzilado. Uma semana depois o verdugo recalcitrante foi executado por um carniceiro.
(...)
Podem faltar carrascos, mas nunca faltarão espectadores. O sr. Rebouças sabe disso, mas não irá comentar tais circunstâncias. Na França comprava-se (ou compra-se) um condenado à morte em uma cidade para que ele fosse executado noutra, que por falta de criminosos ficara um tempo muito longo sem oferecer ao povo um espectáculo dessa natureza. A pena de morte, pela função educativa que lhe atribuem os seus defensores, deve ser levada a efeito em local amplo que facilite a observação do maior número de pessoas.
(...)
Ao infeliz que não pode assistir à execução resta ouvir, invejoso e inferiorizado, a descrição de como o condenado chorou como um poltrão e pediu misericórdia; ou então como, opostamente, manteve a alma negra e seu coração perverso sob controle; (...).
As mulheres, está comprovado, ficam ainda mais excitadas com o hediondo espectáculo. Um réprobo estrebuchando pendurado pelo pescoço é algo que tem que ser visto pelo menos uma vez na vida. Assunto para muitas tertúlias."


Extracto de A recusa dos carniceiros, in Romance Negro e Outras Histórias, de Rubem Fonseca
Ed. Campo das Letras, pp 129-130

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