3.1.06

Bombas... que eram Inteligentes


Eu devia ter desconfiado quando a Carla Quevedo escreveu no Expresso que tinha gostado do livro. É que ela, a Bomba Inteligente da blogosfera, faz mais o género Bomba Burra na coluna que tem nesse jornal. Mas no Natal acabei por o catrapiscar no meio dos presentes da minha mãe. E li-o em poucos dias. Devo dizer que é um livro que se devora facilmente, sobretudo para quem, como eu, é capaz de ler a Caras, a VIP ou a Flash no cabeleireiro à velocidade da luz! Bilhete de Identidade de Maria Filomena Mónica confirma a teoria da transmissão dos genes culturais. Como a mãe, MFM é obsessiva relativamente às famílias bem, nunca esquecendo o pormenor da localização da quinta ou casa abrasonada. "depois das aulas, os dias passavam-se nos pátios das traseiras, em brincadeiras com as raparigas e os rapazes, as Taroucas, as Figueiredo e os Pereira da Cunha." (p. 112); "O Pedro Ferreira Pinto era bonito, loiro e descendente de uma das famílias da lista inicial de sócios."(p. 119); "Este Pedro, meu III, pertencia à mesma classe social dos rapazes com quem me dava, mas sentia-se, e era, infinitamente superior." (p. 146); "Chamava-se Vasco Pulido Valente (...) A sua família ocupava o topo da pirâmide social do reviralho, mas, nos meios onde eu me movia, isso não contava, ou antes, contava pela negativa. Não era a questão do dinheiro (a família da mãe, os Pulido Valente, e a do pai, os Correia Guedes, eram abastadas) que nos separava, mas a forma como ele se vestia, se comportava e falava." (p. 163).
A evocação de nomes mais ou menos sonantes é imensas vezes completamente despropositada. Por exemplo: "Tendo-a conhecido no colégio, frequentava a casa dela, a qual também era habitada pela prima, a Pureza van Zeller, que, na altura, estava em Londres." (p. 151). Esta Pureza não tem nenhuma importância na história! (apenas volta a ser referida - p. 162 - porque fez parte de um grupo que acompanhou MFM numa ida aos fados). As injecçõezinhas de enquadramento histórico até metade do livro não salvam a obra porque, como ela reconhece, o que se passa no país e no mundo é-lhe absolutamente irrelevante durante quase toda a juventude. Não que isso seja um crime, o seu testemunho poderá até ter alguma relevância pelo que podemos deduzir sobre a forma de estar e de pensar na época. Mas atendendo a que esta é a biografia daquela que eu via como uma verdadeira Bomba Inteligente, sabe a pouco, a muito pouco. Ou, se quiserem, se lhe apetecia escrever sobre os namorados bem que teve, as suas traquinices na escola e a sua imensa rebeldia, mais valia fazê-lo num formato caseiro, entregando o exemplar aos filhos. O livro irritou-me! Mas é claro que há passagens bastante interessantes, nomeadamente depois de MFM chegar à idade adulta, depois dos filhos, a passagem por Oxford, o 25 de Abril e o Verão quente de 74. Eu aconselho vivamente (apenas) os dois últimos capítulos.

Disse-vos que via Maria Filomena Mónica como uma Bomba Inteligente. Ela escreveu dois livros que me marcaram bastante, Educação e Sociedade no Portugal de Salazar (a sua tese de doutoramento) e A Formação da Classe Operária Portuguessa - Antologia da Imprensa Operária (1850-1934). Estas obras deviam ser de leitura obrigatória! Ela gosta do Eça. Ela tem sido politicamente incorrecta q.b. e certeira em muitas das crónicas que escreve. Ela tantas coisas! E é verdade que este país não tem tradição memorialística e que é importante cultivar esse género literário, e que as biografias no feminino, de contemporâneas nossas são/serão raras, e que poucas ousarão ir tão longe no tom cru que pode chocar (palavras suas). Mas esta biografia, valha-me deus (um deus pequenino)! E não me venham com o interesse sociológico da obra! Digo eu, com pena que esta Bomba Inteligente me tenha parecido ... quase Burra.

5 comentários:

Mónica disse...

este natal intrigou-me esse livro por toda a parte... tá explicado!
perfeito só deus que não existe!

Anónimo disse...

perfeito o teu post. PERFEITO.

posso subscreve-lo?

beijos. e obrigado por teres aparecido....:)

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

deixemo-nos de cantigas! :))
não se trata de perfeição. que eu adoro imperfeições e pecados. trata-se de encontrar o "meio justo".

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

ouviste mendes ferreira. não há perfeição! :)) e sim, claro, subscreve à vontade todas as minhas imperfeições e pecados! beijos tocados e reenviados

Anónimo disse...

olá