12.9.05

Tout le Monde en Parle






Tout le Monde en Parle é um dos meus programas de televisão favoritos. Quem tiver cabo, pode vê-lo todos os Domingos à noite na TV5. É animado por Thierry Ardisson, ele próprio uma lenda viva. Tem uma bagagem intelectual e um savoir-faire inquestionáveis. É assumidamente católico, monárquico e de esquerda porque, sim, isso é possível! O conceito do programa é genial: temos direito a um painel de entrevistados de excelência, de quem toda a gente fala (por boas ou más razões), que se evidenciaram nos mais diversos domínios, política, literatuta, música, moda, cinema, teatro, showbis, etc.. Ficam todos sentados à volta de uma mesa e com muito humor, sal e pimenta qb, entretêm-nos divinalmente.

Ontem o painel incluia, entre outros, Michel Houellebecq e Juan Guzmán.

Comecemos pelo último. Juan Guzmán é o juíz do Tribunal de Apelação de Santiago do Chile que, em 1989, um ano antes do fim do regime militar, ficou responsável pelo processo de investigação de Augusto Pinochet (após apresentação de queixa contra o ditador por parte da secretária geral do PC Chileno). Guzmán, agora reformado, escreveu um livro, Au bord du Monde, que acaba de ser editado por Les Arènes. Em França chamam-lhe le tombeur de Pinochet, uma vez que conseguiu efectivamente formalizar várias acusações contra Augusto Pinochet. Filho de um juíz, diplomata e poeta famoso, Juan Guzmán Cruchaga, lembra-se de ter celebrado com a família a queda de Salvador Allende (11/Set/1973). Só mais tarde teve conhecimento do bombardeamento ao Palácio de La Moneda e do suicídio de Allende. Sobre as atrocidades cometidas pelo exército, afirma que demorou alguns anos a acreditar que existissem. Imaginava uns excessos, "normais" dado o período político conturbado. Até que, como juíz, se começou a deparar com processos silenciados sistemáticamente. Mas quando a mulher, chegada de França, lhe explicou que Pinochet era visto como um ditador na Europa, ainda estranhou.
Quando foi nomeado pelo Tribunal de Apelação para este processo sentiu que era chegado o momento da verdade. Ou era juíz ou não era. Decidiu sê-lo. Nesta entrevista confessou ainda momentos de fraqueza, o medo que se instalou na sua vida, as vezes em que sentiu vontade de desistir.
Neste Tout le Monde en Parle, ficaram algumas lições, para a vida e para a História.

Michel Houellebecq dispensa apresentações. É um dos melhores escritores da actualidade. Acaba de lançar La possibilité d'une île e, como sempre, ainda antes do lançamento, o livro já gerou imensa polémica. Eu gosto do homem e mais ainda dos livros que já li. Depois de ler Plataforma, não percebi as críticas que lhe foram feitas! Mas Houellebecq pode ser perigoso no uso das palavras. Não vos vou falar da história do livro, vou apenas citar o escritor que, neste programa televisivo, comentou algumas das suas personagens e temas.

Daniel I (que vive em 2015):
Tem 47 anos, é um humorista cínico, que faz tudo para ter sucesso e é bem sucedido, mas tem consciência da sua própria mediocridade. Há sempre uma qualquer maldade no riso. Os bons humoristas têm de ser tristes, porque o segredo para fazer rir é certamente um segredo triste sobre a natureza humana.
Daniel I não tem filhos, ele prefere os cães. Ele quer fazer as pessoas felizes mas fazer alguém feliz é muito difícil. Os cães, pelo menos, ficam felizes facilmente.
Há qualquer coisa de inquietante no choro dos bébés. Vendo um recém-nascido berrar podemos constatar um qualquer desiquilibrio da raça humana. Não é normal nascer e gritar logo assim!
As crianças são anões viciosos, até os animais domésticos têm medo delas.

Daniel I não vai conseguir ser feliz nem com Isabelle nem com Esther. Nunca existe uma solução nos meus livros. O desejo não é uma solução e o não-desejo também não.

Isabelle:
É a mulher de David I. Já foi muito bela e às vezes as pessoas dotadas de grande beleza não gostam do amor físico porque o amor físico deforma.

Esther:
Tem 22 anos e, ao contrário de Isabelle, ama o sexo. Mas não ama o amor. Não sei se os jovens hoje têm vontade de amar. Não sei porque já não sou jovem. Daniel I não vai conseguir ser feliz com Esther por causa da diferença de idades. O problema não vai ser de ordem sexual mas social, ele vai ser marginalizado por ser velho. Nesta sociedade, podemos ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais, racistas, pedófilos, tudo é permitido, menos ser velho.

Sobre os Raelianos:
Rael quer dizer anjo, era o nome de Deus segundo as antigas Escrituras. Exigem pouco e prometem a imortalidade física e a juventude eterna. Daí o seu poder de sedução. Daí o seu interesse pela clonagem humana.
Qualquer seita pode tornar-se numa religião de grande dimensão, de resto foi assim que começou o cristianismo. As grandes religiões são seitas que foram bem sucedidas.
Tudo aquilo que a ciência permite - como será o caso da clonagem humana-, será realizado.

Sobre si próprio, Houellebecq:
O pior que lhe podia acontecer - perder os dentes, porque gosta de fazer leituras dos seus livros
O cumprimento mais irritante que lhe podem fazer - que é amável/gentil
Qualidade que gostaria de ter - saber mentir
Qualidade que tem e não gosta de ter - ser demasiado inteligente
Defeito que gostaria de ter - ser mais primário
Defeito que gosta de ver numa mulher - ser desajeitada
A melhor pior crítica que lhe fizeram - fazer demasiadas concessões à emoção
O que o futuro não dirá dele - se foi feliz ou infeliz
A pergunta que não lhe devem colocar - quem é/são a(s) pessoa(s) que detesta (muito difícil, porque a sua mãe talvez seja uma delas)
O que nunca disse - "Vou-te matar", porque poderia fazê-lo

Conclui que haverá sempre pessoas a detestá-lo, independentemente do que diga ou faça. Sabe que muitas são movidas pela inveja e ciúme mas compreende sinceramente esses motivos e por isso perdoa-lhes. Recusou ser entrevistado pelo Le Fígaro (...durante toda a sua vida literária), Le Point ou L'Express. Só aceita entrevistas quando acha que vai ser um prazer. Aceitou esta entrevista do Thierry Ardisson para a televisão. Na imprensa escrita foi a revista Chien 2000 (isso mesmo, uma revista especializada na raça canina) a única a ter o privilégio de publicar uma entrevista sua.


Fiquei com vontade de ler os dois livros. E quero um programa de televisão assim num dos nossos canais, merda!

4 comentários:

saltapocinhas disse...

e tem legendas?
e os livros vão sair em português?

saltapocinhas disse...

e tem legendas?
e os livros vão sair em português?

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

O do Houellebecq, de certeza! (vamos ver quando); o do Juan Guzmán, tb espero que sim... mas é menos seguro.

Do primeiro já existem vários livros editados em português: "Partículas Elementares" e "Plataforma" existem em português, de certeza, mas pode haver mais :)

jp(JoanaPestana) disse...

E pipas de beijos para ti MRFormiga de quase terça