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14.10.07

Do domínio da luta #n


Se a tendência actual culminar na possibilidade de uma ilha «houllebecquiana» e a reprodução se libertar do sexo, até a Igreja (no plural) sobreviverá ao impacto. Neste campo de batalha - histórico - da esquerda não iremos observar avanços substanciais. Mesmo com os Viagra, Vigorin, Cialis & seus herdeiros, ou com anti-depressivos apurados que não incluam nos efeitos secundários a diminuição do desejo sexual, ou seja, mesmo com a revolução tecnológica a servir não só as técnicas reprodutivas mas também o desempenho sexual. How many times can a man turn his head, pretending he just doesn't see? The answer, my friend, is blowin' in the wind. É a cultura que produz tecnologia. Os ventos trazem-nos o pó contaminado de pecados do passado e as contingências do presente:

When i'm drivin' in my car
And that man comes on the radio
He's tellin' me more and more
About some useless information
Supposed to fire my imagination
I can't get no, oh no no no
Hey hey hey, that's what i say
(...)

I can't get no satisfaction
I can't get no girl reaction
'cause i try and i try and i try and i try
I can't get no, i can't get no

When i'm ridin' round the world
And i'm doin' this and i'm signing that
And i'm tryin' to make some girl
Who tells me baby better come back later next week
'cause you see i'm on losing streak
I can't get no, oh no no no
Hey hey hey, that's what i say


I'm kidding, mas a ficção, ou uma simples canção, traduzem tão claramente o estado do mundo.

[Psst, se o marxismo nasceu da Revolução Industrial, como é que os marxistas não sabem ou esqueceram que os avanços tecnológicos têm consequências ideológicas? O fenómeno da globalização e a revolução tecnológica em curso, com a emergência e extensão do ciberespaço, têm sido esquecidos por essa gente? Não percebi o comentário, talvez por não ser marxista. Mas estarei a ser voluntarista?]



[Psst, ando fã do Mexia. E, como ele, queria o Nobel para o Philip Roth. A não ser que Doris Lessing tenha escrito um qualquer "O Animal Moribundo" no feminino :) ]


Foto: Melvin Sokolsky

17.3.07

Guerra aos porcos

Para além da literatura e de Bioy Casares, uma perspectiva visual da velhice (subam a persiana do blog, de Senso a Senso). Habituamo-nos a ver corpos esteticamente perfeitos, fechamos a lente, a mente, a rugas e peles flácidas, a fadigas e loucuras de corpos envelhecidos. Apagamos os signos da passagem do tempo, as marcas da aventura da vida. Apagamos o prazer na velhice. Porquê?

Baudrillard ou Coplans afirmam -self. Mas nós não nos revemos nas imagens. Aqueles são outros. outra raça de (ir)realidade. others que não, nunca, ourselves.

8.3.07

Baudrillard. 27 de Julho de 1929 - 6 de Março de 2007

Auto-retrato
Jean Baudrillard

Quem me falou pela primeira vez de JB foi o meu professor de semiologia da Universidade Nova, Pedro Frade, que andava a elaborar a sua tese de mestrado sobre fotografia, ou sobre como o nosso espanto gera formas acríticas de relação com o complexo industrial-técnico-científico-cultural (em 1992, a ASA publicou Figuras do Espanto, de Pedro Frade). A imagem fotográfica afasta ou atrai a população da realidade? - esta foi a questão que Baudrillard levantou (e que mais tarde inspiraria os irmãos Wachowski na criação de Matrix) (o hacker Neo/Keanu Reeves guarda os seus programas de paraísos artificiais no fundo falso do livro Simulacros e Simulação, de Baudrillard) (filmes que ele não gostou de ver, até porque hoje, tudo é efeito especial). Qual o impacto da comunicação e dos media na sociedade e cultura contemporâneas? Baudrillard estuda, decompõe, desmistifica a hiper-realidade (a realidade construída).

Sobre si dizia que era um dissidente da verdade. Não acreditava na ideia de um discurso de verdade, de uma realidade única e inquestionável. Desenvolvia uma teoria irónica que tinha por finalidade formular hipóteses. Examinava a vida que acontece no momento, como um fotógrafo. Aliás, JB era também um fotógrafo.

Os primeiros livros que li, O Sistema dos Objectos e Para uma Economia Política dos Signos, estariam já ultrapassados, segundo o próprio Baudrillard. Nessas obras, escritas nos anos 60, ele analisava o papel do valor dos signos nas trocas humanas. Actualmente, cada signo tende a transformar-se num objecto em si mesmo, tendo valor de uso e de troca em simultâneo. Para ele, o relativismo dos signos resultou numa espécie de catástrofe simbólica.

E a arte. A arte integrou-se no ciclo da banalidade. Ela voltou a ser realista, a desejar a restituição da reprodução clássica. A arte quer cumplicidade do público e gozar de um status especial de culto, situação prefigurada nas sinfonias de Gustav Mahler. Claro que há excepções, mas, em geral, os artistas renderam-se à realidade tecnológica. Desde os ready-mades de Marcel Duchamp, a importância da arte diminuiu, porque a obra de arte deixou de ter um valor em si. Os signos soterraram a singularidade. Os artistas submetem-se a imperativos políticos, e já não seguem ideais estéticos. A arte já não transforma a realidade e isso é muito grave.

Foi acusado de cair no relativismo mais absoluto. Mas Baudrillard limitou-se a descodificar. Não por acaso, o Libération anuncia a sua morte com o título: Fini de décoder.

[Ver Dossier sobre Jean Baudrillard no Le Monde]
[Ler artigo no Fígaro: Jean Baudrillard l'inclassable]

25.7.06

AVANCA 06. Estreia de Quatro Elementos




Janek Pfeifer
Arquitecto, trabalha em arquitectura e design em Portugal e Alemanha. Desenvolve trabalho na área do vídeo digital experimental.

Joaquim Pavão: o site


Textos para o booklet do DVD:

Filosofia - Desidério Murcho

A doutrina dos quatro elementos foi introduzida pelo filósofo grego Empédocles (490-430 a. C.) e exerceu uma das mais fortes influências no pensamento científico, filosófico, artístico e religioso de que há memória. As suas palavras originais, pouco conhecidas, são as seguintes: "Ouve primeiro das quatro raízes de todas as coisas: o brilhante Zeus (fogo), a Hera (ar) que dá a vida, e Adónis (terra) e Néstis (água) que humedece as origens dos homens com as suas lágrimas" (continua)

Sociologia - Maria do Rosário Fardilha

Bachelard tinha sem dúvida razão ao apresentar a água como o contrário do vinho:
miticamente, isso é verdade; sociologicamente, pelo menos hoje, já o é menos:

certas circunstâncias económicas e históricas transferiram esse papel para o leite.
Roland Barthes¹


Os quatro elementos são uma construção familiar. Pouco sabemos da sua história, da sua composição química ou dos devaneios (como diria Bachelard) que inspiraram a artistas, filósofos e cientistas, mas Água, Ar, Terra e Fogo são velhos companheiros. Os quatro elementos integram o nosso imaginário, atravessam as nossas percepções mais diversas. Desde Empédocles e Aristóteles que estruturam as nossas tentativas de explicação da natureza.

Hoje, segundo Jean Baudrillard, falar de ecologia é verificar a morte e a abstracção total da Natureza. Por toda a parte “o direito a” subscreve “o definhamento de”. O grande referente Natureza morreu e o que o substitui é o “ambiente” e uma manipulação do ambiente. O que são a “natureza” ou o “ambiente”? A projecção de um modelo social, sempre. Vejamos, o Sol “já nada tem a ver com a função simbólica colectiva que tinha (…). Já não tem aquela ambivalência duma força natural – vida e morte, benfeitor e assassino – que tinha nos cultos primitivos ou ainda no trabalho rural.”² O Sol é agora um Sol de férias, oposto ao não-Sol (chuva, frio, mau tempo). E a Terra, o Ar e a Água deixaram de ser simples forças produtivas, tornaram-se bens raros e entraram no campo do valor da economia política, pelo que a necessidade do controlo social dos “elementos”, muitas vezes sob o signo da protecção do ambiente, se reflecte também nas imagens que hoje criamos.

Um exercício simples de associações livres aos quatro elementos poderá resultar em respostas tão díspares como “signos do zodíaco”, “tabela periódica” ou “linha de perfumes da Hugo Boss”. O Ar pode ser associado ao céu, às nuvens e ao vento ou a sentimentos de liberdade ou de vazio. Se uma criança pensar em Água pode lembrar-se mais rapidamente de piscinas que do mar, uma parte dos habitantes da Terra pensarão em sede e chuva, outros em serenidade e vida. A Terra tanto significa sementes a desabrochar e abundância, como pó, mãos e pés sujos. O cheiro da terra molhada convive na imagética humana com histórias de reformas agrárias. E o Fogo “arde sem se ver”, é paixão, ou é guerra e medo, calamidade natural, incêndio. As chamas destroem ou purificam.

Cada um dos elementos pode encarnar o que simboliza. Ou seja, o Fogo não representar apenas alguma coisa mas ser ele próprio a coisa simbolizada: deus, paixão, guerra, pureza, o humano. Para Lévi-Strauss o pensamento mítico é concreto, um pensamento onde as imagens são coisas e onde as coisas são ideias, “onde as palavras dão existência ou morte às coisas”.

Cada um dos elementos pode remeter para um conceito, ou seja para um juízo ou raciocínio que estabelece uma diferença entre as nossas vivências subjectivas e a estrutura objectiva do que é analisado.

Hoje sabemos que o pensamento mítico, que pertence ao campo do pensamento simbólico e da linguagem simbólica, coexiste com o pensamento e linguagem conceptuais. Na verdade, a imaginação social transforma em mito aquilo que o pensamento conceptual elabora nas ciências e na filosofia. A percepção e simbolização da natureza (ou do ambiente) e seus elementos é embebida pelos ritmos acelerados da modernização. Em cada instante e lugar, as comunidades filtram uma visão, que funde passado, presente e futuro (isto é, o sonho). Pensar os quatro elementos hoje, significa pois, ainda, pensar o Homem.

Ar, Água, Terra e Fogo são sensações, afectos, raízes, experiências estéticas, paradigmas científicos, memória cultural, modelos sociais, estruturas económicas, ideologias, que se fundem em múltiplas percepções e imagens, ou que produzem, por “deformação” das imagens iniciais, algo que suplanta todas as realidades, o imaginário.

Também para compreender as ameaças à biosfera, é fundamental que as ciências sociais estudem este imaginário. Ele está na génese das crenças, atitudes e comportamentos dos seres humanos face ao Meio Físico. Ele condiciona o olhar e a acção das/nas sociedades face às questões ambientais.

¹ Barthes, Roland, Mitologias, Ed. 70, 1984, pp 68
²Baudrillard, Jean, Para uma Crítica da Economia Política do Signo, Ed. 70, 1981, pp 105

9.9.05

Lx II


Como bem me lembrou a Isabela, "os anos 80 foram a minha geração de 60 mas acabaram, irremediavelmente". O tempo é outro, cidades e pessoas respiram outra atmosfera, pelo que até os lisboetas podem sentir saudades da Lisboa desse tempo.

Nos anos 80, a situação política acalmara mas os espíritos estavam ainda agitados e frenéticos com a conquista da liberdade, o desaparecimento da censura, e a entrada no país de todas as novas (para nós) influências e correntes. Queríamos "participar", havia curiosidade. Foi bom ter 18/20 anos nessa altura pela "coincidência" de ânsias entre esse Tempo e o meu, pessoal. Politicamente, era difícil não tomar partido, mesmo sem militâncias formais. E do ponto de vista cultural, abriam-se janelas e testavam-se caminhos. A cidade experimentava também novas formas de estar. Alguém se lembra da primeira Animação do Chiado? Creio que foi em 85, actores e performers actuavam nas ruas. A SN de Belas Artes, ali ao pé, "mexia" e envolvia. Acabei mascarada de palhaço a cumprimentar as crianças que passavam. As bancas de artesanato proliferavam. Ouvia-se música portuguesa, muito Zeca Afonso, Fausto, Sérgio Godinho. Os Trovante revolucionavam o meio, enchiam o Coliseu e provocavam histeria junto das meninas. Mas também me lembro de ouvir Chico Fininho enquanto fazia o cubo mágico. Na faculdade, os professores mais liberais deixavam-nos beber cerveja nas aulas e porque ficava ali ao pé, até tivemos direito a aulas no anfiteatro ao ar livre da Gulbenkian. O primeiro a levar-nos até lá foi o Prof. de Semiologia, Pedro Frade, que para grande orgulho nosso fora entrevistado pelo JL a propósito da tese de mestrado que originaria o seu livro Figuras de Espanto, e que nos incutiu o gosto por Barthes e Baudrillard. Apetece-me falar dele e do Dr. João Loureiro, o nosso professor de Economia que no ano a seguir a nos ter dado aulas, já saía connosco para o Bairro Alto e, apaixonado por Gershwin, nos levava às Noites Longas para ouvirmos uma orquestra de jazz. Líamos Escuta, Zé Ninguém! (Wilhelm Reich) ou Nietzsche ou Sartre ou Mário-Henrique Leiria e os seus Contos do Gin-Tonic ou O Memorial do Convento de Saramago ou Memória de Elefante de Lobo Antunes ou pequenos livrinhos sobre Lenine, Marx e mesmo Catarina Eufémia. O Macintosh foi lançado (1984) mas o gabinete de informática demorou algum tempo a ser criado, pelo menos no Departamento de Sociologia. Aceitavam-se trabalhos escritos à mão porque nem todos tinham... máquina de escrever! E Lisboa continuava a convidar-nos para novas propostas! O Frágil, de Manuel Reis, era o must. Aí podíamos encontrar alguns dos pintores da nova geração. Abriam novas galerias de arte, discutia-se estética e o valor da arte. Pedro Proença e Pedro Portugal fundaram o projecto de uma revista intitulada Homeostética, a partir da qual se viria a formar o grupo Homeostético (colectivo que integrava também, no início, os nomes de Manuel João Vieira, Ivo e Xana...). Recordo-me de assistir a uma vernissage em que "Sanita Pintor" pintou com um spray o preço da obra na tela, 500 CONTOS. Diria Mário Murteira, "como se, por um golpe de mágica, tivéssemos saltado a pés juntos dum capitalismo arcaico e asfixiante para a sociedade perfeita com que sonhara o jovem Marx"!

Lisboa, a capital do país, reunia todos os tempos. E foi bom cirandar pela cidade... acreditando que, pelo menos a nossa vida, poderia ser perfeita!


João Loureiro e Pedro Frade, referidos neste post, faleceram no início dos anos 90. A FCSH da Universidade Nova perdeu então, subitamente, dois dos seus professores assistentes mais jovens e promissores. Lembro-me de passar na Av. de Berna e de ver a bandeira a meia haste. Tinha começado a trabalhar, os colegas de curso estavam dispersos pelo país, e então quis fugir dali! O problema da memória é que ela também não perdoa...