30.3.09

Maurice Jarre 1924-2009

A primeira banda sonora que compôs foi para o documentário «Hotel des Invalides» de Georges Franju, em 1952. Depois, foram mais de 160, até «I Dreamed of Africa» em 2000. Algumas das suas composições ficaram-nos no ouvido para sempre. Há muito tempo que Maurice Jarre se eternizou...



Maurice Jarre dirigindo a Royal Philharmonic Orchestra em "Lawrence Of Arabia" (1962) - Um tributo a Sir David Lean, 1992



Maurice Jarre, mesmo evento. Tema: "Doutor Jivago" (1965)



Maurice Jarre, mesmo evento. Tema: "Passagem para a Índia" (1984)


[Imagem: Le Figaro,30-03-09]

Causas de desorganização e ruína

Confusão e incoerência nos princípios, grande desordem nas finanças; enfraquecimento deplorável da autoridade, dentro dos limites da constituição e das leis; falta de confiança na vitalidade do país e nas faculdades políticas e económicas; um desalento injustificável atrás do qual se esconde um perigoso indiferentismo; a violência mais exagerada nas lutas dos partidos, sem que lhes corresponda nem o vigor das convicções nem a ousadia dos cometimentos; tendência funesta a rebaixar tudo e todos; paixões em vez de crenças; preconceitos em vez de ideias; negações em vez de afirmações, tanto no domínio dos princípios como no dos factos; desconfianças em vez de esperanças e falta de fé na liberdade; são causas de desorganização e ruína para uma nação, por maior que seja o seu poder, por mais gloriosas que sejam as suas tradições.

João de ANDRADE CORVO, “Perigos” [1870],
in Portugal como Problema – Século XIX A Decadência, Vol. III, Organiz. Editorial Pedro Calafate, Público – Fundação Luso-Americana, Lisboa, Setembro, 2006, p. 133

29.3.09

Pedaço de mim

Eu devia ter uns dezasseis anos quando ouvi esta canção. Ainda me impressiona... Para ouvir até ao fim, cantando com eles, baixinho.

28.3.09

No Moinho

Jean Baptiste Camille Corot
Saulaie à Saint Nicolas près Arras, 1858-1860



D. Maria da Piedade era considerada em toda a vila como uma «senhora-modelo». O velho Nunes, director do Correio, sempre que falava nela, dizia, acariciando com autoridade os quatro pêlos da calva:
- É uma santa! É o que ela é ! (...)
Poucas vezes saía. O marido, mais velho que ela, era um inválido, sempre de cama, inutilizado por uma doença de espinha (...). Os filhos, duas rapariguitas e um rapaz, eram também doentes, crescendo pouco e com dificuldade, cheios de tumores nas orelhas, chorões e tristonhos. (...)
Vendo-a assim tão resignada e tão sujeita, algumas senhoras da vila afirmavam que ela era beata: todavia ninguém a avistava na igreja, a não ser ao domingo, com o pequerrucho mais velho pela mão, todo pálido no seu vestido de veludo azul.(...) A sua casa ocupava-a muito para se deixar invadir pelas preocupações do céu; naquele dever de boa mãe, cumprido com amor, encontrava uma satisfação suficiente à sua sensibilidade; (...)
Foi por isso grande a excitação na casa, quando João Coutinho recebeu uma carta do seu primo Adrião, que lhe anunciava que ia chegar à vila. (...)
Maria da Piedade olhava-o assombrada: aquele herói, aquele fascinador por quem choravam as mulheres, aquele poeta que os jornais glorificavam, era um sujeito extremamente simples (...) De resto prontificou-se logo a ser a procuradora do primo.
No outro dia foram ver a fazenda. (...) Tinha-se-lhe prendido à orla do seu vestido um galho de silvado e como ele se abaixara para o desprender delicadamente, o contacto daquela mão branca e fina de artista na orla da sua saia incomodou-a singularmente. (...)
O passeio ao moinho foi encantador. Era um recanto de natureza, digno de Corot, sobretudo à hora do meio-dia em que eles lá foram, com a frescura da verdura, a sombra recolhida das grandes árvores, e toda a sorte de murmúrios de água corrente, fugindo, reluzindo entre os musgos e as pedras (...).
E de repente, sem que ela resistisse, prendeu-a nos braços, e beijou-a sobre os lábios, de um só beijo, profundo e interminável. Ela tinha ficado contra o seu peito, branca, como morta: e duas lágrimas corriam-lhe ao comprido da face. (...) ela ergueu-se, apanhou o guarda-solinho e ficou diante dele, com o beicinho a tremer, murmurando:
- É mal feito... É mal feito...
Ele mesmo estava tão perturbado - que a deixou descer para o caminho: e daí a um momento seguiam ambos calados para a vila. Foi só na estalagem que ele pensou: «Fui um tolo!». Mas no fundo estava contente da sua generosidade. (...)
Ouviu que ele partia, sem lhe mudar a cor, sem lhe arfar o peito. (...) Amava-o. (...) e antevia, para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências possíveis, em que se não vê sempre diante dos olhos uma face fraca e moribunda, em que as noites se não passam a esperar as horas dos remédios... Era uma rajada de ar impregnado de todas as forças vivas da Natureza, que atravessava, subitamente, a sua alcova abafada: e respirava deliciosamente... (...)
Então começou para Maria da Piedade uma existência de abandonada. Tudo de repente em volta dela (...) lhe pareceu lúgubre. Os seus deveres, agora que não punha neles toda a sua alma, eram-lhe pesados como fardos injustos. (...) Adrião tornara-se, na sua imaginação, como um ser de proporções extraordinárias, tudo o que é forte, e que é belo, e que dá razão à vida. Não quis que nada do que era dele ou vinha dele lhe fosse alheio. Leu todos os seus livros (...).
E o romanticismo mórbido tinha penetrado tanto naquele ser, e desmoralizara-o tão profundamente, que chegou ao momento em que bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços - e foi o que sucedeu enfim, com o primeiro que namorou, daí a dois anos. Era o praticante da botica.
Por causa dele escandalizou toda a vila. E agora deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova, toda a trapagem de emplastros por cima das cadeiras, tudo num desamparo torpe - para andar atrás do homem, um manganão odioso e sebento, de cara balofa e gordalhufa, luneta preta com grossa fita passada atrás da orelha e bonèzinho de seda posto à catita. Vem de noite às entrevistas de chinelo de ourelo; cheira a suor; e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila «a Bola de Unto».

Eça de Queiroz

«No Moinho», in Contos, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 2002, pp. 49-63

25.3.09

If

A campanha de promoção da Antena 1, concebida pela agência BBDO, foi lançada no início do mês. Não tenho dúvidas de que foi um sucesso para o anunciante! Uma nova versão já foi lançada. Qual preferem? Eu acho que ambas ligam Portugal...


21.3.09

A poesia é uma arma carregada de futuro



Cuando ya nada se espera personalmente exaltante,
más se palpita y se sigue más acá de la consciencia,
fieramente existiendo, ciegamente afirmando,
como un pulso que golpea las tinieblas,
que golpea las tinieblas.

Cuando se miran de frente
los vertiginosos ojos claros de la muerte,
se dicen las verdades;
las bárbaras, terribles, amorosas crueldades,
amorosas crueldades.

Poesía para el pobre, poesía necesaria
como el pan de cada día,
como el aire que exigimos trece veces por minuto
para ser y tanto somos, dar un sí que glorifica,
dar un sí que glorifica.

Porque vivimos a golpes, porque apenas si nos dejan
decir que somos quien somos,
nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno,
Estamos tocando el fondo,
estamos tocando el fondo.

Maldigo la poesía concebida como un lujo
cultural para los neutrales
que lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no ha tomado partido,
partido hasta mancharse.

Hago mías las faltas.
Siento en mi a cuantos sufren y canto respirando.
Canto y canto y cantando más allá de mis penas
de mis penas personales,
me ensancho, me ensancho.
(...)
No es una poesía gota a gota pensada,
No es un bello producto. No es un fruto perfecto
es lo más necesario: lo que no tiene nombre.
Son gritos en el cielo, y en la tierra son actos.

Porque vivimos a golpes, porque apenas si nos dejen
decir que somos quien somos,
nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno
Estamos tocando el fondo,
Seguimos tocando el fondo!

Poesia: Gabriel Celaya
Interpretação:
Paco Ibáñez

Um dia em que 24 horas não vão chegar...

... tantos são os eventos a acontecer na cidade!

Demanhã e à tarde, no Mercado Negro: workshop «A arte de contar histórias», com Helena Almeida (clicar no cartaz para aumentar)

A partir das 15 horas, na Praça Melo Freitas, primeira sessão do projecto «Se esta praça tivesse ... 250 anos» dinamizado pela Oficina de Música de Aveiro e pelo CETA. O palco já foi montado e está à nossa espera. Vamos inundar a Praça!

Das 15h às 18h, comemoração do Dia Mundial da Árvore com a actividade «
À Descoberta do Parque Infante D. Pedro».

Às 21h30, no
Teatro Aveirense, o espectáculo «Quadrar a Roda» de Jens Altheimer.


Por volta das 22h, as galerias Má Arte, Kompass e Sacramento, inauguram novas exposições, no âmbito de uma actuação coordenada e regular para animar o panorama cultural da cidade de Aveiro. Com estas três exposições em simultâneo, mais uma vez a Rua do Gravito em Aveiro está em festa e à espera de todo o público que queira partilhar com estes artistas uma noite de cultura e animação.

Ao bater da meia-noite, café-concerto no
Performas. Actuam os Souls of Fire.

20.3.09

Uma tarde no Museu de Aveiro

Coro Alto
Foto MRF - 19 Março 09


Há qualquer coisa que por dentro mexe quando entramos no coro alto, mesmo que ele ainda esteja fechado ao público para trabalhos de restauro. Talvez também por isso. É como espreitar a intimidade de um lugar que é belo antes do seu novo despertar. Ouvimos as palavras do Rei da Babilónia e sabemos que os deuses são sábios quando ordenam o restauro do templo. No Convento de Jesus existiu desde muito cedo um coro duplo devido aos alagamentos frequentes da igreja e do coro baixo. O formato actual do coro alto remonta ao século XVIII. Esta sala, a visão da igreja através do gradeamento, justificam por si uma visita ao Museu de Aveiro.

Na quinta-feira passada,
tal como fora agendado, voltámos ao Museu. A Dra. Ana Margarida Ferreira estava à nossa espera, disposta a esclarecer e, certamente, a ouvir críticas ao projecto de «requalificação». À minha volta, encontrei pessoas de todas as idades e com interesses e actividades diversificados. Estudantes de arqueologia, professores, urbanistas, enfermeiras reformadas, membros da Aderav, des-organizados, habitantes da cidade de nacionalidade portuguesa ou brasileira, em pouco tempo formaram um grupo animado, pronto a discutir a intervenção do arquitecto Soutinho e a problemática da gestão do (nosso) património. Responderam ao desafio que lancei neste blogue e num jornal da região. Eu e os Amigos da Avenida!

Há qualquer coisa que por dentro mexe quando se partilha um interesse comum. Penso que a directora do Museu de Aveiro rapidamente sentiu que a intenção daquelas pessoas não era a crítica fácil. Como outros espaços da cidade, o Museu de Aveiro é memória - política, socio-cultural, afectiva. O Museu integra a História e o nosso quotidiano, é um marco da identidade de um vasto conjunto de cidadãos. que pertencem a um lugar, que trazem o mundo para esse lugar. e por isso têm aspirações de saber e de intimidade. Para além da aparente indiferença, existe o desejo de participação na discussão dos projectos da Polis - que deve ser pública e amplamente divulgada. Questão ainda mais pertinente dada a especificidade deste espaço: é um Monumento Nacional, é um espaço de museológico, tem uma vocação científica e educativa.

Não tenho dúvidas de que a directora do Museu partilha esta visão. A abertura e disponibilidade que revelou vão ao encontro deste sentir político. Este projecto de «requalificação» de um Monumento Nacional simplesmente nasceu torto. Porque ainda não havia legislação que o obrigasse, não foi sujeito a concurso público. A «maquete» (?) foi apresentada ao público durante um curto período de tempo. Poderes políticos e media não fomentaram a sua discussão (sim, eu penso que ambos têm uma missão que transcende o imediatismo e a facilidade). Os cidadãos não reagiram a tempo de poder influenciar qualquer decisão.

Sendo assim, como bem afirmou a Dra. Margarida Ferreira, há que aprender com os erros do passado e estar mais atento. A cidade, o país, oferece-nos com demasiada frequência topoi relacionados com a defesa do nosso património.

A visita na passada quinta-feira não soube, contudo, a esforço vão. Quem esteve presente, saiu do Museu mais esclarecido relativamente a uma série de questões e decisões.

1. Em primeiro lugar, convém deixar clara a posição da sua directora. Quando assumiu o cargo,
a obra estava pronta para ser adjudicada.
2. A descoberta de construções antigas e de milhares de artefactos arqueológicos no decorrer das obras está documentada: a empresa Mythica acompanhou todo o processo e é ela que detém agora os «contentores» com as peças desenterradas. Segundo a directora do Museu de Aveiro, os achados estão agora a ser catalogados pela mesma empresa, devendo o estudo ser moroso. A Dra. Ana Margarida Ferreira sugeriu a possibilidade de antecipar uma exposição temporária sobre as escavações arqueológicas efectuadas. A decisão de voltar a enterrar as estruturas antigas permanecerá polémica.
3. A visita não modificou a minha opinião nem, penso, a da maioria dos outros participantes - no que diz respeito às opções estéticas do arquitecto. O sentimento geral continua a ser o do desvirtuamento do espírito conventual, além de que a intervenção foi muito invasiva. A construção da ponte de acesso ao segundo andar é o exemplo mais evidente.
4. Outros aspectos negativos, relacionados com a funcionalidade e custo de manutenção do espaço, foram realçados. O mais importante será o custo energético. O sistema de ar condicionado terá que funcionar continuamente, uma vez que as janelas amplas permitem a entrada directa de luz solar, criando um efeito «estufa» prejudicial à conservação das obras de arte expostas.

Estes são apenas alguns dos tópicos abordados na visita. Lamentavelmente, foram poucos os jornalistas presentes nesta visita guiada e a cobertura dada às explicações da Directora do Museu de Aveiro foi diminuta. Dar evidência a este tipo de informação implicaria mais os cidadãos e os responsáveis políticos. Integraria o Museu nas conversas quotidianas. Chamaria a atenção dos mais distraídos para a existência de um espaço - que é antigo -, mas que terá agora novas valências. Exposições temporárias, biblioteca, um pequeno auditório, um novo espaço de convívio. Talvez incentivasse mais pessoas a reanimar a AMUSA (amigos do Museu) ou a prestar serviços de voluntariado.

O Museu de Aveiro tem um novo rosto, gostaríamos que não tivesse perdido tantas rugas, mas continua ali à nossa espera. Foi bom revisitá-lo em tão boa companhia. Agradeço à Dra. Ana Margarida Ferreira o momento de excepção, ao Prof. José Carlos Mota tê-lo tornado possível e, a todos os parceiros da visita, a troca de pontos de vista e o ambiente de saudável carolice.

Apetece-me dizer «Até breve!».

18.3.09

Memorando Visita ao Museu de Aveiro



DIA 19 DE MARÇO, ÀS 14H30, TODAS AS PESSOAS INTERESSADAS EM APRECIAR E DEBATER A «REQUALIFICAÇÃO» A QUE O MUSEU DE AVEIRO FOI SUJEITO, TERÃO A POSSIBILIDADE DE O FAZER NA COMPANHIA DA SUA DIRECTORA, DRA. ANA MARGARIDA FERREIRA.

15.3.09

Le Chien

Recital de Léo Ferre. «Le Chien» rosnou pela primeira vez em 1970 (álbum Amour Anarchie). Ferré passa do verso à prosa livre e repensa a articulação entre música e texto. Ferré não canta, diz o texto. E, como Apollinaire, é obsceno. Transgride. No álbum original, há um rock psicadélico a acompanhar «Le Chien». A música vive autónoma. Para ouvir até ao fim, mesmo se não perceberem patavina de francês.


À mes oiseaux piaillant debout
Chinés sous les becs de la nuit
Avec leur crêpe de coutil
Et leur fourreau fleuri de trous
À mes compaings du pain rassis
À mes frangins de l'entre bise
À ceux qui gerçaient leur chemise
Au givre des pernods-minuit

A l'Araignée la toile au vent
A Biftec baron du homard
Et sa technique du caviar
Qui ressemblait à du hareng
A Bec d'Azur du pif comptant
Qui créchait côté de Sancerre
Sur les MIDNIGHT à moitié verre
Chez un bistre de ses clients

Aux spécialistes d'la scoumoune
Qui se sapaient de courants d'air
Et qui prenaient pour un steamer
La compagnie Blondit and Clowns
Aux pannes qui la langue au pas
En plein hiver mangeaient des nèfles
A ceux pour qui deux sous de trèfle
Ça valait une Craven A

A ceux-là je laisse la fleur
De mon désespoir en allé
Maintenant que je suis paré
Et que je vais chez le coiffeur
Pauvre mec mon pauvre Pierrot
Vois la lune qui te cafarde
Cette Américaine moucharde
Qu'ils ont vidée de ton pipeau

Ils t'ont pelé comme un mouton
Avec un ciseau à surtaxe
Progressivement contumax
Tu bêle à tout va la chanson
Et tu n'achètes plus que du vent
Encore que la nuit venue
Y a ta cavale dans la rue
Qui hennnit en te klaxonnant

Le Droit la Loi la Foi et Toi
Et une éponge de vin sur
Ton Beaujolais qui fait le mur
Et ta Pépée qui fait le toit
Et si vraiment Dieu existait
Comme le disait Bakounine
Ce Camarade Vitamine
Il faudrait s'en débarrasser

Tu traînes ton croco ridé
Cinquante berges dans les flancs
Et tes chiens qui mordent dedans
Le pot-au-rif de l'amitié
Un poète ça sent des pieds
On lave pas la poésie
Ça se défenestre et ça crie
Aux gens perdus des mots FERIES

Des mots oui des mots comme le Nouveau Monde
Des mots venus de l'autre côté clé la rive
Des mots tranquilles comme mon chien qui dort
Des mots chargés des lèvres constellées dans le dictionnaire des
constellations de mots
Et c'est le Bonnet Noir que nous mettrons sur le vocabulaire
Nous ferons un séminaire, particulier avec des grammairiens
particuliers aussi
Et chargés de mettre des perruques aux vieilles pouffiasses
Littéromanes

IL IMPORTE QUE LE MOT AMOUR soit rempli de mystère et non
de tabou, de péché, de vertu, de carnaval romain des draps cousus
dans le salace
Et dans l'objet de la policière voyance ou voyeurie
Nous mettrons de longs cheveux aux prêtres de la rue pour leur
apprendre à s'appeler dès lors monsieur l'abbé Rita Hayworth
monsieur l'abbé BB fricoti fricota et nous ferons des prières inversées
Et nous lancerons à la tête des gens des mots
SANS CULOTTE
SANS BANDE A CUL
Sans rien qui puisse jamais remettre en question
La vieille la très vieille et très ancienne et démodée querelle du
qu'en diront-ils
Et du je fais quand même mes cochoncetés en toute quiétude sous
prétexte qu'on m'a béni
Que j'ai signé chez monsieur le maire de mes deux mairies
ALORS QUE CES ENFANTS SONT TOUT SEULS DANS LES RUES
ET S'INVENTENT LA VRAIE GALAXIE DE L'AMOUR INSTANTANE
Alors que ces enfants dans la rue s'aiment et s'aimeront
Alors que cela est indéniable
Alors que cela est de toute évidence et de toute éternité
JE PARLE POUR DANS DIX SIECLES et je prends date
On peut me mettre en cabane
On peut me rire au nez ça dépend de quel rire
JE PROVOQUE-À L'AMOUR ET À L'INSURRECTION
YES! I AM UN IMMENSE PROVOCATEUR
Je vous l'ai dit

Des armes et des mots c'est pareil
Ça tue pareil
II faut tuer l'intelligence des mots anciens
Avec des mots tout relatifs, courbes, comme tu voudras

IL FAUT METTRE EUCLIDE DANS UNE POUBELLE

Mettez-vous le bien dans la courbure
C'est râpé vos trucs et manigances
Vos démocraties où il n'est pas question de monter à l'hôtel avec une fille
Si elle ne vous est pas collée par la jurisprudence
C'est râpé Messieurs de la Romance
Nous, nous sommes pour un langage auquel vous n'entravez que couic
NOUS SOMMES DES CHIENS et les chiens, quand ils sentent la compagnie,
Ils se dérangent et on leur fout la paix
Nous voulons la Paix des Chiens
Nous sommes des chiens de "bonne volonté"
El nous ne sommes pas contre le fait qu'on laisse venir à nous certaines chiennes
Puisqu'elles sont faites pour ça et pour nous

Nous aboyons avec des armes dans la gueule
Des armes blanches et noires comme des mots noirs et blancs
NOIRS COMME LA TERREUR QUE VOUS ASSUMEREZ
BLANCS COMME LA VIRGINITÉ QUE NOUS ASSUMONS
NOUS SOMMES DES CHIENS et les chiens, quand ils sentent la compagnie,
II se dérangent, ils se décolliérisent
Et posent leur os comme on pose sa cigarette quand on a quelque
chose d'urgent à faire

Même et de préférence si l'urgence contient l'idée de vous foutre
sur la margoulette
Je n'écris pas comme de Gaulle ou comme Perse l
JE CAUSE et je GUEULE comme un chien

JE SUIS UN CHIEN

14.3.09

Percursos com História


Sábado, 14 de Março: A CIDADE EMERGENTE [SÉC. XVII-XVIII]

Percursos temáticos em que se explora a percepção da comunidade numa perspectiva dinâmica e evolutiva da paisagem histórica de Aveiro.
Esta iniciativa dá vida ao conceito de museu polinucleado que tem na cidade continuidade do próprio espólio museológico do Museu da Cidade de Aveiro.

Próximos Percursos:
A Villa de Aveiro [até ao século XVII]: 09 de Maio; 12 de Setembro
A Cidade Emergente [até ao século XVIII]: 13 de Junho; 10 Outubro
A Cidade Contemporânea [séc. XIX-XX]: 18 Abril; 11 Julho; 14 Novembro

Público-alvo: Público em Geral
Orientador: Dr. Amaro Neves
Local de encontro: Praça da República, junto ao Monumento a José Estêvão
Horário: 11h00 – 13h00
Número Máximo de participantes por percurso: 30
Sujeito a inscrição prévia: museucidade@cm-aveiro.pt 234 406 485



[Imagens: Convento de Jesus e igreja de S. Domingos.1915.1905]


P.S.: Uma exposição de fotografia de Aveiro Antigo poderá ser visitada de 7 de Março a 5 de Abril, de Terça a Domingo, das 14.00 às 19.00 horas, na Galeria dos Paços do Concelho. Tem entrada livre.

12.3.09

Era uma vez em Aveiro

Eu sou Nabonidus, Rei da Babilónia (...) num dia favorável para o meu reinado, o deus Shamash lembrou-se da sua antiga casa, e foi a mim, Rei Nabonidus, quem ele encarregou da tarefa de restaurar o templo e de refazer a sua casa...”.

Este texto de Nabonidus, do século VI A.C., testemunha um desejo humano ancestral: o de conservar e restaurar a história das sociedades e da sua cultura. Contudo, a intenção deliberada de conservar, revelada pelo Rei, não era inocente. As suas motivações eram de ordem religiosa, mas também políticas. Passados mais de dois mil anos, o que nos leva a querer conservar e restaurar o nosso património? O fervor religioso (ainda...), interesses políticos (num sentido muito amplo), económicos, a vontade de educar, a busca da história- identidade de um povo ou região, a aspiração ao belo. Não estamos assim tão distantes do Rei da Babilónia!

Infelizmente, também muito cedo na história da humanidade, aconteceram actos de destruição do património. Na sua origem: o fanatismo religioso, o activismo político, as guerras, o mercantilismo, a ignorância, a negligência, a desvalorização ou rejeição do passado, ou apenas um desejo de ampliar, de refazer, de recriar livremente.

A consciência da importância do nosso património e da necessidade de o conservar, pelo que representa em termos de memória colectiva e pelas suas qualidades intrínsecas, amadureceu a partir do século XIX, quando a curiosidade pelo passado se transformou em História. Surgiram os debates, acesas polémicas, em torno dos conceitos de restauração e conservação, que, à época, foram colocados em campos opostos. O arquitecto Eugène Viollet-le-Duc, um dos primeiros teóricos da preservação do património histórico, afirmava em 1886 que restaurar um edifício não era preservá-lo, repará-lo ou reconstruí-lo; restaurar significava recriar a forma na sua totalidade, pelo que o resultado seria algo que forçosamente nunca existira antes. A crítica veio de Inglaterra. Membros da famosa Irmandade Pré-Rafaelita, amantes do medievalismo, os românticos John Ruskin e Willian Morris, consideravam que restaurar era reduzir o trabalho original a nada. Segundo Ruskin, «... a maior glória de um monumento não é as suas pedras, nem o seu ouro. A sua glória está na sua Idade».

Os pressupostos modernos da conservação do património fusionam os princípios essenciais destas duas correntes oitocentistas. Aceita-se a restauração como operação legítima, desde que não falsifique a evidência. No século XX, o desenvolvimento destas ideias traduziu-se na produção de vários instrumentos internacionais orientadores dos trabalhos de conservação do património. A Carta de Atenas (1931) constitui a primeira tentativa de fixação de princípios éticos a nível internacional. Estabelece a necessidade de criar medidas legais de protecção do património, a primazia da conservação face à restauração, o respeito pela integridade dos monumentos e pelas contribuições de idades diferentes, a necessidade de documentação. Estes princípios foram reafirmados na Carta de Veneza (1964) e, em 1972, a Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, foi adoptada na Conferência Geral das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Actualmente, mais de 160 países ratificaram essa Convenção. Portugal aderiu em 1979. Podemos ler no sítio do IPPAR que promover uma ética de conservação do património «é, sem dúvida, um grande desafio, particularmente numa época onde a globalização económica conduz todas as nações a perseguir um desenvolvimento acelerado, por vezes pouco preocupado com as consequências para o futuro

É com esta declaração que regresso a Aveiro. No decorrer das obras de ampliação e «requalificação» do Museu de Aveiro iniciadas em 2006, foi noticiada a descoberta de construções antigas, estruturas do antigo Convento de Jesus, e de “milhares de peças” (agência Lusa). Um técnico da Mythica, empresa de arqueologia que acompanhou a obra, informava que estava a ser feita «a exploração de duas valas próximas da antiga cozinha do Convento de Jesus, de onde tem saído grande quantidade de faiança do século XII e posterior, como taças, tigelas, formas e mesmo fragmentos de vidro». Na mesma altura, a Directora do Museu adiantou ao DA que «foi feita a escavação, registada por métodos fotográficos e desenho» e que seriam feitos apenas «pequenos ajustes» ao projecto inicial do arquitecto Alcino Soutinho, algo «totalmente consensual entre todos os interessados». No dia 5 de Março, em resposta a um post que escrevi relatando as minhas impressões da visita ao Museu «requalificado» (nos blogues Divas & Contrabaixos e Quarto Com Vista para a Cidade de Aveiro), a Dra. Ana Margarida Ferreira confirmou que «as estruturas arqueológicas estão documentadas e enterradas, o espólio está acautelado». Os critérios que foram tomados em consideração para a prossecução normal dos trabalhos, os «pequenos ajustes» ao projecto que as descobertas arqueológicas eventualmente produziram, a documentação produzida, a quantidade e caracterização do espólio recolhido, são dados a que os cidadãos, nesta era da informação e do conhecimento, não têm acesso. E o Museu reabriu sem nenhuma exposição que desse conta das escavações e descobertas arqueológicas!

Centremo-nos agora no edifício que alberga o Museu de Aveiro. É classificado Monumento Nacional em 1910, ainda antes da fundação do então designado Museu Regional de Aveiro (1911). Afirmar que o Convento de Jesus integra o espaço museológico é redutor. O valor do património que foi agora «requalificado» deriva das origens, história e arquitectura conventuais. Qualquer intervenção no Museu deveria assim ser concebida tendo em conta a totalidade do espaço histórico, nunca esquecendo a sua natureza especifica e original. O projecto do arquitecto Alcino Soutinho conseguiu o inimaginável: nas salas onde estão expostas as colecções dedicadas à Princesa Santa Joana e as de arte sacra, o visitante esquece-se que está num espaço conventual! Nos anos 30 foram demolidas paredes de celas para criação de salões de exposição. O princípio ético da intervenção minimamente invasiva em monumentos com valor histórico ainda não tinha sido ratificado. Mas o projecto actual removeu as paredes que restavam, destruiu por completo a antiga entrada do Museu, rasgou uma ponte de betão no interior do convento, fechou as portas do claustro alto,... e mais não sei porque uma parte do museu está ainda vedada ao público. Naturalmente, o Museu merecerá sempre a nossa visita. A Igreja de Jesus, a capela-mor, o coro baixo e o coro alto, os túmulos de Santa Joana, do Duque de Aveiro e de João Albuquerque, as colecções de pintura, escultura, talha, azulejaria, ourivesaria, joalharia, paramentaria, cerâmica (essencialmente de índole religiosa) são tesouros que têm um valor universal. Mas estranho. Estranho a aprovação deste projecto. Estranho que a belíssima Botica conventual não possa mais voltar ao espaço que anteriormente ocupava ou a qualquer outro, dadas as suas dimensões e a filosofia de descontextualização das peças dos seus ambientes. Estranho que um investimento de cinco milhões de euros, valor estimado da obra (sendo a comparticipação comunitária de metade), não abranja o restauro do claustro e sua azulejaria. Estranho que a necessidade objectiva de construção de um corpo novo, destinado a sala de exposições temporárias e reservas, biblioteca e laboratórios de conservação, gabinetes, auditório e café, tenha levado a uma excessiva relativização do valor histórico deste Monumento Nacional. O fantasma da paralisação do futuro dominou a vontade ancestral de preservar o passado. «É preciso ver a cultura como um factor de desenvolvimento», afirmou a secretária de Estado da Cultura no dia da reabertura do Museu de Aveiro (18-12-2008). Sei que a forma como olhamos para uma obra é subjectiva. Eu penso que o Museu perdeu memória. John Ruskin diria que houve «profanação». Que importa! Venham os novos projectos, as novas actividades, as exposições temporárias! Porque público é preciso! Cidadãos é que nem tanto...


... ou não! Na declaração já referida, a Dra. Ana Margarida Ferreira declarou ser «completamente adepta da discussão pública dos assuntos de interesse público» e disponibilizou-se para «discutir conceitos e opções de intervenção em museus e monumentos». Dado a sua incontestável competência e determinação, a questão dos achados arqueológicos não estará pois perdida. Relativamente ao projecto arquitectónico de Alcino Soutinho, mesmo que pareça tarde demais discuti-lo, não o é de facto. Seria da máxima importância que gerasse uma reflexão pública, envolvendo especialistas e o público em geral. O Museu de Aveiro é de todos nós! Não devemos abster-nos de fruir desse espaço e de exigirmos o respeito pela Idade das suas pedras.

P.S.: O título deste artigo é também uma alusão ao site do Museu de Aveiro - http://www.eraumavezemaveiro.com/


Maria do Rosário Fardilha
DIÁRIO DE AVEIRO, 12 de Março de 2009



Ver ainda artigo de João Peixinho no DA de hoje.

11.3.09

Afinal que mundo é este?

Os anões não chegam ao multibanco, os surdos não ouvem concertos, as prostitutas existem porque os outros gostam, os toxicodependentes não são confiáveis, enfim, um mundo perfeito... e um conjunto de conferências certamente originais no ano em que o Espaço t comemora 15 anos!

10.3.09

Visita ao Museu de Aveiro

CONVITE


DIA 19 DE MARÇO, ÀS 14H30, TODAS AS PESSOAS INTERESSADAS EM APRECIAR E DEBATER A «REQUALIFICAÇÃO» A QUE O MUSEU DE AVEIRO FOI SUJEITO, TERÃO A POSSIBILIDADE DE O FAZER NA COMPANHIA DA SUA DIRECTORA, DRA. ANA MARGARIDA FERREIRA, A QUEM AGRADECEMOS A DISPONIBILIDADE E A ATITUDE DE FRANCA ABERTURA.

Cântico

Decidiram chamar-lhe assim. Negro, ao cântico. José Régio e Helder Magalhães. Acho que se enganaram os dois. Este é um cântico da mesma cor do vestido: cor de fogo!


E este é só mais um pretexto para marcar presença num dos únicos festivais de cinema e literatura do mundo, o Famafest.

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

José Régio, in Poemas de Deus e do Diabo, 1925

P.S.: Foi neste primeiro volume de poesia, Poemas de Deus e do Diabo, que José Maria dos Reis Pereira usou pela primeira vez o pseudónimo José Régio.

7.3.09

Intimidade

Ontem revi Intimidade de Patrice Chéreau (viram este filme?). A dada altura Claire diz «estou a chorar a morte de uma pessoa» e depois esclarece: «fui eu que morri». Outro personagem responde: «ah, eu morri há muitos anos! sabes que no dia em que morremos temos o privilégio de poder finalmente dizer o que nunca dissemos? o que queres tu dizer, que nunca tenhas dito a ninguém?»


É uma pena deixar essas palavras para o último dia. mesmo que se possa morrer e renascer muitas vezes. Por isso vou dizer-vos uma coisa.
É importante saberem que foram as minhas filhas, então com 5 anos, idade em que se nasce quase todos os dias, que, depois de alguma discussão, chegaram a esta fórmula. Pode bem ser que me lembre dela num dos meus últimos dias e que me apeteça então repeti-la. "Quando morrer quero morar no céu abaixo das nuvens, para continuar a ver as pessoas de que gosto. mesmo que fique toda molhada quando chover".


Vocês querem dizer alguma coisa que nunca tenham dito a ninguém?

5.3.09

Desconserto no Museu II

Agradeço os esclarecimentos da Dra. Ana Margarida Ferreira, Directora do Museu de Aveiro, mas, se me permitem, volto a questionar alguns dos pontos que enunciou.

1. As estruturas arqueológicas estão documentadas e enterradas, o espólio está acautelado.

Quem tomou a decisão de voltar a enterrar «as estruturas arqueológicas»? Por que não foi o projecto de arquitectura reajustado às descobertas que as obras revelaram? Poderá o público ter acesso a essa documentação? O que compreende o «espólio» que foi acautelado?

2. O chão de ladrilho da portaria foi colocado no século XX. Temos a factura da sua compra.

Peço desculpa pela falta de qualidade das fotografias mas confirma que esta entrada foi completamente destruída, nomeadamente o balcão do andar superior e a perspectiva do espaço e do tecto em talha dourada que este oferecia ao visitante, bem como a escadaria de acesso ao primeiro andar?

3. Os painéis de azulejo foram lá colocados na direcção do Dr. Alberto Souto; foram removidos na direcção da Dr.ª Maria Lobato e estão desmontados. Não estão em exposição (estranho muito a afirmação da autora).

Referimo-nos à sala que aqui é apresentada? Lamento se fui imprecisa, confundi certamente estes painéis com outras peças da exposição. O Museu de Aveiro não vai expor os sete painéis de azulejos recortados da primeira metade de setecentos?


4. As portas em torno do claustro superior continuam a ser portas.

As portas foram transformadas em janelas (com a dimensão das anteriores portas). Quem percorrer o claustro alto, já não pode entrar em nenhuma "porta". Na verdade, as novas janelas, tapadas com persianas para evitar a luz directa sobre as peças de colecção, escondem a vista sobre o claustro alto. É incorrecta esta afirmação?

5. O pavimento das salas do primeiro andar sempre foi de soalho de madeira.

Lamento a imprecisão, sou apenas uma visitante interessada do Museu há muitos anos. Referia-me ao piso que é visível na imagem seguinte. De resto, presumo que também esta sala já não exista, ou estou enganada?


6. Os azulejos do poço foram levantados e guardados; eram uma decoração aplicada a cimento, em data incerta, seguramente do século XX adiantado. O pavimento nunca foi de mosaico; foi de seixo rolado, conforme documentaram as escavações arqueológicas.

Obrigada pela precisão. Mas o seixo rolado configurava formas geométricas, não é verdade? Relativamente ao poço, é mais rico e interessante mantê-lo em cimento bruto? As colunas deste segundo claustro foram rodeadas ou não por uma estrutura metálica e envidraçada?


[As imagens apresentadas pertencem ao Caderno do Público - Museus de Portugal X - Museu de Aveiro, s.d.]

4.3.09

Desconserto no Museu de Aveiro


As obras de ampliação e requalificação do Museu de Aveiro deram que falar mas nunca se falou o suficiente. No decorrer das obras, face a descobertas de interesse arqueológico, dominou o silêncio. E é este que continua a dominar: onde estão «os vestígios de estruturas antigas»? O Museu reabriu, as obras estão praticamente finalizadas. Parece que todos preferem festejar e não questionar o que se fez com 5.080.669,00 euros, valor estimado da obra (sendo a comparticipação comunitária de metade). O projecto tem a autoria do arquitecto Alcino Soutinho. A fiscalização esteve a cargo da delegação de Coimbra da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Mas, na minha simples opinião, o museu foi alvo de um atentado!

Antes das obras, a entrada do museu, em chão de mosaico antigo, de barro escuro, dividia o espaço branco das paredes por sete painéis de azulejos recortados, da primeira metade de setecentos, ali instalados depois de terem sido retirados da antiga Sé ou Recolhimento de S. Bernardino. ESTE ESPAÇO FOI DESTRUÍDO. OS PAINÉIS ESTÃO EXPOSTOS DE FORMA ALINHADA NUMA DAS NOVAS SALAS DE EXPOSIÇÃO.

As várias salas, organizadas agora segundo os períodos convencionais da história de arte, são frias, não passam de mostruários de arte sacra. AS PEÇAS FORAM DESCONTEXTUALIZADAS. Torna-se mais prático digitalizar o espaço e fazer uma visita virtual!

O Claustro. No centro, o chafariz entre degraus e bancadas revestidas de azulejos de figura azuis e brancos da primeira metade do século XVIII. NÃO FORAM RESTAURADOS.
À volta do claustro, as salas sucedem-se. A maior guardava o túmulo de João Albuquerque e sua mulher D. Helena Pereira, inicialmente feito para ser colocado numa capela da Igreja de Nossa Senhora da Misericórdia (actual Sé), da qual tinha o padroado. A sua vinda para o museu deu-se em 1945. EI-LO, ACTUALMENTE:

O que aconteceu às outras salas, não sabemos. O espaço ainda está vedado ao público. Temo pela «requalificação» das capelas de S. Simão, de S. João Batista, de S. João Evangelista, do Refeitório.

O acesso ao Claustro alto também está vedado. Mas uma mudança sobressai: AS PORTAS AO LONGO DA VARANDA FORAM TRANSFORMADAS EM JANELAS.

Antes das obras de «requalificação», saíamos do coro alto ao encontro dos testemunhos da vida da Beata Joana. Três pequenas divisões, abertas do lado do coração. Mantiveram essas salas. Mas O PAVIMENTO EM MÁRMORE FOI SUBSTITUÍDO POR UM MODERNO SOALHO DE MADEIRA E O SEU NOVO ENQUADRAMENTO DESTRUIU POR COMPLETO O AMBIENTE CONVENTUAL QUE DIFERENCIAVA ESTE MUSEU DE QUALQUER OUTRO. A OPÇÃO FOI A DE DEITAR PAREDES ABAIXO E ERGUER UMA SÉRIE SALAS DE EXPOSIÇÃO. Não há permissão para fotografar as salas (restrição que é cada vez mais exclusiva deste país). Centremo-nos apenas nesta nova entrada para o segundo piso:



Parece-me insano rasgar o espaço do convento com esta ponte de betão e metal. Mas enfim, é apenas a minha opinião.

A mística do museu, os pequenos detalhes, diluiram-se nestas novas linhas de modernidade acéfala. A ruptura com as suas origens é irremediável. A casa mandada erguer por D. Brites Leitão foi fulminada. O convento que D. Afonso V e sua corte lançaram após a bula papal de Pio II em 1461 perdeu a alma. É desesperante o que fizeram ao segundo claustro! O chão foi todo levantado (o que fizeram aos mosaicos antigos?), substituído por pequenos seixos elegantes. O poço passou a estrutura acimentada, bastante grosseira (o que fizeram dos azulejos?). O passeio envolvente está coberto por uma estrutura metálica, tipo marquise!!! É preciso ver e rever para acreditar! Enfim, foi o que me aconteceu, mas devo ter sido a única...
Quanto à Igreja do Convento de Jesus, não foi tocada. Felizmente, a parte mais antiga da construção, quatrocentista, estava fora do projecto!

Não adianta muito, ou nada, expressar esta opinião. Deve ser por isso que ninguém fala, como eu falo, e repito, de atentado a um Monumento Nacional. Autarquias, Secretarias de Estado, continuem no bom caminho! O povo não é quem ordena!