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25.3.07

Diário da Guerra aos Porcos #4

Walter Stanish
Old men's game, 2005


Os rapazes montaram, como faziam todas as noites, a mesa de truco*, naquele café de Canning, em frente da praça Las Heras. O termo rapazes por ele utilizado, não deve fazer supor um complicado e subconsciente propósito de passarem por jovens, como assegura Isidorito, o filho de Vidal, antes obedece à casualidade de uma vez o terem sido e de, desde então, se designarem justificadamente desse modo. Isidorito, que não opina sem consultar uma doutora, abana a cabeça, prefere não discutir, como se o seu pai se estivesse a debater com a sua própria argumentação enganadora. Quanto a não discutir, Vidal dá-lhe razão. A falar, ninguém se entende. Entendemo-nos a favor ou contra, como matilhas de cães que atacam ou repelem um inimigo circunstancial. Todos eles, por exemplo - Vidal tinha o cuidado de dizer os rapazes, quando se lembrava - na mesa de truco passavam o tempo, divertiam-se, não porque se entendessem ou se dessem particularmente bem mas sim por obra e graça do hábito. Estavam habituados à hora, ao lugar, ao fernet², às cartas, às caras, ao pano e à cor da roupa, de modo que qualquer sobressalto estava, para o grupo, fora de questão.

in Diário da Guerra aos Porcos de Adolfo Bioy Casares
pp. 7-8


* Jogo de cartas com baralho espanhol
² Licor italiano à base de ervas

17.3.07

Guerra aos porcos

Para além da literatura e de Bioy Casares, uma perspectiva visual da velhice (subam a persiana do blog, de Senso a Senso). Habituamo-nos a ver corpos esteticamente perfeitos, fechamos a lente, a mente, a rugas e peles flácidas, a fadigas e loucuras de corpos envelhecidos. Apagamos os signos da passagem do tempo, as marcas da aventura da vida. Apagamos o prazer na velhice. Porquê?

Baudrillard ou Coplans afirmam -self. Mas nós não nos revemos nas imagens. Aqueles são outros. outra raça de (ir)realidade. others que não, nunca, ourselves.

16.3.07

Diário da Guerra aos Porcos #3

(...) Queremos consultar a tua opinião.
- Estou à vossa disposição - respondeu Vidal.
- Não te ponhas tão solene. Queremos a tua opinião. Dante, aqui presente, resolveu ontem à noite... digo?
- Foi para isso que cá viemos - disse Dante, incomodado. - Quanto mais depressa, melhor.
Arévalo falou rapidamente:
- Ontem à noite resolveu pintar o cabelo e quer saber a tua opinião.
Vidal balbuciou:
- Parece-me perfeito...
- Não te apresses - protestou Arévalo.
- Posso explicar-te as minhas dúvidas? - perguntou Dante. - Há pessoas a quem o cabelo grisalho repugna e enfurece; em contrapartida, a outros, um velho com o cabelo pintado enraivece-os.
- Posso explicar-te? - disse Arévolo. - Eu estava a contar a Dante que, uma vez, indo com uma rapariga para um hotel, nos cruzámos à porta com um casal. A rapariga riu-se: "Olha para o velhinho." Eu olhei e era um condiscípulo meu, mais novo do que eu, só que parecia uma ovelha com o cabelo branco.
- Tu pintas o cabelo?
- Estás louco? Graças a Deus, nunca precisei.
- Há um mas - observou Dante, com visível preocupação. - A tinta nota-se.
- Vai lá agora notar-se - replicou Arévolo. - Ninguém repara em ninguém. Temos uma ideia geral de que fulano é grisalho ou é calvo.
- As mulheres talvez reparem - opinou Vidal.
- Não te oiço - disse Dante.
- Reparam nas outras mulheres, para as criticarem - disse Arévolo.
- Agora as pessoas reparam - insistiu Dante - e não me vão negar: um velho de cabelo pintado provoca irritação.
- E os calvos? - perguntou Vidal.
- Pintar o cabelo - continuou Dante - é, hoje em dia, um procedimento grosseiro. Nota-se.
- Metade das raparigas que andam pela rua tem o cabelo pintado. Tu nota-lo. (...)
Como se mudasse de lado, Arévalo admitiu:
- Nota-se quando é fingido. Que me dizem dessas morenas pintadas de loiro?
- As morenas não me interessam. Digam-me a verdade, pareço mais novo? Eu assim não engano ninguém - declarou Dante, desolado.
- Então, para que é que pintaste o cabelo? - perguntou Arévolo.
- Não sei, pá.
(...)

in Diário da Guerra aos Porcos de Adolfo Bioy Casares
pp. 59-60

14.3.07

Diário da Guerra aos Porcos #2

Kasandra Leigh Beck
Maltese men


- O que é que tens? - perguntou Jimi. - Vejo que estás meio empertigado.
- Nada. Uma dor na cintura.
- Os anos, meu velho, os anos. O homem astuto acciona a tempo a sua estratégia contra a velhice. Se pensa nela, entristece-se, (...) dizem os outros que se entrega de antemão. Se a esquece, recordam-lhe que há um tempo para cada coisa e chamam-lhe velho ridículo.
- Contra a velhice, não há estratégia.



in Diário da Guerra aos Porcos de Adolfo Bioy Casares
p. 50

13.3.07

Diário da guerra aos porcos #1


Imaginem uma sociedade em que, de um momento para o outro, com base em discursos governamentais, a população jovem começa a odiar e a menosprezar os mais velhos. Espontaneamente começam a surgir brigadas anti-velhos que actuam à noite ou, no auge da revolução, a qualquer momento, eliminando essa "escória", sem que a polícia interfira. A mudança é tão brusca que alguns destes "velhos" nunca chegam a acreditar e a adaptar-se aos novos tempos mas, para os reformados, ou apenas para aqueles que tenham alguns cabelos brancos (ah, pobres calvos!) ou andem curvados, torna-se muito perigoso existir. Existir é um ultraje! Uma saída à rua pode significar um ataque inesperado. Muitos "velhos" são assassinados. O ditador no poder foi claro: eles são um fardo para qualquer país, são uns parasitas que vivem das suas reformas. E o Estado deixa de pagar as pensões de velhice. Os jovens passam a vê-los como seres feios, decrépitos, egoístas, nojentos, uns porcos! Eles próprios, os "velhos", começam a dar-lhes alguma razão. Mas querem sobreviver! E então não há outra solução senão a de viver em semi-clandestinidade. Também é preciso ter muito cuidado com o que se diz e se faz para nunca contrariar ou provocar os jovens!

Um desses velhos, com quase 60 anos, é Isidro Vidal. Ele tem um grupo de amigos. Juntos, ou cada um à sua maneira, vão enfrentar a crise. Isidro é cauteloso, ...mas não é que numa conjuntura tão difícil se apaixona por uma jovem? Coisa de porco, pois!

Felizmente Isidro Vidal tem um diário e Adolfo Bioy Casares deu-nos permissão para ler o que ele escreveu nesses dias terríveis que vão de 23 de Junho a meados de Julho daquele ano. Digo-vos que a revolução acabou sendo regulada. Já quanto às ideias dominantes sobre a velhice, parece que subsistem uns problemas...


Se quiserem conhecer esta ficção absurda (só pode ser, Isidro estava caquéctico de certeza, ninguém humilha velhos!), abram as páginas de Diário da Guerra aos Porcos.

Diário da Guerra aos Porcos, de Adolfo Bioy Casares, foi escrito em 1969. Segundo Gabriel García Marquez, o romance foi escrito numa altura em que Bioy Casares se sentiu envelhecer e, talvez por isso, "esta crónica divertida e terna não envelhece nunca e é nova como a luz de qualquer dia". O romance toca as situações mais comoventes da vida humana e um dos nossos maiores medos: o do tempo e da proximidade da morte. A Cavalo de Ferro editou-o em Setembro de 2006. Já antes, em 2005, a mesma editora lançou O Sonho dos Heróis. Mas o livro que despertou a minha curiosidade pelo autor foi A Invenção de Morel.


"As pessoas afirmam que muitas explicações convencem menos do que só uma, mas a verdade é que há mais de uma razão para quase tudo. Dir-se-ia que se encontram sempre vantagens para prescindir da verdade."
[p. 22]

18.10.06

Estudei o tema antes do processo: as conversas são um intercâmbio de notícias (exemplo: meteorológicas), de indignações ou alegrias (exemplo: intelectuais) já sabidas ou compartilhadas pelos interlocutores. Move-as exclusivamente o gosto de falar, de dar expressão a acordos e desacordos.


in A Invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares, Ed. Antígona, p. 48


Acho que é isso o que faço por aqui...

10.6.06

Mundial #2

ARGENTINA
Meu Deus, quantas invenções já deu ao mundo! A Invenção de Morel de Adolfo Bioy Casares, a metafísica da realidade de Jorge Luis Borges, a Rayuela de Julio Cortázar (para quando uma edição portuguesa da sua obra?), O Túnel de Ernesto Sábato, O Beijo da Mulher Aranha de Manuel Puig ou a felicidade, por Tomás Eloy Martínez.

e Maradona!


COSTA DO MARFIM

Da necessidade de ter consciência da importância da literatura neste país onde se morre muito, todos os dias. O meu guru, Ahmadou Kourouma, de quem já falei aqui ou aqui.
Tanella Boni e a literatura viva no feminino. E até o Presidente da República, un bandit de grand chemin como diria Kourouma, é (historiador e) romancista: Laurent Gbagbo!