Já conhecerão O Caderno de Saramago... Mas saberão d' A Viagem do Elefante?
[Foto MRF, Genève 2008]
Sou fã deste conceito de «ciência divertida» mas tenho a impressão de que, para a maioria dos adultos, a curiosidade por certos efeitos ou fenómenos científicos só se manifesta depois de uma ida ao médico. Por exemplo, foi preciso ver esta prescrição para me interessar pelo efeito doppler! O dedo a percorrer a água será o sangue nas minhas veias. Enfim, já me tinham avisado. Com os anos, passamos à fase da «ciência vivida».
Para ti, Lauro, porque o prometido, ao contrário do que dizia O'Neill, nem sempre é de vidro.
Foto MRF
Ago 2008
Numa pequena rua em Neuchâtel, um alfarrabista tem a porta de sua casa aberta. É um convite irresistível. O dia é chuvoso e os livros parecem repousar há uma eternidade naquela sala escura. Ou talvez tenha sido o homem, magro, ligeiramente curvado, sentado ao fundo, lendo sobre a secretária, entre montanhas e planaltos de manuscritos e encadernações amarelecidas, que me despertou a curiosidade. Quais seriam os autores eleitos, que obras coleccionaria aquele suiço amante de literatura? Encontro Corneille, Racine, Victor Hugo, Sartre, Beauvoir, enfim, franceses, mestres! Mas não reconheço muitas obras, leio nomes que me são estranhos... até chegar ao suiço Blaise Cendrars! Li há pouco "Poesia em Viagem" (Assírio & Alvim, 2005) e um longo poema, Les Pâques à New York, ainda viaja comigo e está vivo neste mundo de migrações à escala global:
«(...)
Senhor, a multidão de pobres por quem fizestes o Sacrifício
Está aqui, nos hospícios, cercada e amontoada, como gado.
Enormes barcos negros chegam dos horizontes
E desembarcam-nos, a esmo, nos pontões.
Há italianos, gregos, espanhóis,
Russos, búlgaros, persas, mongóis.
São animais de circo que saltam meridianos.
Atiram-lhes com um pedaço de carne como a cães.
(...)»
Pura coincidência, evoco Cendrars e descubro que nasceu a 1 de Setembro de 1887 (m. 20 Janeiro 1961). Nasceu numa pequena localidade, Chaux-de-Fonds, por onde passei o mês passado. Essa é também a terra natal de Le Corbusier e quis conhecer a primeira casa desenhada pelo arquitecto (em 1912).
Volto a Neuchâtel, estou centrada em Cendrars, e o espaço que lhe é reservado parece um enorme esconderijo. De cócoras, salto prateleiras, da esquerda para a direita, de cima para baixo. E então avisto "Forêt Vierge (A Selva)" de Ferreira de Castro, «roman traduit du Portugais par Blaise Cendrars», editado pela Grasset em 1938. O meu tesouro de viagem é assinado pelo autor e inclui uma introdução que vou transcrever (e traduzir) em parte.