18.3.08

A Mulher Certa #1

Santo Onofre, que Pafnútio encontrou no deserto egípcio

«Viste tu harmonia e paz?... Alguma vez, no Peru? Diz... Bem, é possível, talvez no Peru... Mas, aqui, em latitudes temperadas, esta flor maravilhosa não consegue eclodir. Por vezes, distende as pétalas e logo definha. Talvez não tolere a atmosfera da civilização. Lázár dizia que a civilização da máquina produz também em série a solidão humana. Dizia, ainda, que Pafnuzio não vivia tão solitário no deserto, em cima da coluna, com o cabelo sujo dos pássaros, como um milhão de homens numa grande cidade, no domingo à tarde, em massa nos cafés e cinemas.»

in A Mulher Certa, de Sándor Márai
Dom Quixote, Outubro 2007, pp. 153-154




Depois de A Herança de Eszter, quis ler os outros livros de Sándor Márai, publicados pela mesma editora: As Velas Ardem Até Ao Fim e este último. Nas três obras, os protagonistas narram a um ouvinte imaginário ou que com eles contracena, ou ao leitor (ausente), um episódio, um encontro/ruptura, ocorrido no passado, que afectará para sempre as suas vidas. Passado e presente, diferentes pontos de vista sobre a mesma situação, valores, confrontam-se. Em As Velas..., Sándor utiliza uma forma próxima do monólogo; em A Mulher Certa, são três os monólogos: três personagens contam-nos a sua vida, centrando-se no momento em que os seus destinos se cruzaram - a (ex) mulher, o marido e a amante (que virá a ser a segunda ex-mulher). São romances em que predomina o universo das relações interpessoais mas a problemática da classe social e da consciência de classe está sempre presente, é o germe da tensão ou conflito, ou da atracção/traição entre actores. Velha aristocracia e burguesia e, neste último romance, velha e nova burguesia e burguesia versus operariado. Com Sándor, é por via de sentimentos fortes, como a amizade ou o amor, que os protagonistas tentam conciliar interesses e partilhar conceitos - de honra ou sucesso. Nas três obras, o mesmo fim: desalento e solidão.

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