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3.6.12

Quotidiano

QUOTIDIANO

O insecto caolho é atraído
pelo viscoso perfume das rosas

Geme no giradiscos a voz de Mercedes Sosa
e seu coração voltado ao sul

O poeta, a memória levemente sangrando,
morre de medo que a amada o abandone

Desesperado e indiferente
o rumor da panela de pressão
é igual ao de todos os dias...

in JOÃO MELO, A Construção do Tempo
Editora
Nós Somos, 2012
 

A minha companheira

A MINHA COMPANHEIRA
[Tradição oral Umbundu, Angola]


A minha companheira
nunca se molha
nunca se queixa
do calor ou do frio.

Ambos comemos juntos,
a todas as refeições.

Se lhe ofereço comida,
ou se lhe ofereço de beber,
ela recusa.

- porque não é capaz
de o fazer sozinha.

A minha companheira
segue-me sempre,
e faz exactamente o que eu faço:

- se ando
ela anda;
se paro,
ela pára;
se me sento,
ela senta-se;
se me levanto,
ela levanta-se;
se me deito,
ela deita-se,
se falo,
ela fala.

- mas ninguém ouve
o que ela diz.


_______ a minha sombra.
 


 in ZETHO CUNHA GONÇALVES, Rio Sem Margem- Poesia da Tradição Oral
Editora
Nós Somos, 2011
 Floris Neusüss

27.5.12

Poesia de autores africanos


Hoje fui à Feira de Velharias que se realiza no quarto domingo de cada mês, em Aveiro. Comprei algumas peças antigas mas o que venho aqui sugerir é novíssimo. Trata-se de uma coleção de livros de poesia de autores africanos, coordenada por Luandino Vieira e editada pela angolana NósSomos. Consegui os livros a preço de venda e vou deixar-vos as coordenadas do alfarrabista. Um dos responsáveis é um jovem que gosta do livro, enquanto objecto, e depois adora lê-los. As conversas não têm fim. Se andarem à procura de qualquer livro, de qualquer autor, ele vai ao armazém (em Lisboa), liga aos seus contactos, e é bem capaz de nos fazer uma surpresa na feira do mês seguinte. É possível encontrá-lo também em Coimbra na Feira de Velharias que, fiquei a saber, se realiza no 4º sábado de cada mês. Em Lisboa, estão neste momento a mudar de instalações.

Contacto: livros1870@yahoo.com

Os autores selecionados, até agora, por Luandino Vieira (ordem aleatória): J.A.S. Lopito Feijóo K., João Melo (de quem conhecia apenas os contos "Imitação de Sartre e Simone de Beauvoir", 1998, e que me surpreendeu porque rompe com as temáticas e ambientes que associava à literatura angolana pós-colonialista), Nok Nogueira, José Luís Mendonça (2 livros), Agostinho Neto, João Maimona, Arnaldo Santos, Zetho Cunha Gonçalves e António Jacinto.

23.5.12

Cartas de Angola

Num cinema perto de si!


Duas histórias que se cruzam em Angola: a de Dulce Fernandes, uma portuguesa nascida em vésperas da independência, e a dos milhares de cubanos que combateram na Guerra do Ultramar. Contado na primeira pessoa, um documentário que, tendo como pano de fundo a ilha de Cuba dos dias de hoje, nos leva à descoberta das histórias de alguns dos que viveram em Angola durante os anos 1950/60.
Estreia na realização da fotojornalista Dulce Fernandes, "Cartas de Angola" teve a sua estreia em 2011, no DocLisboa.

26.10.09

Dundo, Memória Colonial, Diana Andringa


«O filme chama-se Dundo, Memória Colonial, mas podia chamar-se "ambivalência". Foi ambivalência que Diana Andringa sentiu ao regressar ao Dundo, onde nasceu em 1947, e que foi o centro de uma das mais importantes companhias coloniais de Angola, a Diamang.
"Era um filme que planava em mim mas que eu tinha medo de fazer", afirma. Porque era "um filme mais pessoal" do que os que faz normalmente, e porque "não tinha a certeza de conseguir encontrar o registo certo" para falar de uma coisa profundamente pessoal: a culpa por ter nascido branca e privilegiada numa terra em que os negros "eram tratados como se não fossem pessoas" precisamente para ela poder continuar a ser privilegiada.
"Fiquei totalmente marcada pelo Dundo", conta. Pela vida idílica da comunidade branca, mas também pela "sensação de ter vivido em criança num mundo de enorme violência latente". Diana queria saber se as suas memórias eram verdadeiras e por isso voltou, acompanhada pela filha, uma testemunha que, sendo de outra geração, não partilha essa culpa. Não é de todo um filme de nostalgia. "Sentia a necessidade de saber como é que as pessoas do Dundo olhavam para nós".
Encontrou pessoas que falavam, elas sim, com alguma nostalgia do tempo dos portugueses. Mostrou-lhes um filme antigo que conseguira encontrar com uma das "coisas mais sinistras" que guardava na memória: o coro de meninos negros a cantar Josézito já te tenho dito. E filmou-os comovidos a ver essas imagens e a balbuciar as palavras da música que guardavam na memória.
Mas, ao mesmo tempo, ouviu-os a falar dos maus tratos, da tortura, das escolas separadas, dos médicos "para brancos", das humilhações, do serem tratados como menos do que um animal doméstico (lembra-se ainda de um bife que o cozinheiro fez para o gato dela e do desabafo dele: ‘a minha filha nunca comeu um bife').
Percebeu que não se tinha enganado a ler os sinais, que, no meio de coisas boas que a Diamang tinha feito pelo Dundo, havia apesar de tudo uma razão para sentir culpa quando olhava para a sua pele branca. E perante tudo isso, uma palavra continua a vir-lhe à cabeça: ambivalência.»

Realizadora:
Nome: Diana (Marina Dias) Andringa.
Nascida a 21.08.1947 em Dundo, Chitato, Lunda, Angola.
Nacionalidade portuguesa.

Espectadora (onde?)(onde?)(onde?) do "filme que eu queria fazer" e que agora "tenho medo" de ver:
Nome: Maria do Rosário (Borges de Sousa) Fardilha de Girardier
Nascida a 07.10.1966 em Dundo, Chitato, Lunda, Angola.
Nacionalidade portuguesa.

1.6.08

Dia Mundial dos nossos amores III

Mário Tendinha
Ginvuluvulu
Acrílico sobre tela - 89x116.JPG

«Deixar de brincar»:

Ginvuluvulu na etnia Cuvale (sul de Angola) é o jovem que deixa de brincar e passa a tratar do gado (nota do pintor).

5.5.08

Bienal Internacional de Cerâmica de Aveiro IX

Só para acrescentar a este post o que é óbvio(!): os prémios (monetários) da Bienal não foram atribuídos aos artistas vencedores, mas a Câmara Municipal de Aveiro ficou na posse de todas obras. Jasmina Pejcici, Santa Rita e Ricardo Casimiro continuam à espera de 15 mil, 10 mil e 5 mil euros, respectivamente. Quem se manifestou, teve direito a um pedido de desculpas (passados dois meses) e a um silêncio absoluto desde então.

Ricardo Casimiro, faço um desvio para lhe dizer que, vendo as suas peças, não consegui deixar de pensar no pintor angolano Mário Tendinha. Acho que a esta Oratura dos Ogros e do Fantástico falta um ceramista.


Ricardo Casimiro
Grunho
Peça de cerâmica feita de pasta refractária com chamota grossa -
Vidrada quase totalmente com vidrado opaco e posterior vidragem parcial com outros vidrados -
14x10x10cm

Mario Tendinha
Da Série "Contos, lendas, tradição oral dos povos de Angola...ogros, monstros, feitiços, estórias do fantástico...", Ekisi
Acrílico sobre tela - 2006

12.3.07

As últimas leituras

I.
Ponte sobre o rio Luachimo na Lunda
(ou a terra que me viu nascer)


Tremia, eu. Frio da água do naufrágio, sombra negra do peixe que voou o fundo do mar para cima da minha canoa afundada; o sujo ruído do motor dos fuzileiros; ainda o cheiro da pólvora das rajadas em meio ao vento que lhes levava para longe, agora? Era mais é meu maior terror: a ilha dos espíritos dos mafulos e dos homens da Jinga revivia o meio do meu medo.

in José Luandino Vieira
De Rios Velhos e Guerrilheiros - I. O Livro dos Rios
Ed. Caminho, Novembro 2006, pp 27


O escritor que nos revelou as múltiplas cidades de Luanda, mergulha agora pelos rios da sua memória, desaguando sonhos e pesadelos que nos deixam ora com medo e com frio, ora com saudade. O rio e as suas margens. numa escrita que projecta a história recente de Angola. Não fora o quimbundo, que deixou claro como sou estrangeira da terra onde nasci, e talvez tivesse navegado melhor este livro.


II.
Denny Moers
Directing Passage


Mas agora tenho a certeza de que o contacto se estabeleceu. Ela já não choraminga, nem se balança para diante e para trás sobre os joelhos, rosnando levemente no fundo da sua garganta. Ela observa. E começo a acreditar que despertei algo no seu pensamento, algo que começou a manifestar-se neste quarto. Sinto isso. Está lá. Está lá. Um processo de desprendimento de si própria começou a esboçar-se.
Hoje, quando lhe dava banho, passou a ponta dos dedos, numa espécie de tímida curiosidade, pelas costas da minha mão, sentindo a textura da pele - e depois recuou rapidamente, como se eu a pudesse censurar e punir. O efeito foi estranho e um pouco assustador. Como se tivesse surgido um animal do escuro, tocando-me com a sua língua. Será que ela está a começar finalmente a ter alguma noção do seu próprio corpo?

in David Malouf
Uma Vida Imaginária
Ed. Assírio & Alvim, Agosto 2006, pp 72


Ainda a relação do homem com a Natureza. Desta vez, a atravessar a escrita de um australiano. mesmo se o romance se situa no continente europeu. Malouf imaginou o diário do poeta romano Ovídio nos últimos anos da sua vida. Como nos diz no posfácio, o que queria escrever não era um romance histórico ou uma biografia, mas uma ficção com raízes em possíveis eventos. Ovídio foi desterrado, por deliberação imperial, para o território dos Citas, junto do Mar Negro. Nos limites do império ele aprenderá a viver com bárbaros, mas sobretudo, encontrará a Criança, uma criança-lobo que ele procurará integrar na comunidade humana. Para fundamentar as suas descrições da relação de Ovídio com a Criança, Malouf foi à fonte mais segura: os estudos de J.M.G. Itard sobre Victor, o rapaz selvagem de Aveyron. Todo o romance é uma reflexão sobre a relação e as fronteiras entre "lei" e barbárie, poder político e identidade pessoal, inato e adquirido, ser e natureza, poesia e natureza, o homem e Deus (será a entidade divina o Outro que prevemos em nós?), sobre a função da fala (no isolamento em que se encontra, Ovídio pergunta-se se o exilado será alguém a quem foi "roubada" a língua), etc. etc..

É um livro belíssimo, de grande lirismo, e de leitura fácil. Foi escrito em 1978 e, desde então, é considerado por muitos um verdadeiro livro de culto, um "livro de sabedoria". Leiam Uma Vida Imaginária e perceberão porquê!


III.

De Adolfo Bioy Casares
Diário da Guerra aos Porcos
Ed. Cavalo de Ferro, Setembro 2006

... sobre o qual falarei num próximo post.

1.10.05

Outras Frases em Aveiro



Dança, um país, máscaras tshokwe, muitas vidas. Companhia de Dança Contemporânea de Angola é o nome de um livro de Ana Clara Guerra Marques - com fotografias de Rui Tavares, Outras Frases é um documentário de Jorge António. Ambos centrados no trabalho pedagógico e artístico da autora, a bailarina e coreógrafa angolana Ana Clara Guerra Marques, actual Directora da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, e tendo como pano de fundo a recente história política e social desse país.
O documentário do realizador português Jorge António é uma co-produção luso-angolana, foi galardoado com o prémio para o melhor documentário de TV no Festival Caminhos do Cinema Português, e hoje vamos poder ver uma montagem que o próprio preparou para este lançamento em Aveiro. É isso, os três estão em Aveiro para apresentar o livro e o DVD Outras Frases. Rui Tavares vai ainda expôr algumas das suas fotografias. A mim, sabe-me a festa!

Já sabem onde os poderão encontrar.
Na livraria O Navio de Espelhos, a partir das 21:30.

22.9.05

Luanda



Luanda, em Setembro de 2005

Esta é a crónica da viagem que não fiz a Luanda. Estava prevista para o início deste mês mas tive que deixar a minha amiga Cristina, também nascida em Angola, dar esse salto às origens... sozinha. Ela viajava (também) por razões profissionais. Há um provérbio africano que diz "Caminha sempre à frente de ti mesmo, como o camelo que conduz a caravana" e esse é um dos lemas de vida da minha amiga.
Já de volta escreveu-me este mail que, com o seu consentimento, vou postar para o mundo. Não sei se ela me quis consolar um pouco mas fiquei com a impressão de que, quando lá for, outros mitos (muito pessoais) vão ruir!


Olá Rosarinho

Já estou em casa - cheguei hoje de manhã. As viagens foram óptimas, mas já percebi porque é que se deve ir em executiva. São quase 8 horas dentro do avião e o espaço não é muito.

Conforme te disse, levei máquina fotográfica, mas não digital. Tirei algumas fotografias (poucas) que conto mostrar-te em breve. Luanda não é exactamente a melhor cidade do mundo para fazer turismo - caríssima e completamente limitativa no que se refere à capacidade de locomoção de um estranho. Não há transportes públicos dignos desse nome, não há táxis e não se vêm muitos brancos a andar a pé. Resultado - só consegui andar pela cidade com motoristas e carros emprestados. Consegui ir ao Mussulo e à Barra do Kuanza.

A cidade está bastante degradada - 30 anos sem manutenção e com guerra pelo meio não ajudaram nada. O que existe em termos de infra-estruturas foi feito pelos portugueses para uma cidade que, à época, teria cerca de 400.000 habitantes. Hoje tem mais de 4.000.000 .... A água e a luz faltam todos os dias, pelo menos 1 vez. Só se consegue viver sem grandes sobressaltos se se tiver um gerador eléctrico e um depósito de água com bomba. Claro que as casas alugadas pelos europeus têm estes "extras". O aluguer de uma casa/apartamento com estes requisitos não custa menos de USD 7.000. A somar a isto tens as despesas com segurança da casa, com estacionamento na cidade, com empregada, com lavagens de carros, .... Daí que a maioria dos expatriados optem por viver em hotéis, com diárias (sem alimentação) na casa dos 180 USD. Claro que o sector do turismo é um dos que regista maior desenvolvimento.

Foi uma experiência interessante, mas a não repetir do ponto de vista turístico. Quanto ao aspecto profissional, é uma situação a ponderar com cuidado.

Um beijinho muito grande e até breve.
Cristina

P.S. Na versão oficial tu também foste a Luanda. Se os meus pais sonham que fui sozinha têm um colapso.

27.8.05

Angola

Vou adiar por uns meses a minha viagem até às origens. Até lá, vou conhecendo umas coisas novas que aparecem, como esta.

Bom fim de semana! (e votem nos textos a Concurso)