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23.5.12

Sobre colonialismo e pós-colonialismo #4


Uma pequena introdução ao par conceptual Próspero e Caliban que, há quase um século, é utilizado simbolicamente na literatura.

Este par é inspirado na peça "Une Tempête" (1969) de Aimé Césaire em que, apropriando-se o escritor e ideólogo da negritude, das personagens de Shakespeare na peça homónima "The Tempest" (1670-71), faz Próspero encarnar o colonizador europeu e simboliza em Caliban o povo colonizado e oprimido.

Ao longo do tempo, as personagens de Shakespeare foram sujeitas
a variadas apropriações mas este par (e, por vezes, Ariel) entram na problemática da colonização, assumindo este sentido por volta dos anos 50, em países que estavam sob dominação colonial. Octave Mannoni ("La psychologie de la colonization", 1949, traduzido para o inglês, em 1956, com o título "Prospero and Caliban"), George Lamming ("The pleasures of exile", 1960), Roberto Férnandez Retamar ("Notes torwards a Discussion of Culture in our America", 1971), Augusto Boal ("A Tempestade", 1979), contribuem fortemente para a criação desta relação metafórica Prospero/Caliban. Aimé Césaire, ele próprio um símbolo da resistência anti-colonial, será apenas o escritor que deu maior projeção ao par.

Por cá, desde os tempos em que Portugal hesitava entre ser Prospero ou Caliban (segundo Boaventura de Sousa Santos*), esse par simbólico também esteve presente.
«
Em l971, Eugénio Lisboa advertia que o título da revista Caliban, publicada em Moçambique era “perfidamente simbólico"».

Próspero e Caliban continuam a andar por aí, numa livraria perto de si!
Para minha surpresa e gáudio, a semana passada encontrei "Próspero Morreu - Poema em Acto" (2011), de Ana Luísa Amaral, numa livraria perto de mim...


* Boaventura de Sousa Santos (2002). «Entre Prospero e Caliban: Colonialismo, pós-colonialismo e inter-identidade» in Maria Irene António Sousa Ribeiro Ramalho (org.). Entre ser e estar. Porto: Afrontamento.

Cartas de Angola

Num cinema perto de si!


Duas histórias que se cruzam em Angola: a de Dulce Fernandes, uma portuguesa nascida em vésperas da independência, e a dos milhares de cubanos que combateram na Guerra do Ultramar. Contado na primeira pessoa, um documentário que, tendo como pano de fundo a ilha de Cuba dos dias de hoje, nos leva à descoberta das histórias de alguns dos que viveram em Angola durante os anos 1950/60.
Estreia na realização da fotojornalista Dulce Fernandes, "Cartas de Angola" teve a sua estreia em 2011, no DocLisboa.

22.5.12

Sobre colonialismo e pós-colonialismo #3


Antes de continuar, ainda com Aimé Césaire, deixo a sugestão de uma obra que reune diversos artigos centrados em 3 grandes temas: literatura de viagens, multiculturalismo e pós-colonialismo. O título da obra: "The paths of multiculturalism : travel writings and postcolonialism : precedings for the Mossel Bay Workshop of the XVIth Congress of the International Comparative Literature Association" (Lisbon : Cosmos, 2000). Os autores são especialistas de diferentes países de cada continente. Devo dizer que a leitura foi bastante estimulante, permitindo estabelecer pontes entre diferentes conceitos__ e diferentes escritores....

Deixo como exemplo um fragmento do artigo de Peter Merrington, «A staggered orientalism: the Cape-to-Cairo idea»:

"
For Hegel, Africa had no history. (...) He makes an exception, however, for two sites on the Mediterranean seabord of Africa - Phoenician Carthage, and Egypt. (...)
Numerous authors writing of the Cape in the decades of the «new imperialism», roughly from 1870 to the 1920s, imitated this Hegelian structure, in historical speculation, in travel writing, and in fiction
.» [p. 105]

Bem, há um autor português que cabe inteiramente nesta afirmação. Pensem em Eça de Queirós (
De Port Said a Suez, 1869; A Relíquia ,1887; O Egipto ,1926, póstumo).

 A obra que referi teve como coordenadores Maria Alzira Seixo, Graça Abreu, Linda Labuschagne e John Noyes.

Sobre colonialismo e pós-colonialismo #2

A Negritude transforma-se num movimento literário, afro-franco-caribenho (a partir do início da década de 1930) baseado na concepção de que há um vínculo cultural compartilhado por africanos negros e seus descendentes onde quer que eles estejam no mundo. O termo "negritude" apareceu provavelmente pela primeira vez no poema de Aimé Césaire, «Cahier d'un retour au pays natal» (1939).


Aqui, link para prefácio da edição de 1947 de "Cahier d'un retour au pays natal", escrito por André Bréton.

Sobre colonialismo e pós-colonialismo #1

Depois de tanto degustar, ocorreu-me sugerir algumas leituras. São vários os autores. Começo por FRANTZ FANON (1925-1961), psiquiatra, militante pela independência da Algéria no FLN, nascido na Martinica e autor de uma obra histórica no que diz respeito à resistência anti-colonialista:

  • Pele Negra, Máscaras Brancas (1952)
  • L'An V de la révolution algérienne (1959)
  • Os Condenados da Terra (1961)
  • Pela Revolução Africana (1964)

Tenho nas mãos "Les damnés de la terre" (prefaciado por Jean-Paul Sartre). Fanon centra-se na psicopatologia da colonização [na origem: «le monde colonial est un monde compartimenté (...) est un monde coupé un deux, habité par des espèces différentes.»] e na questão das identidades nacionais [«la culture nationale est, sous la domination coloniale (...) condamné à la clandestinité»]. No início dos anos 60, a literatura de combate, associada ao conceito de negritude seria a única válida para formar consciências.


14.5.12

O Exótico Hotel Marigold


Realizador: John Madden
Escritores: Ol Parker (argumento), Deborah Moggach (romance)

Este filme é bem mais do que uma aposta na fórmula "comédia+elenco de actores consagrados". É verdade que a proposta de uma viagem pela Índia, acompanhada de uma boa dose de humor servida por bons actores, não é de negligenciar. Mas o filme é melhor do que isso. O argumento é inteligente. Centrado nas vivências de um grupo já na terceira idade, pertencente a uma abrangente classe média (da ex-empregada doméstica/governante ao juiz aposentado), retrata as dificuldades financeiras, familiares, as contingências de saúde e de perda comuns nesta idade, sem cair num tom nostálgico ou patético. Tendo em conta o género, poderia avançar na comédia recorrendo a promessas de elixires de longa vida ou outras panaceias. Não o faz. O filme é divertido e sóbrio. Todas as personagens são tratadas com a dignidade que merecem. De resto, se há uma lição, é essa: a de não retirar à terceira idade o sonho e o direito à independência, ao romance, a uma vida sexual activa, à realização pessoal. Já todos temos essa consciência? Não será por insensibilidade ou maldade (mesmo se isso também existe), mas as associações mais ou menos estereotipadas sobre cada fase da vida, afastam as diferentes gerações. Este filme leva-nos ao encontro dos outros pelo que são e não pelos anos que já contam. E o deus dos novos tempos já viu que isso era bom.

Uma última nota para a imagem que a nova (velha) Albion projecta do país que já pertenceu ao Grande Império: pareceu-me que não evoluiu muito desde os anos 80 com David Lean e a sua "Passagem para a Índia", mesmo se não se aborda a resistência à dominação inglesa ou a consciência nacionalista indiana. Os ingleses são ridicularizados quando apresentam comportamentos racistas mas todos são condescendentes. Recusam o “ser colonizador”, certamente, mas são rapidamente admitidos como "consultores" (Evelyn Greensladee/Judy Dench) e, no fim, salvam o sonho do protagonista indiano, gerindo sabiamente o Hotel. A personagem indiana central é Sonny Kapoor (Dev Patel), cujo perfil ambivalente se enquadra facilmente no estereótipo do colonizado. É impulsivo mas também digno, subserviente; é o gestor, aprecia a modernidade, e ao mesmo tempo é místico - é ele quem profere o lema do filme: "everything will be alright in the end; if it's not alright, then it's not the end"; mas, mais que doce e bondoso, que é o que são todas as personagens indianas, ele é infantil. Na literatura e cinema, a infantilização do povo que é/foi colonizado é recorrente. Além de que a motivação do grupo pela Índia é basicamente económica. O interesse é intelectual na medida em que buscam "o exótico". Valha-nos o médico eficiente que opera a anca de Muriel (Maggie Smith)! Em 2011, Prospero não consegue deixar de ser Prospero.

21.4.12

Um original "Tabu "

Miguel Gomes desdobra o filme em dois níveis antagónicos: uma primeira parte de pessoas comuns, uma idosa temperamental, Aurora, a sua empregada cabo-verdiana, e Pilar, uma vizinha dedicada a causas sociais, que partilham o andar num prédio em Lisboa; uma segunda parte, de cinema "fantástico" e grandes emoções: amor, aventura, traição, exotismo, arrependimento, morte. Nesse sentido, Miguel Gomes voltou a fazer um filme em que o assunto também é o próprio cinema.

"Tabu" é todo a preto e branco. Mas na segunda parte, como no cinema mudo, não se ouve a voz das personagens, apesar de as vermos falar. A narrativa é sustentada na voz off, mas escuta-se o som ambiente. Desta forma não há qualquer reconstituição técnica da sétima arte, pois em nenhuma fase intermédia a tecnologia nos deu o som ambiente e de voz off, retirando os diálogos.
Ao contrário do que acontece com "O Artista", o cinema mudo é evocado mas não imitado. E por momentos, a narração (feita por uma das personagens) aproxima-nos do estilo documental. Serve também para manter uma perspetiva exterior. Aquela é uma história real que nos estão a contar, mas a nossa realidade é outra, a nossa realidade é a da primeira parte.

Tal é evidente quando, numa espécie de prólogo, vemos uma curta-metragem, passada na selva africana, a que Pilar está a assistir. Nesse prólogo, temos o "intrépido aventureiro", que poderia ser Serpa Pinto, não fosse a história barroca e romântica em que é envolvido. Vemos o filme inteiro e só depois nos apercebemos de que aquilo é um filme dentro do filme.
Esse preâmbulo promete uma África de aventuras para a segunda parte. É a pequena ficção que preenche a vida de uma personagem carente de ficções, como nós próprios. Evidencia-se a presença africana, colonialista, em Lisboa, através dos mais diversos pormenores, desde a arquitectura a traços do décor. Ou até mesmo a personagem de Santa, a criada negra de Aurora, em que no trato se notam resquícios do colonialismo. Santa carrega o peso do desenraizamento, da iliteracia (está a aprender as primeiras linhas em Daniel Defoe, "Robison Crusoe", o homem-metáfora para a solidão). A própria transição para a segunda parte é feita num espaço de decoração naif, um centro comercial no Cacém em que se reproduz uma selva.

Em Lisboa contam-se os dias, em África contam-se os meses. Essa leitura diferenciada do tempo é dada através dos separadores, marca que acompanha as três longas de Miguel Gomes. Este é também um filme sobre a dicotomia do tempo. O presente saudosista, o passado que queremos viver. Só que no passado da segunda parte há uma inconsciência do próprio tempo. Como se os actos não tivessem consequências, numa leviandade infantil. Se na primeira parte parte Aurora exibe traços de senilidade, em África a insanidade é aceite, como é claro nos anfitriões da festa da piscina (o pai brinca à roleta russa enquanto o filho joga boxe francês com fantasmas).
A segunda parte torna "Tabu", na sua essência, uma grande história de amor. Uma história de amor impossível, mas daquelas que nos envolvem e nos apaixonam. E o aparente distanciamento criado pela narração, pelo ambiente africano que nos é distante ou pelo comportamento ético das próprias personagens (colonialista no sentido mais perverso) não lhe retira emoção.

O trabalho dos actores é fantástico. Carloto Cotta vale mais do que Dujardin e Ana Moreira está absolutamente deslumbrante. E depois há o crocodilo. O crocodilo bebé, brinquedo de carne e osso e dentes afiados, que vai crescendo, como uma fera insubmissa, que foge do espaço. Mas aquele animal, resquício do tempo em que os homens eram macacos e os macacos eram homens, representa a memória. A memória das histórias que ficaram por contar.

"Tabu", de Miguel Gomes, argumento de Miguel Gomes e Mariana Ricardo, com Teresa Madruga, Laura Soveral, Ana Moreira, Henrique Espírito Santo, Carloto Cota, Isabel Cardoso, Ivo Müller e Manuel Mesquita, 118 min.



20.4.12

Tabu

Miguel Gomes, o mesmo realizador de "Aquele Querido Mês de Agosto" (2008), realizou "Tabu" (2012) e venceu o prémio da crítica em Berlim. O que leio no Público é suficiente para nos sentar a todos na sala de cinema. É o que vou fazer logo à noite...

«Um filme "desconcertante", diz a Variety; "encantadoramente excêntrico", na versão da Hollywwod Reporter. Miguel Gomes está perto de se tornar "muito maior", garante o El Mundo. (...) Dividido em duas partes, o filme a preto e branco evoca e invoca ao mesmo tempo a presença portuguesa em África e o cinema clássico, passado entre a Lisboa dos nossos dias e os anos de 1960 no sopé do Monte Tabu. (..) O Hollywood Reporter escreveu que “Tabu” é um exercício “encantadoramente excêntrico” na meta-ficção, explicando que o realizador explora as suas personagens sem seguir qualquer regra narrativa, tornando lugares e experiências comuns “num estranho entretenimento contemporâneo”. “A liberdade de Gomes em trabalhar com peças familiares vai novamente ganhar elogios da crítica para o realizador que foi crítico”, acrescentou. No espanhol El Mundo, o crítico Luis Martínez comparou “Tabu” de Miguel Gomes ao “Tabu” do realizador alemão F. W. Murnau (1888-1931), por “ser um desses filmes” que leva “irremediavelmente” à melancolia. Para o crítico espanhol, Miguel Gomes, realizador de “Aquele Querido Mês de Agosto” ficou mais perto de se tornar “muito maior” do que aquilo que era antes da exibição do filme em Berlim. O filme tem já estreia assegurada em vários países – nos co-produtores (Portugal, Alemanha, Brasil e França), e no Canadá, Grécia, Suíça, Áustria, Sérvia, Bósnia, Montenegro, Austrália, Estados Unidos da Améria, Reino Unido, México e Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).»


"Tabu" de Miguel Gomes estreou nas salas de cinema - Cultura - Notícias - RTP