1.11.12

Tristano morre

Tristano morre.
Tabucchi morre.

O seu último romance.


“[…] Disparates, as pessoas não morrem, assiste-me o dever de informar, ficam encantadas, apenas… como disse um escritor que havias de conhecer, ficamos encantados por aqueles que nos amam muito muito muito, e pairamos no ar a meia altura como uns balõezinhos mas ninguém nos vê, vêem-nos apenas aqueles que nos amam muito muito muito, e eles, erguendo-se em bicos dos pés, com um ligeiro impulso, um pulo de nada, agarram-nos pelas pernas que entretanto já são feitas de ar e puxam-nos para baixo, não nos largam, para que não recomecemos a voar, a levitar, mas dando-nos o braço seguram-nos mais rente ao chão, tão rente ao chão quanto eles próprios, como se não tivesse acontecido nada, tal como em certos faz-de-conta da vida, por conveniência social, para não se fazer má figura à frente do dono da retrosaria, ou da tabacaria, que te conhece desde sempre e diria coisa estranha este tipo a passear de braço dado com a mulher e ela a meia altura… E foi o que sucedeu a Tristano, era domingo, e mesmo que não fosse tanto faz porque eu decidi que as coisas importantes de Tristano aconteciam aos domingos, e se tu o escreveres no livro que hás-de escrever passa a ser verdade, porque depois de escritas as coisas tornam-se verdade… e estava-se em Agosto, porque eu decidi que as coisas importantes da vida de Tristano aconteceram num domingo de Agosto, e se tu o escreveres também isto passa a ser verdade, verás… […]”.

Vida Sempre




Vida Sempre

Entre a vida e a morte há apenas
o simples fenómeno
de uma subtil transformação. A morte 
não é morte da vida.
A morte não é inação, inutilidade.
A morte é apenas a face obscura,
mínima, em gestação
de uma viagem que não cessa de ser. Aventura
prolongada
desde o porão do tempo. Projectando-se
nas naves inconcebíveis do futuro.

A morte não é morte da vida: apenas
novas formas de vida. Nova
utilidade. Outro papel a desempenhar
no palco velocíssimo do mundo. Novo ser-se (comércio
do pó) e não se pertencer.
Nova claridade, respiração, naufrágio
na maquina incomparável do universo.

Casimiro de Brito, in "Poemas da Solidão Imperfeita", Faro, Edição do Autor, 1957



 [Imagem: Cruzeiro Seixas. "O que vos digo é que antes de voar, o homem já sabia voar". 1985. Tinta-da-China, Lápis s/ Papel. 23x37 cm]