Rona Boyarski
Glance over Jaffa, 2005
Glance over Jaffa, 2005
Na escala de valores dos meus pais, quanto mais ocidental, mais cultural: Tolstoi e Dostoievsky estavam muito próximos da sua alma russa, mas penso que consideravam a Alemanha - apesar de Hitler - mais cultural do que a Rússia e a Polónia, a França mais do que a Alemanha, e a Inglaterra mais do que a França. Quanto à América, não estavam assim tão certos: um sítio onde se massacravam os índios, atacavam carruagens, procurava ouro e caçavam raparigas.
Para eles a Europa era a terra prometida e proibida, o lugar nostálgico dos campanários e das velhas praças empedradas, dos eléctricos, das pontes e das torres das catedrais, das aldeias isoladas, das fontes termais, das florestas e dos prados cobertos de neve.
[...]
Anos mais tarde, constatei que a Jerusalém do mandato britânico, nos anos vinte, trinta e quarenta, era uma cidade extraordinariamente civilizada, com grandes comerciantes, músicos, intelectuais e escritores: Martin Buber, Gershom Scholem, Agnon, e muitos outros sábios e artistas notáveis.
[...]
A Jerusalém que os meus pais cobiçavam situava-se longe do nosso bairro: em Rehavia, imersa em verdura e sons de piano, nos três ou quatro cafés com lustres dourados da rua de Jaffa ou Ben Yehuda, nos salões YMCA e no Hotel King David, onde judeus e árabes amantes da cultura se cruzavam com britânicos cultos e afáveis, onde damas sonhadoras de pescoços compridos e vestidos de baile esvoaçavam nos braços de homens de fato escuro, onde ingleses de espírito aberto encontravam judeus cultos e árabes educados, onde se realizavam recitais, bailes, serões de leitura, chás-dançantes e debates artísticos elegantes. É possível que essa Jerusalém dos lustres e dos chás-dançantes só existisse nos sonhos dos habitantes de Kerem Avraham, bibliotecários, professores, empregados e encadernadores. Seja como for, não existia no nosso bairro. O nosso bairro, Kerem Avraham, pertencia a Checov.
[...]
No nosso bairro o mundo era geralmente chamado «o grande mundo» [...] Lá, no mundo, os muros estavam cobertos de palavras de ódio, «Judeu, vai para a Palestina», e agora que aqui estamos o mundinteiro grita «Judeu, sai da Palestina».
pp. 6, 7, 8, 9
in Amos Oz, Uma História de Amor e TrevasEd. ASA, Março de 2007
Para eles a Europa era a terra prometida e proibida, o lugar nostálgico dos campanários e das velhas praças empedradas, dos eléctricos, das pontes e das torres das catedrais, das aldeias isoladas, das fontes termais, das florestas e dos prados cobertos de neve.
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Anos mais tarde, constatei que a Jerusalém do mandato britânico, nos anos vinte, trinta e quarenta, era uma cidade extraordinariamente civilizada, com grandes comerciantes, músicos, intelectuais e escritores: Martin Buber, Gershom Scholem, Agnon, e muitos outros sábios e artistas notáveis.
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A Jerusalém que os meus pais cobiçavam situava-se longe do nosso bairro: em Rehavia, imersa em verdura e sons de piano, nos três ou quatro cafés com lustres dourados da rua de Jaffa ou Ben Yehuda, nos salões YMCA e no Hotel King David, onde judeus e árabes amantes da cultura se cruzavam com britânicos cultos e afáveis, onde damas sonhadoras de pescoços compridos e vestidos de baile esvoaçavam nos braços de homens de fato escuro, onde ingleses de espírito aberto encontravam judeus cultos e árabes educados, onde se realizavam recitais, bailes, serões de leitura, chás-dançantes e debates artísticos elegantes. É possível que essa Jerusalém dos lustres e dos chás-dançantes só existisse nos sonhos dos habitantes de Kerem Avraham, bibliotecários, professores, empregados e encadernadores. Seja como for, não existia no nosso bairro. O nosso bairro, Kerem Avraham, pertencia a Checov.
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No nosso bairro o mundo era geralmente chamado «o grande mundo» [...] Lá, no mundo, os muros estavam cobertos de palavras de ódio, «Judeu, vai para a Palestina», e agora que aqui estamos o mundinteiro grita «Judeu, sai da Palestina».
pp. 6, 7, 8, 9
in Amos Oz, Uma História de Amor e TrevasEd. ASA, Março de 2007
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