2.10.06

A Terra

tributo ao outono que, no meu corpo calendário pessoal, só começa em Outubro.


A terra verde entregou-se
a todo o amarelo, ao ouro, às colheitas,
aos torrões, às folhas, ao grão,
mas quando o outono se ergue
com seu largo estandarte
é a ti que eu vejo,
é a tua cabeleira que reparte
para mim as espigas.

Vejo os monumentos
de antiga pedra partida,
porém se toco
a cicatriz da pedra,
teu corpo responde-me,
de imediato os meus dedos
reconhecem
, trémulos,
tua quente doçura.

Passo entre os heróis
recém-condecorados
pela terra e pela pólvora
e atrás deles, muda,
com teus passos miúdos,
tu estás ou não estás?
Ontem, quando arrancaram
pela raiz, para a observar,
a velha árvore anã,
vi-te sair olhando-me
das torturadas
e sedentas raízes.


E, quando o sono vem
estender-me e levar-me
ao meu próprio silêncio,
há um grande vento branco
que derruba meu sono
e caem dele as folhas,
caem sobre mim
como punhais,
ferindo-me.

E cada ferida tem
a forma de tua boca.

Pablo Neruda
in Versos do Capitão,
ed. Campo das letras, trad. Albano Martins

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