13.10.06

Smoking no smoking



Ando a mentalizar-me para deixar de fumar. Depois de 23 anos a inalar alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, pode parecer que já não é sem tempo, mas, na verdade, é apenas o tempo que o meu organismo aguentou. Comecei há poucos meses a ter uma tosse que não passa. Os médicos encostaram-me à parede com o meu raio x e ameaçaram: não há xaropes, pastilhas ou injecções que curem isto, a única solução é deixar de fumar. Não tenho nenhuma doença aguda nem insuficiência respiratória. Por agora, apenas por agora, dizem-me. Conclusão: tenho mesmo que deixar de fumar. Nada que eu não saiba há muito tempo...

Por que raio é tão difícil deixar de fumar? Fumar é um vício, pois. Recentemente, descobriram (para meu alívio) que existe um gene que diferencia a apetência de cada um para a dependência à nicotina. É por isso que certas pessoas que fumam, deixam de fumar quando lhes apetece, e que outras, com bronquite asmática crónica, estão no leito do hospital a suplicar por um cigarro (eu disse que era um alívio porque o argumento da força de carácter e determinação perde força face ao factor biológico e isso dá imenso jeito a quem não gosta de dar cabo da sua auto-imagem).

Durante a adolescência nunca me senti atraída pelo tabaco e o meu namorado, fumador, até ouviu alguns sermões. Lembro-me perfeitamente de fazermos jogging e eu correr mais do que ele. Isto é importante: antes de começar a fumar, antes de todas as campanhas anti-tabagistas, antes do Lucky Luke passar a ter uma palhinha na boca, eu já tinha consciência dos malefícios do tabaco. No entanto, por volta dos 17 anos, comecei a fumar para ser fixe. Acho que gostava da(s) pose(s) do fumador. E depois, enfim, já estava farta de não saber travar, era humilhante. Uma tarde, meti-me no sotão da minha casa com um maço de SG Suave e fiz uns ensaios. Sempre às escondidas, fui repetindo o exercício tardes sem conta. Um dia a minha mãe descobriu e decidiu ser moderna (ela que era hiper conservadora). Deu-me permissão para fumar em casa... sem saber que eu nunca fumava na rua.

Obtida a licença, passei a fumar em cafés. Quando entrei na universidade, em Lisboa, o pessoal deve ter ficado convencido de que eu fumava há anos. A única vantagem de fumar tabaco e de, rapidamente, passar de 3 cigarros para um maço por dia, foi poder perceber que o meu organismo se tornava addict com muita facilidade. Outro tipo de drogas (leves) foram experimentadas com precaução (e fujo de medicamentos como o diabo da cruz). O gene só agora foi descoberto mas eu já pressentia esse potencial congénito para a dependência química.

É claro que o meu querido e amaldiçoado gene pode nem existir. Se calhar, sou uma fumadora compulsiva apenas por (inúmeras) razões de natureza psicológica. Que prazer obtenho com o tabaco? ____ Acendi um cigarro. Gosto de o levar à boca e de aspirar o fumo. Gosto da familiaridade do gesto. Gosto da pausa.
Em momentos de mais stress ou trabalho, afastar-me para fumar um cigarro, dá-me uma certa tranquilidade. Sou eu sozinha comigo, no meu mundo (acompanhada daquele gesto).
Mas a maior parte das vezes fumo sem buscar nada, nem refúgio nem projecção (a afirmação social por via deste recurso perdeu efeito). Não sinto prazer (talvez haja alívio por responder à pulsão). Fumo porque é um hábito.

Dei-me conta há pouco tempo de que fumar é tão antigo em mim que parece que abandono a minha identidade se eliminar este comportamento. E no entanto, racionalmente, romper esta ligação salva-me. Fumar anda a debilitar-me.

Mentalizar-me. Hoje, este blog está a servir para isso. Passei por esta casa e invejei a(s) ex fumadora(s).

Sou uma fumadora (quase) republicana. Acho que todas as medidas de prevenção e de proibição do consumo de tabaco (em espaços públicos) são válidas. Concordo que os menores não possam comprar cigarros, vou ser intransigente com as minhas filhas, quero que no meu país as leis sejam mais rigorosas, que não seja permitido fumar em nenhum espaço público fechado. Só não aprecio o modelo americano pela simplificação dos tipos sociais subjacente às leis de restrição do consumo de tabaco: nos EUA, agora, existem fumadores e não fumadores, que integram, respectivamente, o império do mal e as forças do bem.

Todos os radicais são hipócritas, eu também. Eu fumo em espaços públicos fechados, se puder. É por isso que suplico que me impeçam de o fazer.

Em todas as situações de impedimento, eu controlo a pulsão. Eu e muitos outros. Os italianos, latinos como nós, não podem fumar em restaurantes, e não fumam. Estive em Roma pouco tempo depois da nova lei passar a ser aplicada e não assisti a nenhum incumprimento. Nos EUA tive oportunidade de frequentar bares onde se ouvia música, à noite, bom jazz, e ninguém parecia (mais) infeliz por não poder fumar. nem eu. na verdade, gostei muito mais daqueles espaços, alguns em caves, sem fumo.
A primeira vez que fiz um voo não fumador foi em 1994, a viagem demorou quatro horas e achei insuportável. Na vez seguinte, já mentalizada de que a regra era essa, viajei durante oito horas e quase esqueci os cigarros.

Fumar faz mal. Devemos agradecer todas as medidas que limitem o consumo de tabaco.

(que me desculpem os fumadores passivos, não penso muito neles, sei que as últimas estatísticas sobre as causas de morte são alarmantes e que reforçam os seus direitos, mas sempre me pareceu um enorme exagero o que para aí se diz, e, excepção feita às crianças, actualmente, um não fumador pode sempre reclamar numa situação em que o fumo o incomode, além de que é muito mais fácil mudar de café do que controlar um vício horroroso. sim, ainda sou egoísta, ainda fumo)

Ando a contar os cigarros que fumo. Hoje, só fumei nove. Quero acordar amanhã com a sensação de que não me apetece fumar. Às vezes isso acontece e delicio-me até não resistir e pegar num cigarro. O mais certo é isso voltar a acontecer. Mas espero brevemente dar a volta ao gene-vontade. Viver nestes tempos difíceis para fumadores há-de ajudar. Mesmo se esta imagem da BB me seja tão querida...

5 comentários:

folhasdemim disse...

Há 3 anos atrás decidi deixar de fumar. A razão: uma noite fumei tantos (uns atrás dos outros) que fiquei com uma tosse que nunca tinha tido. Assustei-me e pensei "não preciso disto p'ra nada!" Reduzi durante 3 meses e um belo dia disse: não vou fumar mais!
Não foi fácil, confesso. Mais complicado ainda nas saídas à noite ou em jantares de amigos. Mas nunca mais pedi um cigarro, nem nunca disse a ninguém que me apetecia.
Não tomei nada para deixar de fumar, não fui a médico nenhum. Sempre acreditei que é tudo uma questão de força de vontade.
Só ao fim de ano 1 meio é que fui considerada "não fumadora" de pulmões limpinhos.
Hoje estou grávida de 4 meses.
E feliz de ter tomado essa decisão.
Boa sorte!
Beijinhos,
Betty

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Betty, quando estive grávida consegui deixar de fumar. Só no último mês me custou muito não o fazer, pq fiquei quase "imobilizada" e a ansiedade geral era muita.

Recomecei a fumar depois, estava cheia de vontade, e convenci-me de que passaria a fumar muito menos. Engano.

Ainda bem que te livraste desta a tempo.
Muitas felicidades para ti e para o teu bébé e que vivas este tempo de gravidez da forma mais tranquila possível.

Beijos

Anónimo disse...

Também deixei de fumar, vai para seis ou sete meses. Depois de trinta anos a fumar que nem um danado, pensava que me seria quase impossível deixar. Afinal foi tão estupidamente fácil que não sei se os meus pulmões me vão perdoar ter decidido tão tarde. É possível que o tal gene me ataque também, só que, entre lixar-se o gene e lixar-me eu, o gene que se lixe.
Força. O dinheiro do tabaquinho, guardado numa caixinha, dá uma belas férias ao fim de um tempo.

Anónimo disse...

Que obsessão contemporânea esta, a de deixar de fumar... Sou completamente contracorrente desta nova tendência em que fumar passou de um mal menor a um mal maior.
Criei um blog só dedicado a este tema. Se o quiserem explorar visitem http://sarafumadorasexy.blogspot.com/ tudo começa com a frase: "sinto-me sexy quando fumo".
Que desgraça um restaurante em Roma ou um bar de Jazz sem poder desfrutar de um cigarro... Também estive em Itália recentemente e não vi ninguém triste por não poder fumar em restaurantes mas vi gente resignada como eu à porta do restaurante na rua a apanhar frio para poder fumar... não é isto triste?
É proibido fazer isto, é proibido fazer aquilo... o neo-marxismo está aí. Pensam que não vamos pagar um preço por este idealismo de criar uma sociedade limpa e perfeita?

Sara

Anónimo disse...

Obrigado pelos teus "comments" no meu novo blog. São os primeiros! Em resposta penso que Churchill não fumava por uma questão de imagem de marca embora esse atributo lhe seja associado. Apenas quis demonstrar a minha indignação pelo facto de nalguns casos o critério de avaliação de competências profissionais ser regido por se ser fumador ou não e nisso, estou plenamente de acordo contigo.
Na minha concepção de vida, fumar é um prazer que faz parte da nossa cultura e é transversal a muitas das nossas mais valiosas vivências como um belo jantar num restaurante, a música que ouvimos num bar ou numa discoteca, uma boa conversa com os amigos e até, a sensualidade de um momento íntimo a dois... está presente no cinema, na literatura, na poesia, na boémia... por isso, pese embora os seus riscos, não subscrevo as campanhas anti-tabaco para além daquilo que a lei já contempla, chegam, na minha opinião, a ser abusivas. Não me preocupo com o incentivo ao tabaco que os meus textos e imagens possam provocar. Escolhi o formato de blog por isso mesmo, tem o espaço para comentários, ou seja, para a livre contestação que não terá censuras da minha parte, por isso é o espaço ideal para eu exprimir plenamente a minha "contracorrente" face ao ideal anti-tabaco.
Sinto-me sexy quando fumo e por outros motivos mais. Obrigado pelo teu cuidado. Mas tens que reconhecer que a foto da BB a fumar no teu post não está nada mal. Um belo incentivo ao consumo...

Abraço
Sara

(nos dias de hoje, uma mulher aos quarenta pode ainda ter muita vitalidade e sobretudo uma experiência (incluo sexual) que eu muitas vezes invejo e que compensa plenamente o seu estado mais moderado)