Marcel Duchamp, Roda de Bicicleta
Não se choquem, mas às vezes penso que sou rica. Não que esta ideia me assalte com frequência. Acontece que às vezes, vou ali ou ali ou ainda acolá, sem sair de casa. Posso escolher a agência de viagens e o destino. As agências ficam no escritório, no quarto, no corredor e ainda no sótão. O destino é o que me parecer mais atraente. Desde o início do ano já fiz três grandes viagens. Ao Afeganistão, aos Açores e a Itália e França (estes últimos, cheguei a percorrê-los no mesmo dia) .
Começa com uma enorme leveza, "o que é que me apetece ler hoje?" E sinto o privilégio. Estendo o olhar, que às vezes tem de atravessar objectos, souvenirs, imagens e fotografias antes de a mão alcançar o bilhete de avião. Porquê este hábito de encher as estantes de livros e de pedaços de outras coisas? Umas estatuetas africanas, um velho mapa de angola, umas caixas de madeira, umas miniaturas de uns sapatos de Marie-Antoinette, fotografias dos que adoramos e nossas, sempre mais jovens e felizes, e outros testemunhos de vivências e amigos que queremos lembrar. Não se dê o caso de a memória nos falhar ou falsear.
Mas podemos deter-nos no obstáculo, e sorrir. E depois fugimos com o tesouro.
Os últimos já aguardavam há algum tempo que eu lhes pegasse. As Andorinhas de Cabul de Yasmina Khadra, O Mar Por Cima de Possidónio Cachapa e Le Dormeur Éveillé de J.-B. Pontalis.
Viajar assim, tendo como único critério a descoberta. Sou rica.
Para a viajem, costumo levar um banco, às vezes a cama, e a roda da minha imaginação. Sem ela era como se, chegada ao destino, não falasse com os nativos. E eu não gosto desses turistas.
Hei-de mandar-vos uns postais.
2 comentários:
a viajarmos assim, já nos devemos ter encontrado algures mais do que uma vez :) apesar de muitas vezes encontrar neste teu sítio a referência a muitos lugares a visitar, o próprio lugar em si, as tuas próprias palavras, a tua pessoa, fazem-me vir aqui mais vezes. beijinhos. e até à próxima paragem. J.
era eu no último comment. sorry. Jorge
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