Paulo Castro
Eu tinha prometido mandar um postal da minha viagem aos Açores pela mão de Possidónio Cachapa. Só chegou hoje. Agora vai andar por aí e pode ser que, daqui a algum tempo, quando não tiverem planos, se lembrem de olhar para ele, e comprem o bilhete.
Antes de mais, esclareço que de possidónio provinciano ingénuo pretensioso vulgar, ele nada tem, e tão pouco se acachapa. É tão brutal o que acontece na terra que o mar por cima nos parece natural. Mas os personagens, os amigos Ruivo Rucas Rucãoforte e David, a mulher do primeiro, as mães dos dois, e até o Xuinga, não sabem deixar de ser inocentes, de temer, de não expressar, de sentir que é tudo grande demais para quem só quer ir vivendo com consolo. Foi isso que eu vi, movimentos desconcertados que se cruzam na busca de afectos que ninguém quer ou pode ver.
O homem do prazer inculto, fala-nos também de prazeres ocultos e outros mistérios. Cada um tem o seu. De resto o livro é dedicado a todos nós, aos que amam em silêncio.
"Balançando inquieta, a embarcação estava, agora, ao lado da corrente. David aproximou-a mais um pouco da rocha. Ele e o mar. Ele e o mar. Ele e a dor.
- Rucas, meu Rucãoforte - disse. E começou a chorar, mais por si que pelo que não tinha vivido. Sentiu-se ridículo por estar assim, exposto, à vista dos elementos que balançavam e do dia que continuava a correr.
No fundo do barco, os calhaus porosos brilharam mais. David baixou-se e, um por um, meteu-os no bolso."
(Cachapa, Possidónio, O mar por cima, Oficina do Livro, 2000, pp 179-180)
1 comentário:
Adorei e a foto então... excelente!!!
O Turista - http://turistar.blogspot.com/
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