16.2.05

Do Rio de Janeiro


Henk Braam

A Simone é uma amiga brasileira, ilustradora, que viveu em Portugal durante vários anos. Agora vive no Rio e, com regularidade, ela envia notícias do seu Brasil. Vai-me informando sobre o sentimento da população face ao governo de Lula da Silva, sobre os últimos casos mediáticos ou onde fica o último paraíso à face da terra. Muitas vezes, também, chegam-lhe ecos das terras lusitanas e ela escreve a pedir mais informações (foi assim com a saída de Durão Barroso do governo, com a decisão do PR de nomear novas eleições, etc.). Uma das pessoas que me enviou aquele filme do Bruno Bozzetto, acompanhado de um comentário de auto-crítica em relação ao seu país, também foi ela. Hoje, em resposta ao post que coloquei aqui ("Auto-imagem") disse-me:
"Realmente é incrível como somos críticos. Mas a propósito dos discursos políticos, actualmente circula uma campanha do governo federal que procura resgatar a auto-estima dos brasileiros. São filmes onde se mostra a trajectória de personagens reais, brasileiros marcados pela vida dura com que foram obrigados a viver. São casos bem sucedidos, é claro. Um dos filmes mostra um menino orfão que fugia sempre dos orfanatos e que, numa das suas escapadelas, conhece uma mulher que o adopta. Apesar da vida marcada por tantas agruras, ele dá a volta por cima e hoje está formado em pedagogia e é especialista em literatura infantil e um excelente “contador de histórias”. Visita escolas, orfanatos, encenando a arte de se contar uma boa história infantil. Não bastasse tudo isso, tem vários filhos adoptivos. O filme acaba com o slogan “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Dessa forma o governo deixa para nós a responsabilidade e lava as mãos. Sei que a mensagem é “vamos pessoal, não se abatam, você pode tudo!”, mas deixar que o sucesso de um país seja batalhado por pessoas sofridas, sem lhes dar boas condições, e exigir que ainda por cima tenham a auto-estima em alta com a geladeira vazia (isso quando se tem geladeira), é um pouquinho demais. Simone Villas-Boas"
No Notícias de Aveiro, já está on-line a Entrevista com Sara Carvalho e Elisa Valério, fundadoras da Escola Pequenas Artes. Viajem até lá.

Entre a realidade e o sonho


Angela Berlinde

Devido à próxima entrevista - às fundadoras da escola de artes para crianças Pequenas Artes, andei nos últimos tempos a pesquisar sobre o que de melhor existe neste domínio.
Fui recolhendo ideias, grande parte oriundas do Brasil (onde proliferam sites). O que se segue é um conjunto de características delineadoras de um espaço ideal para o desenvolvimento do potencial criativo das crianças no período pré-escolar. O que começou logo por me surpreender foi a não separação da arte e da ciência. No meu modelo, confesso que colocava a ciência noutro campo. Mas de facto, a matemática e a música têm na sua génese o mesmo tipo de raciocínio. E a aprendizagem da linguagem musical favorece a aprendizagem de línguas estrangeiras. E a criatividade artística supõe a mesma colocação de hipóteses, inerente ao pensamento científico. E a experimentação gera contacto com materiais e aproximação à natureza. E todas as valências são importantes para o conhecimento e para o aumento da auto-estima da criança que, assim, ficará mais enriquecida e mais liberta para exercícios de criatividade.
Algumas destas escolas têm um tipo de organização que as aproxima das creches normais ou dos ATL's, mas o seu pendor é mais de especialização no ensino de artes. De qualquer forma, a sensibilização para a arte (e ciência) faz parte das competências destes organismos, pelo que estes modelos podem aplicar-se a todos os espaços cujo objectivo seja o desenvolvimento global da criança.
Cada sala é desenhada para um grupo de idade específico. O material usado e as actividades escolhidas para cada sala é apropriado à faixa etária. Esta é a base.
Existe um centro de escrita com papel, lápis, canetas, carimbos para actividades de pré-escrita. Existe um centro de matemática com material para contar, medir, pesar, combinar, classificar. Um laboratório de Ciências, onde as crianças farão experiências em química, física e biologia. Uma área para brincadeiras dramáticas, de faz de conta. Histórias são contadas e encenadas pelas crianças. Introdução a uma língua estrangeira. Um espaço de Música e Movimento, com instrumentos diversos e aparelhos de som. Brincar com as mãos, dançar, sozinha ou com outras crianças. Canções, que também desenvolvem a memória e o sentido de pertença. Aprendizagem de um instrumento musical, que também desenvolve a coordenação motora e a capacidade de concentração. Sala de computadores. Uma área aconchegante com sofás e travesseiros para leitura de livros, blocos, jogos, etc..
Na sua sala a criança escolhe um dos diversos centros de actividades. A criança tem liberdade para fazer essa escolha.
Um diário é mantido na sala, para as crianças ditarem o que acham importante dizer, fazer ou lembrar.
Cada criança tem o seu portfólio (que permite aos pais acompanharem as realizações e a evolução da criança). Os pais devem levar para casa as "obras de arte" e expô-las.
Existe um período em que as crianças de todas as idades se encontram e convivem.
Deve haver um tempo para compartilhar, ouvir, fazer perguntas, fazer barulho, rir.
As actividades de arte são mais projecto-orientadas para as crianças de 4 e 5 anos enquanto que os mais pequenos, a partir dos 18 meses, são mais orientados para a pura experimentação.
Para os educadores, estas ideias não são novas. E falta referir aqui muitos aspectos relativos à dinâmica dos grupos. Mas se tivessem que assinalar com uma cruz as características presentes no vosso espaço de trabalho, o que é que ficava de fora?
[Este post é dedicado aos 17 golfinhos da prof. Saltapocinhas]

15.2.05

Au fond d'une poche oubliée


Carla Bruni

Para além de belíssima, quando ela canta, fazendo os loucos compreender (como um invernoso eu) que todos os afazeres da mente não se comparam a uma violeta (como diz o meu E.E. Cummings), é impossível ficar indiferente. Ouvia-a enquanto trabalhava e apeteceu-me parar.


Tout le monde est une drôle de personne,
Et tout le monde a l'âme emmêllée,
Tout le monde a l'enfance qui ronronne,
Au fond d'une poche oubliée.Tout le mond a des restes de rêves,
Et de coins de vie dévastés,
Tout le monde a cherché quelque chose un jour,
Mais tout le mond ne l'a pas trouvé.
Il faudrait que tout le monde réclame,
Auprés des autorités,
Une loi contre toute solitude,
Que personne ne soit oublié.
Tout le monde a une seule vie qui passe,
Mais tout le monde ne s'en souvient pas,
J'en vois qui la plient même qui la cassent,
Et j'en vois qui ne la voient même pas...



Para a ouvir e conhecer todas as letras/música que compôs para o álbum quelqu'un m'a dit, clique aqui (preencham aqueles campos e é imediato).

Apostas perigosas

Se estão convencidos de que somos tolos por futebol, saibam que tanto não! Bem, que eu saiba!

Auto-imagem

A fraca auto-imagem dos portugueses e a sua falta de auto-confiança já gerou vários discursos de ministros e chefes de Estado, que apelam a uma mudança. "Temos de acreditar que somos capazes". Ficamos com a impressão de que, se essa opinião ou atitude colectiva desaparecesse, tudo funcionaria melhor e o país cresceria. Ou seja, não haveria burocracia, desorganização dos serviços, falta de produtividade, baixo nível das exportações, fraca notoriedade internacional dos nossos escritores e do cinema português, ausência de marcas de qualidade portuguesas, incompetência na gestão, corrupção nas lideranças, baixa literacia, fanáticos de futebol e beatas, etc.. E eu até concordava um bocadinho com isto tudo.
Até que comecei a receber, por email, um filme animado realizado por um italiano chamado Bruno Bozzetto. Com ironia e muito humor, ele compara os comportamentos dos italianos com o dos outros "europeus" da UE, em diferentes contextos "standard". A Itália é retratada como se estivesse a milhas da "civilização europeia". É um jogo de imagens, até porque a Europa não tem uma identidade definida, é antes um cruzamento de identidades.
O que me deixou mais interessada no filme é que, independentemente da proveniência, havia sempre uma mensagem ou comentário do emissor que queria dizer: "se substituíres a bandeira da Itália pela de _______ , tens o retrato do meu país". Parece então que portugueses, franceses, chineses (de Macau) e brasileiros - esta é a minha amostra -, se projectam todos naquele desvio à "civilização".
Enfim, está visto que não é a fraca auto-imagem que impede a criação de um dos melhores designs do mundo (italianos), nem a organização dos serviços públicos (França), nem a projecção da sua cultura (Brasil), nem a recuperação económica (China).
Vamos ter que descobrir outra variável mais explicativa do nosso atraso. Até lá, fiquem com o filme. Demora algum tempo a carregar, pelo que aproveitem para fazer qualquer outra coisa entretanto (palavra de ordem: produtividade) (não desistam nem discutam com a máquina) (ela vai ser capaz!)

14.2.05

O Dia do Escrutinador IV


Dave April

Deixemos de parte as sondagens por um momento e recordemos os resultados eleitorais das últimas 7 eleições legislativas.
A primeira conclusão a que chegamos talvez vos pareça óbvia, mas dada a insatisfação e desmotivação generalizada que se sente no país, acho que merece realce: desde 1987, PS e PSD juntos, totalizam sempre mais de 70% das intenções de votos. Em 2002 os dois partidos reuniram mesmo 78% dos votos. Foi assim que, aos poucos, chegamos a este "modelo":
  • O PS em 1983, com Mário Soares, consegue 36.35% das intenções de voto; o PSD chega aos 27.04%. A coligação APU/CDU/PCP-PEV ainda está próxima dos 20% (18.20%). Forma-se o Bloco Central que vai durar até 1985.
  • Em 1985 há uma "perturbação" com a entrada do PRD (lembram-se da iniciativa de Ramalho Eanes?). O PRD, que chega aos 18.04%, retira votos a todos os partidos, com excepção do PSD. O PS baixa para 20.82%, o PSD sobe ligeiramente para os 29.79%. É o início da era Cavaco Silva.
  • Em 1987 e 1991, o PSD de Cavaco Silva consegue as maiorias absolutas (primeiro com 50.15% e depois com 50.43%). Em 87, o PSD vai buscar esses votos ao PRD (que desce vertiginosamente para 4.93%) e ao CDS (é um ano negro, ficam-se pelos 4.34%); o PS quase não se altera (22.30%). Em 1991, o PS sobe para 29.25% à custa do voto útil (?) dos comunistas (a CDU nunca mais vai recuperar os eleitores). Pela primeira vez, a abstenção ultrapassa os 30%.
  • Em 1995, temos o confronto entre o PSD de Fernando Nogueira e o PS de António Guterres. Este último sai vencedor com 43.85% das intenções de voto; o PSD baixa para 34.%. E em 1999, em matéria de resultados eleitorais globais, quase não há alteração: 44% versus 32.32%.
  • Finalmente, em 2002, há um inversão nesta balança. Durão Barroso obtém 40.21% dos votos; o PS de Ferro Rodrigues, 37.79%.
Segunda conclusão: nos últimos actos eleitorais (e vai manter-se) a vitória eleitoral depende fundamentalmente da alternância de voto que se faz entre o eleitorado flutuante do PSD e do PS. Pelo que, para efeito de estudo, uma boa pergunta a fazer é se os eleitores votam sempre (ou não) no mesmo partido. Tendo uma ideia da percentagem de eleitorado fixo em cada partido, saberíamos quantos dos 40.21% que votaram PSD ou dos 37.79% que votaram PS estão seguros e, ao mesmo tempo, quantos correm o risco de flutuar (é claro, sempre com uma margem de erro). Seria mais uma variável a considerar nas previsões eleitorais (os partidos políticos têm certamente esses dados; nos media não me recordo de ver esses números em discussão).
Terceira conclusão: as eleições de 1987 foram as últimas em que um terceiro partido chegou aos 2 digitos - CDU/APU, com 12.18%.
  • A partir daí a CDU veio sempre a descer instalando-se na casa dos 8.84% e 8.61% em 91 e 95, subindo muito ligeiramente para 9.02% em 99, para logo voltar a baixar bastante: 6.94% em 2002.
  • O CDS começa a descer em 1985 (de 12.38% passa para 9.74%), cai acentuadamente em 87 (4.34%) e 91 (4.38%), recupera em 1995 (9.09%), estabiliza em 1999 e 2002 com 8.38% e 8.72%, respectivamente.
  • O BE chegou aos 2.74% em 2002.
  • Os dados que consultei agregam os votos de todos os outros pequenos partidos com os votos em branco (vá lá, distinguem estes últimos dos votos nulos). De 1983 a 2002, a média deste "bloco" é de 4.35%, mas em 2002 registou-se o mais baixo score de sempre: 2.63% dos votos. José Saramago ainda não tinha lançado o Ensaio sobre a Lucidez!?
Quarta conclusão: a abstenção não cessa de aumentar. Passamos de 21.36% em 1983 para 38.52% em 2002. Foi em 1999 que chegamos à fasquia dos 38%.
É provável que a abstenção venha a aumentar ainda mais nestas eleições de 20 de Fevereiro. Voltemos agora às sondagens. Parece certo que vamos continuar seguindo a via dos dois grandes partidos a aglutinar mais de 70% dos votos. Nas últimas sondagens da Eurosondagem ou da Aximage, PS e PSD, juntos, ultrapassam sempre os 75%. Com ou sem maioria absoluta. E tudo indica que as variações dos scores eleitorais dos outros partidos, CDS, CDU e BE não serão maiores (para mais ou para menos) que 2%.
Para o BE, por exemplo, essa variação seria muito significativa. Para o CDS, poderia significar chegar aos tais 2 digitos e Paulo Portas tiraria daí grandes dividendos (as sondagens não apontam nesse sentido). Mas no conjunto, não estamos de todo na eminência de uma profunda alteração.
É claro que estou a ser muito simplista porque os aspectos quantitativos, por si só, não nos dão um retrato da realidade. Na verdade, qualquer similute pode ser muito enganosa. Tirem as vossas conclusões.
Eu, chegada ao nível do impressivo, e assumindo toda a subjectividade, confesso que sinto o ar parado, e que é aflitiva esta sensação de estagnação!
[Fonte: Estatísticas STAPE]

13.2.05

Comicidades

Desculpem-me os filiados e simpatizantes, mas este líder social-democrata diverte-me imenso, mesmo quando quer ser sério. Acabo de o ouvir dizer que vai suspender a campanha eleitoral por causa da morte da Irmã Lúcia. Mas, com o devido respeito à Irmã Lúcia, recordo que ele também suspendeu a campanha porque era Carnaval. Está quase afónico. Não era melhor confessar que até ele já está farto de se ouvir?
Também ouvi o José Sócrates na 2: repetir o argumento do "choque tecnológico". Deus, a Irmã Lúcia e todos os pastorinhos assim queiram!
Ok, também vi o Francisco Louça fugir a uma pergunta sobre as diferenças entre o BE e a CDU. Jerónimo de Sousa já criticou o estalinismo, falta o Louça esclarecer-nos sobre a sua actual visão do trotskismo. Ou isso já não tem importância?
O Paulo Portas não vi (fujo a sete pés). Mas tenho a certeza de que vai passar os próximos dias ajoelhado para as televisões. Quem se oferece às objectivas da maneira como ele o fez aquando das cerimónias fúnebres do tenente-coronel Maggiolo Gouveia, o que não fará na actual circunstância? Perdoem-me o mau gosto, não deveria associar estas duas figuras. Mas tudo indica que a pose e a retórica de Paulo Portas têm levado a um certo esquecimento, como se o CDS não fosse o partido de Celeste Cardona, Mariana Cascais, Fernandes Tomás e Teresa Caeiro, como se Bagão Félix, prometido re-ministro das Finanças, não fosse o autor do Orçamento para 2005, como se Nobre Guedes não ultrapassasse todos os dias os limites legais e morais à actuação de um governante demissionário, e como se o próprio Paulo Portas não tivesse decapitado as Forças Armadas e protagonizado os casos Maggiolo Gouveia e "barco do aborto", além de ser pessoal e politicamente responsável por dois dos maiores ludíbrios da nossa história recente, a convergência das pensões mínimas ao salário mínimo e o benefício dos antigos combatentes.
Mas eu vou votar. E vocês? (não me digam que a abstenção é uma solução!)

12.2.05


A sua Revista de fim de semana
Sumário
  • Dia dos Namorados - Como não ferir susceptibilidades?
  • Nacional: Cenário de sub-desenvolvimento. Augusto Mateus no Semanário Económico
  • Regiões: O Expresso do esquecimento. Aveiro e Coimbra distantes da Alta Velocidade. Rui Rodrigues no Notícias de Aveiro
  • Novidades blogosféricas
  • Sociedade: Encontro de bloggers em Aveiro. A participação do último rei mouro com um texto de sua autoria.
  • Viagens: Fruta-Cores, Do Brasil III, Do Brasil II
  • Tecnologia: This blog in english
  • Literatura: Alá na ASA

Dia dos Namorados

(1) Sociedade de consumo, logo pretextos de consumo, logo dias especiais, logo dia dos namorados
(2) Como não ferir susceptibilidades sem gastar um tostão?
(3) Aproveite o material lá de casa. Tem uma mesa? Deixamos uma sugestão. de muita pos(s)e.