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10.3.07

Um instante de vida sobre o mar


Hoje, ao fim da tarde. Às vezes o sol pousava no mar e na terra ao mesmo tempo.
e depois escureceu, mas o castelo de areia ficou lá.
na praia mais bonita do mundo, porque sim
Vagueira




Era um instante de vida sobre o mar
Um início no olvido na frescura do olvido
A mão delineava um trajecto branco no interior da brancura
...

António Ramos Rosa, Génese

11.12.06

foi um fim de semana

Irving Penn
Girl in Bed, 1949



... em que fiquei enclausurada graças a uma nevralgia intercostal com espasmos que é uma daquelas coisas que devem evitar a todo o custo, sobretudo se tiverem duas filhas que sonham com uma casa enfeitada assim para o Natal, ou se existirem bons programas na cidade, para não falar no tempo, ah o tempo, hoje esteve um belo dia frio de sol, bom para passear, enfim, nem falemos do fim de semana prolongado que estava reservado para uma viagem ao sul até à casa de bons velhos amigos. e que saudades que eu tenho desses amigos que nos conhecem desde sempre, pois, o tempo passa e agora parece desde sempre. sim, evitem. sobretudo os espasmos. e nunca entrem em urgências hospitalares dobrados em dois porque demoram algum tempo a recuperar a dignidade (a postura é importante para exigir que nos falem como gente que somos e não como pobres ignorantes a quem não vale a pena explicar nada). evitem. a injecção da praxe nem dói (dada por enfermeiros, que os nossos médicos ortopedistas preferem ficar sentados, dando a impressão aos pacientes de que sofrem de paralisia. talvez seja estratégico) mas o antes e o quanto-continua-a-doer-depois não compensa. enfim, daqui a uns dias estou boa. mas foi estranho não estar grávida e ter contracções. uma espécie de contracções invertidas, intercostais.
evitem. a não ser que tenham algumas leituras para pôr em dia. o meu consolo. nem a propósito, tinha-me abastecido uns dias antes nas livrarias que por esta altura parece que vão afundar-se em livros e novidades. atirei-me aos tugas e a um alemão. O Senhor Walser do Gonçalo M. Tavares foi consumido numa noite, o Duende de António Franco Alexandre (Assírio & Alvim), em algumas horas. As Feiticeiras que estavam pousadas há algum tempo na mesa de cabeceira, voaram também. O Ultimo Coração do Sonho de Al Berto (Quasi) e O Aprendiz Secreto de António Ramos Rosa (Quasi) estão ali à espera, ando a intercalá-los com Sobre o Amor e a Morte de Patrick Süskind (Ed. Presença), um ensaio. Quando acabar atiro-me ao Possidónio Cachapa, autor de belos livros, que se devoram, e que agora lançou Rio da Glória (Oficina do Livro) e há um ano O Meu Querido Titanic (na mesma editora) mas eu desconhecia.

Diz o Süskind, "os poetas não escrevem sobre aquilo de que detêm conhecimento, mas sobre aquilo de que não possuem a última palavra; não o fazem porque não sabem mais, mas porque querem a todo o custo saber com muita precisão. É este conhecimento imperfeito, é este sentimento de profunda estranheza que os leva a pegar no cinzel, na pena ou na lira.(A cólera, o luto, a exaltação, o dinheiro, etc. são completamente secundários.) De outro modo não haveria poemas, romances, peças de teatro, etc., mas tão só comunicados."
As minhas leituras têm a mesma motivação. Mesmo que também aprecie comunicados___ quando se trata de nevralgias. Vi-me grega para perceber o que era, de onde vem, para onde vai.

Aos laboratórios Viatris e Almirall agradeço os momentos de sossego que os respectivos Metanor e Airtal me vão proporcionando, e a vocês desejo uma excelente semana pré Natal!

24.11.06

De Poesia falemos



Falemos da natureza e espécies da poesia. Aristóteles inspirou o título da palestra do Professor Luís Serrano. Retive:

Existem mais reflexões sobre o acto da criação poética que definições de poesia. Nenhuma definição de poesia abarca a história da poesia. A noção de poesia é instável e variável no curso do tempo (Roman Jakobson). Literatura em geral e Poesia em particular deveriam ser consideradas como artes, fugindo à clássica divisão Artes & Letras. Falar de linguagens diferenciadas. Linguagem de dominância simbólica___ e a obra de arte: alia um fazer (uma técnica, um estilo) a um saber (Pedro Barbosa, Metamorfoses do Real, 1995). O poeta parte de uma certa realidade (exterior a si ou não) e transforma-a, com a ajuda das palavras, no poema. Carlos Oliveira e o poema filtro: o poema/ filtra/ cada imagem/ já destilada/ pela distância,/ deixa-a/ mais límpida.

Sophia de Mello Breyner retratada por Arpad Szenes

A Poesia é a
minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens (Sophia de Mello Breyner Andresen, Arte Poética, 1967).
Ou é uma forma de compensação.
O artista, dizia-o já o eminente Valéry, compensa-se como pode naquilo que a vida lhe negou (Eugénio Lisboa, Crónica dos Anos da Peste, 1996).

Passagem discreta entre poesia e prosa. Certos textos de René Char, Jorge Luís Borges, Herberto Helder, Tonino Guerra,... são poesia ou prosa? Num tempo de mistura a noção clássica de géneros perdeu importância.

Didáctica: a palavra como possuidora de significado; a palavra como suporte físico desse significado; o modo como as palavras se articulam; o aspecto gráfico. O que distingue um poeta é a sua capacidade de relacionar livremente o que aparentemente não é relacionável (António Ramos Rosa).
Palavra, significado, múltiplos significados, diferente leituras, obra aberta (Umberto Eco). Significado, subversão, poesia. A metáfora é O procedimento linguístico.

Massaud Moisés: A poesia é a expressão do eu por meio de metáforas.

Significante: condiciona aspectos formais, musicalidade, ritmo. Paul Verlaine: a poesia é música avant toute chose. T.S.Elliot, Four Quartets: Words move, music moves/ Only in time; but that which is only living/ Can only die. Words, after speech, reach/ Into the silence ....

Paul Valéry: a poesia é uma hesitação prolongada entre o sentido e o som.

Aspecto gráfico. 12 sílabas, inferior a uma linha, alinhado à esquerda. alinhamento ao centro : século XIX e hoje com os computadores é tão fácil. excepções à regra: poetas barrocos. movimento concretista. Ana Hatherly, Melo e Castro, Jaime Salazar Sampaio, Salette Tavares, APOLLINAIRE.
Alexandre O'Neill (No Reino da Dinamarca, 1967):
que a regra é não haver regra... João Cabral de Melo Neto (Poesia e Composição, 2003): Cada poeta tem a sua poética.

E o leitor? - Ainda J.C. de Melo Neto:
Pois o homem que lê quer ler-se no que lê, quer encontrar-se naquilo que ele é incapaz de fazer.





Nota: Imagens retiradas de Ana Hatherly, Outra Poesia Virtual, Cadernos e Catálogos da Poesia Experimental Portuguesa

22.4.05

Pátria


Denis Okanovic

Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste.
José Saramago

Pátria é uma palavra que podemos dizer
sem que a maioria do povo a reconheça
Ela não pertence ao léxico das palavras comuns
e se os políticos a referem é quase sempre com a violência
de uma retórica vã
Mas seja qual for a forma e substância dos seus símbolos
bronze ou pedra bandeira chama música ou palavra
nós sabemos que ela está viva e vitoriosa
sobre todos os obstáculos e desastres
grávida de um futuro de comum liberdade

Se a pátria é uma herança ela é também o espaço que está à nossa frente
em que temos de projectar as suas dinâmicas linhas
em que vibrará o ritmo do nosso sangue e da nossa respiração
porque ela será a realidade do que em nós é a irrealidade do nosso ideal

in António Ramos Rosa, Pátria Soberana

18.3.05

Contra a poesia pura


W. Ropp

Basta de estrelas
e de nuvens
e de pássaros

Falemos antes de gaiolas
que é tempo de conquistar o céu

Na grande confusão
deste medo
deste não querer saber
na falta de coragem de
me perder me afundar
perto de ti tão longe
tão nu
tão evidente
tão pobre como tu
oh diz-me quem sou eu
quem és tu?


António Ramos Rosa
in Vértice, 1949
O Poeta na Rua, Antologia Portátil, Ed. quasi, 2004