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11.12.06

foi um fim de semana

Irving Penn
Girl in Bed, 1949



... em que fiquei enclausurada graças a uma nevralgia intercostal com espasmos que é uma daquelas coisas que devem evitar a todo o custo, sobretudo se tiverem duas filhas que sonham com uma casa enfeitada assim para o Natal, ou se existirem bons programas na cidade, para não falar no tempo, ah o tempo, hoje esteve um belo dia frio de sol, bom para passear, enfim, nem falemos do fim de semana prolongado que estava reservado para uma viagem ao sul até à casa de bons velhos amigos. e que saudades que eu tenho desses amigos que nos conhecem desde sempre, pois, o tempo passa e agora parece desde sempre. sim, evitem. sobretudo os espasmos. e nunca entrem em urgências hospitalares dobrados em dois porque demoram algum tempo a recuperar a dignidade (a postura é importante para exigir que nos falem como gente que somos e não como pobres ignorantes a quem não vale a pena explicar nada). evitem. a injecção da praxe nem dói (dada por enfermeiros, que os nossos médicos ortopedistas preferem ficar sentados, dando a impressão aos pacientes de que sofrem de paralisia. talvez seja estratégico) mas o antes e o quanto-continua-a-doer-depois não compensa. enfim, daqui a uns dias estou boa. mas foi estranho não estar grávida e ter contracções. uma espécie de contracções invertidas, intercostais.
evitem. a não ser que tenham algumas leituras para pôr em dia. o meu consolo. nem a propósito, tinha-me abastecido uns dias antes nas livrarias que por esta altura parece que vão afundar-se em livros e novidades. atirei-me aos tugas e a um alemão. O Senhor Walser do Gonçalo M. Tavares foi consumido numa noite, o Duende de António Franco Alexandre (Assírio & Alvim), em algumas horas. As Feiticeiras que estavam pousadas há algum tempo na mesa de cabeceira, voaram também. O Ultimo Coração do Sonho de Al Berto (Quasi) e O Aprendiz Secreto de António Ramos Rosa (Quasi) estão ali à espera, ando a intercalá-los com Sobre o Amor e a Morte de Patrick Süskind (Ed. Presença), um ensaio. Quando acabar atiro-me ao Possidónio Cachapa, autor de belos livros, que se devoram, e que agora lançou Rio da Glória (Oficina do Livro) e há um ano O Meu Querido Titanic (na mesma editora) mas eu desconhecia.

Diz o Süskind, "os poetas não escrevem sobre aquilo de que detêm conhecimento, mas sobre aquilo de que não possuem a última palavra; não o fazem porque não sabem mais, mas porque querem a todo o custo saber com muita precisão. É este conhecimento imperfeito, é este sentimento de profunda estranheza que os leva a pegar no cinzel, na pena ou na lira.(A cólera, o luto, a exaltação, o dinheiro, etc. são completamente secundários.) De outro modo não haveria poemas, romances, peças de teatro, etc., mas tão só comunicados."
As minhas leituras têm a mesma motivação. Mesmo que também aprecie comunicados___ quando se trata de nevralgias. Vi-me grega para perceber o que era, de onde vem, para onde vai.

Aos laboratórios Viatris e Almirall agradeço os momentos de sossego que os respectivos Metanor e Airtal me vão proporcionando, e a vocês desejo uma excelente semana pré Natal!

25.8.05

António Franco Alexandre

Tenho esta impressão de que deixo escapar durante muito tempo coisas e pessoas belíssimas. E depois, de tempos a tempos, num repente, sem óbvia razão, descubro uma. E apaixono-me. Hoje deambulava pela livraria quando reparei numa capa preta que dizia um nome que normalmente me afastaria: ARACNE. Foi assim que conheci António Franco Alexandre, transformado em aranhiço. Disse-me assim:

Vai tão pequena a teia, que lamento
ter perdido o meu tempo em outros jogos,
pois com talento e tempo poderia
abandonar a fria geometria
e desenhar figuras, tão reais
que nelas revelasse
a verdade maior da fantasia
. (...)

Acreditei, deixei-o tentar atrevimentos:

Ir ao cinema, na caverna escura,
sentar-me na poltrona do teu ombro
numa t-shirt antiga de bom pêlo,
é o prazer mais certo que me resta.
Que bom deixar-me estar na oscilação discreta
que nasce do teu corpo e me transporta
a essa embriaguez chamada rima;
sentir o cheiro limpo do cabelo,
adivinhar-te o gosto da saliva
.(...)

... contar-me histórias:

Fui ao banquete onde se celebrou
o hit mais recente da cigarra,
mas ao primeiro vinho fiquei tonto,
adormeci no linho da toalha
.(...)

Como vai acabar esta paixão ainda não sei! Mas pode um aracnídeo inadaptado mascarar-se de humano, descer da teia ao palco, cantar, ao clássico balcão, a serenata?