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22.5.08

Allah n'est pas obligé III


Allah n'est pas obligé é o título de um livro de Ahmadou Kouroma que tem como protagonista uma criança-soldado. O romance está vivo na minha memória mas, sobretudo, mantém uma actualidade desconcertante. Ler essa obra levou-me a pesquisar, a querer saber mais sobre a realidade das crianças-soldado. Em 2005, este era um pouco o estado do mundo e das consciências relativamente ao fenómeno. Em três anos, pouco mudou. No Child Soldiers - Global Report 2008 leio que, entre Abril 2004 e Outubro 2007, 19 países ou territórios envolveram crianças em conflitos armados, na sequência de recrutamento por forças governamentais ou por grupos de guerrilha: Afeganistão, Burundi, República Centro-Africana, Chade, Colômbia, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, India, Indonésia, Iraque, Israel Palestina, Myanmar, Nepal, Filipinas, Somália, Sri Lanka, Sudão, Tailândia e Uganda.

Como dizia Ahmadou Kouroma, «les bêtes sauvages vivent mieux que les hommes»!

18.9.06

Um dia por Darfur


Foi ontem. Não chega. Não chegou a tempo. Em 2004, já era muito tarde.

Os números apontam agora para 300 mil mortos e 2 milhões de refugiados. O conflito teve início em Fevereiro de 2003. Em Setembro de 2006 (a semana passada) o Conselho de Segurança da ONU finalmente aprovou uma resolução que prevê o envio de 20 mil capacetes azuis, em substituição da inoperante força da União Africana (UA)___ mas não se avança porque o Governo sudanês, este Governo sudanês, recusa a presença de mais soldados estrangeiros no seu território?

A memória do genocídio no Ruanda em 1994 não foi suficiente para evitar uma nova crise humanitária. Invadem-se Estados que (alegadamente) têm ligações à Al-Qaida e não se intervém na defesa de populações atacadas por milícias como a Janjaweed. Um dia por Darfur, todos os dias por Darfur, até se encontrar uma solução para o conflito! Mas para quando um minuto de silêncio pelos Estados que compõem o Conselho de Segurança da ONU?

Sem esquecer, é claro, as sábias palavras do escritor Ahmadou Kouroma: Autant que l'indifférence et l'hypocrisie des pays du Nord, il faut fustiger les Africains eux-mêmes, dénonçant le fatalisme lié aux croyances religieuses et au fétichisme, l'incurie et la corruption des dirigeants qui se sont succédé après les indépendances ou bien encore le manque d'éducation dans des régions où « les bêtes sauvages vivent mieux que les hommes ».

10.6.06

Mundial #2

ARGENTINA
Meu Deus, quantas invenções já deu ao mundo! A Invenção de Morel de Adolfo Bioy Casares, a metafísica da realidade de Jorge Luis Borges, a Rayuela de Julio Cortázar (para quando uma edição portuguesa da sua obra?), O Túnel de Ernesto Sábato, O Beijo da Mulher Aranha de Manuel Puig ou a felicidade, por Tomás Eloy Martínez.

e Maradona!


COSTA DO MARFIM

Da necessidade de ter consciência da importância da literatura neste país onde se morre muito, todos os dias. O meu guru, Ahmadou Kourouma, de quem já falei aqui ou aqui.
Tanella Boni e a literatura viva no feminino. E até o Presidente da República, un bandit de grand chemin como diria Kourouma, é (historiador e) romancista: Laurent Gbagbo!

11.2.05

Alá na ASA



Aqui está ela, a edição portuguesa de Allah n'est pas obligé de Ahmadou Kourouma. Graças às Edições ASA, está no mercado desde Setembro de 2004. Agradeço ao autor desta extraordinária Extensa Madrugada o alerta.

10.2.05

Allah n'est pas obligé?


Paul Rapp

A guerra, a orfandade, a fome, o medo, fazem crescer a sombra. Distorção que ilude. Estes guerreiros são crianças.
Num distrito do norte do Uganda (Lira), em Fevereiro de 2004, o LRA (Exército de Libertação do Senhor) levou a cabo uma matança num campo de refugiados (Abia). Morreram 80 pessoas às mãos destes rebeldes. O grupo atacante era maioritariamente composto por crianças-soldado. Uma das bases do LRA é no Sudão e calcula-se que seja aí que se encontra o seu fundador, Joseph Kony. O LRA utiliza crianças recrutadas à força e obriga-as a combater. Não se conhecem os métodos utilizados para as levar a cometer estas atrocidades. O governo sudanês deu apoio e armou este movimento anti-ugandense. O objectivo era a deposição do Presidente Yoweri Museveni que, por seu lado, durante anos, apoiara o Exército de Libertação Popular do Sudão (SPLA).
É possível que sejam utilizados métodos de hipnose colectiva. Em Serra Leoa, a Frente Unida Revolucionária (RUF) fundada por Foday Sankoh tinha por hábito drogar as crianças-soldado.
Muito recentemente, a 10 de Janeiro, o líder do SPLA, John Garang e o governo de Cartum (Sudão) assinaram um acordo de paz que poderá pôr fim a uma guerra civil que durou 21 anos. Relativamente a Serra Leoa, em Junho de 2004, um tribunal especial (sediado em Freetown), criado para julgar os crimes cometidos durante a guerra civil, levou pela primeira vez a julgamento o recrutamento de crianças-soldado.
Em África são vários os países onde o recrutamento/sequestro de crianças-soldado se tornou frequente: Costa do Marfim, Gana, Guiné, Libéria, Nigéria, República Democrática do Congo, Serra Leoa. A Unicef e o Cicv, bem como várias associações humanitárias e religiosas tentam combater esta prática. É necessário acolher essas crianças, escolarizá-las, reintegrá-las. Como puderem ler (link Unicef), no início deste ano, a Unicef terá convencido os chefes rebeldes dos conflitos do Sudão, RD do Congo e Serra Leoa a desmobilizar as crianças-soldado. Porém, na Libéria, mesmo as crianças que entregaram as armas não encontraram sempre estruturas que as acolhessem.
Angola é um país onde se calcula que mais de 11000 crianças estiveram envolvidas directamente no conflito armado (enquadrando forças governamentais e da Unita). Neste momento, o esforço vai no sentido de as reintegrar. Mas a situação não está ultrapassada, como poderão constatar neste relatório da Embaixada americana em Angola.
No Afeganistão, em Dezembro de 2004, 4000 crianças teriam sido desmobilizadas. Reintegração é mais uma vez a palavra-chave.
Chegamos agora à Ásia e a Myanmar, ex-Birmânia. É o país que terá o maior número de crianças-soldado do mundo. A crer nesta fonte, são mais de 75000.
No Sri-Lanka os Tigres Tamil também continuam o recrutamento. Desde o dia do tsunami, cerca de 40 crianças-soldado terão já sido recrutadas.
Esta tragédia parece atravessar o planeta. Também existem crianças envolvidas em grupos armados em regiões que não estão em guerra, por exemplo no Brasil.
Estes dados soltos têm um único objectivo. chamar a atenção para uma realidade sobre a qual raramente se fala. Ahamadou Kourouma teve essa coragem.


"Petit Birahima, dis-moi tout,
dis-moi tout ce que tu as vu et fait;
dis-moi comment tout ça s'est passé."

9.2.05

Allah n'est pas obligé


Ahmadou Kourouma


Em 2000 vivia em Paris. Foi aí que um dia comecei a ouvir falar de Allah n'est pas obligé. O título do livro chamou-me a atenção e depois foi atribuido o prémio Renaudot ao seu autor. Numa entrevista ouvi Ahmadou Kourouma dizer que romanceava a verdade e que a verdade, com frequência, não era mais do que uma segunda maneira de redizer uma mentira. Ouvia-o com atenção. Afinal, o protagonista do seu livro era uma criança-soldado. E Kourouma inspirava confiança.
Soube há pouco tempo que morreu (em 2003). Em França era considerado um dos mais destacados, talvez até o mais notável escritor africano de expressão francesa. Ahmadou Kourouma nasceu na Costa do Marfim em 1927.
Tinha de vos falar desse livro que me comoveu, abalou, torceu por dentro e nunca vou esquecer. Trata-se de uma visão particular da guerra em África - a visão de uma criança-soldado da Costa do Marfim, Birahima, que tem dez ou talvez doze anos. Depois da morte da mãe, ele parte com um gri-griman (feiticeiro) à procura de uma tia que vive na Libéria. Pelo caminho - que é todo o romance - ele erra entre campos de guerra, cidades ocupadas, salta de bando em bando de bandits de grand chemin (grupos de rebeldes, facções tribais da Costa do Marfim, Serra Leoa, Libéria). O que aumenta a singularidade deste livro é o uso de uma linguagem de rudimentos (a do personagem) na narração de situações de extrema violência e desespero. Foi esta criatividade, a invenção de um novo código literário, e a sensibilidade audaz (e cheia de ironia) de Kourouma a retratar uma realidade social e política, o que o notabilizou.
Deixo-vos um fragmento de Allah n'est pas obligé aqui (a leitura é simples).