14.2.05

O Dia do Escrutinador IV


Dave April

Deixemos de parte as sondagens por um momento e recordemos os resultados eleitorais das últimas 7 eleições legislativas.
A primeira conclusão a que chegamos talvez vos pareça óbvia, mas dada a insatisfação e desmotivação generalizada que se sente no país, acho que merece realce: desde 1987, PS e PSD juntos, totalizam sempre mais de 70% das intenções de votos. Em 2002 os dois partidos reuniram mesmo 78% dos votos. Foi assim que, aos poucos, chegamos a este "modelo":
  • O PS em 1983, com Mário Soares, consegue 36.35% das intenções de voto; o PSD chega aos 27.04%. A coligação APU/CDU/PCP-PEV ainda está próxima dos 20% (18.20%). Forma-se o Bloco Central que vai durar até 1985.
  • Em 1985 há uma "perturbação" com a entrada do PRD (lembram-se da iniciativa de Ramalho Eanes?). O PRD, que chega aos 18.04%, retira votos a todos os partidos, com excepção do PSD. O PS baixa para 20.82%, o PSD sobe ligeiramente para os 29.79%. É o início da era Cavaco Silva.
  • Em 1987 e 1991, o PSD de Cavaco Silva consegue as maiorias absolutas (primeiro com 50.15% e depois com 50.43%). Em 87, o PSD vai buscar esses votos ao PRD (que desce vertiginosamente para 4.93%) e ao CDS (é um ano negro, ficam-se pelos 4.34%); o PS quase não se altera (22.30%). Em 1991, o PS sobe para 29.25% à custa do voto útil (?) dos comunistas (a CDU nunca mais vai recuperar os eleitores). Pela primeira vez, a abstenção ultrapassa os 30%.
  • Em 1995, temos o confronto entre o PSD de Fernando Nogueira e o PS de António Guterres. Este último sai vencedor com 43.85% das intenções de voto; o PSD baixa para 34.%. E em 1999, em matéria de resultados eleitorais globais, quase não há alteração: 44% versus 32.32%.
  • Finalmente, em 2002, há um inversão nesta balança. Durão Barroso obtém 40.21% dos votos; o PS de Ferro Rodrigues, 37.79%.
Segunda conclusão: nos últimos actos eleitorais (e vai manter-se) a vitória eleitoral depende fundamentalmente da alternância de voto que se faz entre o eleitorado flutuante do PSD e do PS. Pelo que, para efeito de estudo, uma boa pergunta a fazer é se os eleitores votam sempre (ou não) no mesmo partido. Tendo uma ideia da percentagem de eleitorado fixo em cada partido, saberíamos quantos dos 40.21% que votaram PSD ou dos 37.79% que votaram PS estão seguros e, ao mesmo tempo, quantos correm o risco de flutuar (é claro, sempre com uma margem de erro). Seria mais uma variável a considerar nas previsões eleitorais (os partidos políticos têm certamente esses dados; nos media não me recordo de ver esses números em discussão).
Terceira conclusão: as eleições de 1987 foram as últimas em que um terceiro partido chegou aos 2 digitos - CDU/APU, com 12.18%.
  • A partir daí a CDU veio sempre a descer instalando-se na casa dos 8.84% e 8.61% em 91 e 95, subindo muito ligeiramente para 9.02% em 99, para logo voltar a baixar bastante: 6.94% em 2002.
  • O CDS começa a descer em 1985 (de 12.38% passa para 9.74%), cai acentuadamente em 87 (4.34%) e 91 (4.38%), recupera em 1995 (9.09%), estabiliza em 1999 e 2002 com 8.38% e 8.72%, respectivamente.
  • O BE chegou aos 2.74% em 2002.
  • Os dados que consultei agregam os votos de todos os outros pequenos partidos com os votos em branco (vá lá, distinguem estes últimos dos votos nulos). De 1983 a 2002, a média deste "bloco" é de 4.35%, mas em 2002 registou-se o mais baixo score de sempre: 2.63% dos votos. José Saramago ainda não tinha lançado o Ensaio sobre a Lucidez!?
Quarta conclusão: a abstenção não cessa de aumentar. Passamos de 21.36% em 1983 para 38.52% em 2002. Foi em 1999 que chegamos à fasquia dos 38%.
É provável que a abstenção venha a aumentar ainda mais nestas eleições de 20 de Fevereiro. Voltemos agora às sondagens. Parece certo que vamos continuar seguindo a via dos dois grandes partidos a aglutinar mais de 70% dos votos. Nas últimas sondagens da Eurosondagem ou da Aximage, PS e PSD, juntos, ultrapassam sempre os 75%. Com ou sem maioria absoluta. E tudo indica que as variações dos scores eleitorais dos outros partidos, CDS, CDU e BE não serão maiores (para mais ou para menos) que 2%.
Para o BE, por exemplo, essa variação seria muito significativa. Para o CDS, poderia significar chegar aos tais 2 digitos e Paulo Portas tiraria daí grandes dividendos (as sondagens não apontam nesse sentido). Mas no conjunto, não estamos de todo na eminência de uma profunda alteração.
É claro que estou a ser muito simplista porque os aspectos quantitativos, por si só, não nos dão um retrato da realidade. Na verdade, qualquer similute pode ser muito enganosa. Tirem as vossas conclusões.
Eu, chegada ao nível do impressivo, e assumindo toda a subjectividade, confesso que sinto o ar parado, e que é aflitiva esta sensação de estagnação!
[Fonte: Estatísticas STAPE]

9 comentários:

Didas disse...

São as peculiaridades da tal democracia representativa, o pior sistema à excepção de todos os outros. :-)

armando s. sousa disse...

Excelente esta análise aos últimos 20 anos de actos eleitorais. Estou de acordo consigo, que a totalidade de votos dos dois maiores partidos ultrapassará a fasquia dos 75 por cento, o que me leva também à sua segunda preocupação, da sensação de estagnação. Estes políticos que nos chocam todos os dias com o seu deserto de ideias, mereceriam isso sim, um verdadeiro choque eleitoral dos portugueses, isto é, os portugueses provarem a estes dois partidos que não podem pensar ou ter a certeza, que alternarão de uma maneira ou de outra na governação do país.

Francis disse...

Excelente trabalho, Divas. A conclusão que se pode retirar em bruto é que desde 1974 o país tem estado nas mãos de PS e PSD. Os resultados? São os que estão à vista!

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Pois é, Didas, já lá dizia o sr. Winston Churchill!

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

É uma alternância viciosa, até porque, em termos de aparelho governativo, existem poucas mudanças, isto é, mesmo que o líder varie, mantêm-se as mesmas equipas! Como alterar esta situação? Na minha opinião serão necessários mais alguns anos para que outra "geração" de políticos se afirme - à direita e à esquerda.

Bastet disse...

ai, ai... mudam as moscas...

Anónimo disse...

5ª e última conclusão:
Ganha o PS

Anónimo disse...

Realmente é uma tristeza, querer desesperadamente cumprir o dever civico e não saber em quem votar.
Tenho pena que o Santana seja tão desastrado porque acho que até tinha alguns valores no governo dele e tinha vontade de fazer coisas. A pior coisa que pode acontecer a este pais, na minha opinião, é cair de novo nas marés mansas do PS. Mas onde está a alternativa? Do Louçã fujo a 7 pés. Para mim é o politico mais demagógico e irritante da cena politica nacional. O Portas, acho-o um tipo inteligente, com capacidade de trabalho, visão estratégica e sentido de estado. Só há um pequeno detalhe, não concordo com nenhuma das suas ideias. Acredito na máxima " cada sociedade civil gera os politicos que merece" por isso que cada um escolha o mal menor ... COUPON

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Tens razão Abulafia! E, com esta fixação relativamente a maiorias para viabilização dos orçamentos de Estado e outros, vemos tb partidos minoritários, com as tais posições extremadas, chegar ao poder através de coligações. Foi o que nos aconteceu em 2002!