DESLUMBRAMENTOS
Milady, é perigoso contemplá-la,
Quando passa aromática e normal,
Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com seus gestos de neve e de metal.
Sem que nisso a desgoste ou enfade,
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu vejo-a, com real solenidade,
Ir pondo toilettes complicadas!...
Em si tudo me atrai como um tesoiro:
O seu ar pensativo e senhoril,
A sua voz que tem timbre de oiro
E o seu nevado e lúcido perfil!
Ah! Como m'estontêa e me fascina...
E é, na graça distinta do seu porte,
Como a Moda supérflua e feminina,
E tão alta e serena como a Morte!...
(...)
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão-de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor de Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!
in O Livro Verde de Cesário Verde, Assírio & Alvim, 2004
[Lisboa, 25.02.1855-19.07.1886]
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