30.4.05

A caminho de Zanzibar

Não, não é para toda a gente, é preciso querer... Nos próximos dias vou andar por aqui.

Mas não pensem que não tive insónias só de pensar nos perigos desta viagem!

InJAZZ - Jazz em Português


MG, O Piano

No total são 6 cidades portuguesas a receber a primeira edição do InJazz. Aveiro é uma delas. Hoje, no Teatro Aveirense, às 21:30, poderemos ouvir Bernardo Sassetti - solo ao piano, e Mário Delgado "Filactera Redux" - com Mário Delgado na guitarra, Alexandre Frazão na bateria e Jesse Chandler em hammond.

Será que o público vai aderir a esta iniciativa? Tem que ser! Concertos ao pé de casa com excelentes músicos portugueses, não é todos os dias!

29.4.05

Stolen moments

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Fancie ou Elisabeth Wood, como quiserem. Canta stolen moments.


Do álbum A negative capability, 2001

À escuta #1


Louise Chin e Ignacio Aronovich

- Às vezes não te apetece apaixonar-te...
- Come a sopa...
- Achas que não é possível apaixonarmo-nos por uma pessoa e sermos felizes só com ela..., viver bem com uma pessoa o resto da vida...
- A sério, come a sopa, o empregado está à espera do teu prato, já está a incomodar-me... Não, eu não conseguia... Os homens não conseguem!


- Apetece-me apaixonar-me perdidamente
- Mas por mim não...?
- Não, por ti não, por favor!
- Oh, não digas isso!
- É claro que não, aliás se fores meu amigo, nem deixas que isso aconteça... Bom, e é isso que fazes todos os dias!


- Tens um coração à prova de balas...
- Claro, um tipo aprende a defender-se!
- Estava eu no meu seminário e leio essa mensagem no telemóvel...


- Mas tu achas que eu sou um malandro?
- Claro que és um malandro!
- Sim, sou um bocado malandro. Mas antes era muito mais.


- Eu sei que devo encarar tudo com leveza...
- Sim, com leveza!
- Aprender a viver o momento...
- Sim...


[Ao casal desconhecido que se sentou ao meu lado naquele balcão peço perdão pela indiscretione. Mas era tão engraçado. Cada um à sua maneira, eram amorosos nos seus ardis e desenganos. Auguri!]

28.4.05


Olha!

- É verdade?
- Porque deveria mentir-te? Anda, deixa-me levar-te lá para fora.
- Não, vai tu à frente. Eu vou atrás.
- Mas estou impaciente para voltar a ver-te.
- Só me verás como eu quiser. Vai à frente e não te vires.

in Italo Calvino
Cosmicómicas
Ed. Teorema, 1990, pp 74

E o desenho é de... ? Já reconhecem o traço?

Solução:
MG

27.4.05

Roma del Popolo


Fontana di Trevi

É claro que atirei a moedinha para a fonte. Quero voltar a Roma, sim! A cidade é troppo bela e alguns dias não bastam para saciar a vontade de conhecer. Mas quando a ocasião chegar vou planear melhor a viagem. E certamente não vou escolher uma data próxima...:
- da entronização de um Papa;
- da entronização de uma Papa alemão: pelo menos 150 mil alemães na cidade! viu-os passar!
- de um fim de semana prolongado, também em Itália - neste 25 de Abril comemoravam os 60 anos do seu Independence day;
- de uma "domenica sportiva" com um jogo de futebol importantíssimo para o campeonato italiano - no Stadio Olimpico de Roma, a Juventus, que disputa a liderança com o Milan, jogava com o Lazio: vencendo por 1-0, igualou os 73 pontos do Milan na Classificação da Série A.

É que, na prática, isto significou: rios de gente na Piazza di Spagna e suas escadinhas, rios de gente na Piazza del Popolo e suas igrejas, via Condotti (a 5ª avenida de Roma) intransitável, vontade de atirar à Fontana di Trevi todos os turistas que, como nós, queriam sentar-se e fotografar-se e refrescar-se, verdadeira Via Sacra entre o Colosseo e o Foro Romano, filas intermináveis e colossais para entrar no Colosseo, no Musei Vaticani e Cappella Sistina, na Basílica di San Pietro,... e já ficaram com uma ideia!

Mas, apesar de toda esta agitação, não deixava de exclamar a todo o momento: belíssimo! Roma não tem arranha-céus nem janelas de alumínio. Roma tem verde, existem imensos parques. Roma tem charme. As fachadas romanas clássicas têm cores ocres, amarelo, pêssego, e estão bem conservadas. A cada esquina a memória do império romano numa pirâmide, numa coluna, numa parede, num obelisco, numa ruína. E a renascença e o romantismo que pintores e escritores que passaram por Roma lá deixaram, não foram destruídos. Roma tem inúmeras fontanas, palazzos, museos, chiesas, piazzas que vivem! E depois os detalhes, que são dicas a não perder: o museo atelier Canova Tadolin, o antigo estúdio do famoso escultor agora transformado em restaurante; o caffè Greco para o melhor cciocholai da vossa vida; e, até 31 de Maio, a XIV Quadriennale d'Arte di Roma na Galleria Nazionale d'Arte Moderna (com almoço ou lanche dentro do museu)!

No Domingo, dia do entronamento, foi definida uma "área rosa" à volta do Vaticano. A missa começava às 10h mas nenhum automóvel podia entrar na área depois das 8h. O Metro foi fechado, os autocarros não podiam circular. Por razões de segurança (não a dos chefes de Estado mas a do popolo, que aos milhares acorria à zona). Assim, a maior parte dos peregrinos deslocou-se a pé para a Basílica. Benedetto XVI foi aclamado. Comentário da RAI: o Papa teve uma postura muito solene! Imagens da RAI (cumprimentos): todos os monarcas presentes com especial destaque para os reis de Espanha, o irmão de Bush (o único que se ajoelhou), o presidente italiano e o disgraciatto Berlusconi&mulher&filho e o "nosso" Durão Barroso. Foi nesse dia que decidi ir para o Coliseu para fugir às multidões... e descobri que (1) tinham instalado por lá um écran gigante, e que (2) todos os italianos em fim de semana prolongado que não tinham ido para os Alpes ou para Porto Fino, escolheram colmatar uma falha imperdoável no seu curriculum vitae, conhecendo nesse preciso dia aquele pedaço de Roma e do tempo.

Palavras que ficaram:
Mussolini era o Homem da Providência Divina, enquanto governou evocava a Glória da Roma Antiga..., de repente percebi como ele era pequeno, foi um choque - Urbano Lazzaro, o soldado que prendeu o ditador em fuga, na RAI (Mussolini e a amante Laura foram executados no dia 28 de Abril de 1945, sem julgamento, e os corpos mutilados foram expostos em Milão)

O meu pai dizia que os políticos são como canas ao vento, se não abanarem, quebram - ilustre passageiro da TAP, reformado, filho de um carabineri que fez parte do corpo de guarda de Mussolini, com quem conversei no vôo Lisboa-Roma.

O fantasma de Nero aterrorizava aquele local onde, diziam, havia uma árvore amaldiçoada. O Papa Pascal II apaziguou a população mandando queimar a árvore e construindo uma capela. (1099, Santa Maria del Popolo)

Confirmações:
Não podemos deitar-nos no chão da Capela Sistina para ver o tecto.

Em Itália não se fuma em restaurantes e cafés.

Os taxistas discutem em todos os países do mundo.

Os franchisings espanhóis de vestuário não invadiram a Itália.

As cidades conhecem-se a pé.

Tenho que ir a um ortopedista.

Regresso:
Não é só chegar do Outro Mundo, e pronto! Reencontramos o fio dos dias como o deixámos, a arrastar-se por aqui, pegajoso, precário. A esperar-nos. in Céline, Viagem ao fim da noite, Ed. Ulisseia, p. 209

nota: Não é tanto assim...:)

22.4.05

Roma



Ao desembarcar em Roma, no século XIX, o romancista francês Stendhal ficou pasmo com esse mosaico montado aleatoriamente pelos séculos. Essa reacção é conhecida hoje por "síndrome de Stendhal". É na expectativa desse efeito que viajo agora para Roma (vou tentar fugir ao "síndrome de Bento XVI").

Amici della blogosfera, até breve !


P.S.: decidi comemorar antecipadamente o Dia Mundial do Livro e o Dia 25 de Abril. Com alguns poemas. Com a lembrança de que em muitos lugares no próximo sábado se celebra o prazer da leitura e com o apelo à festa no dia 25! Para quem esqueceu ou não viveu os tempos da outra senhora, talvez ler, reler os Poemas da Resistência de Joaquim Pessoa, reavive o canto da liberdade. Porque se a pátria é uma herança ela é também o espaço que está à nossa frente (o poema completo de António Ramos Rosa está ali em baixo).

Enquanto lêem vão ouvindo, José Mário Branco. Resistir é vencer é um álbum belíssimo, fantástico, maduro, poético, ... descobri-o e ando a ouvi-lo a ouvi-lo. Canção preferida, já agora: o papão do anão!

O cão da tristeza


Hiroshi Watanabe

A gente faz amor como se a morte doesse mais que a vida e é mentira.

O cão da tristeza está aqui.
Aqui, sem alma, ferrado no meu espanto.
Puxando as verdes charruas do meu pranto
lavrando a dor cinzenta do meu povo.

O cão da tristeza está aqui.
No giz do meu lume, na fogueira acesa
que queima a minha casa, destrói a minha mesa
e magoa o meu sangue e a minha voz.

O cão da tristeza está aqui.
No açaime do medo que nos cala
na sombra do punhal, no frio da bala
apontada ao coração da nossa esperança.

in Joaquim Pessoa, Poemas da Resistência (1968/1971)

Pela liberdade viva


Denny Moers

Neste país sem olhos e sem boca...
Ruy Belo, Homem de Palavras(s)


Meu amor
no teu peito de coragem
feito de pedras e cardos
há um país de viagem
e vinhos de cada cor
verdes maduros bastardos.

Há uma pedra de cal
em cada olhar que respira
há uma dor que já dura
desde que dura a mentira
há um muro levantado
numa seara madura.

Verde mar
verde limão
são os teus olhos de medo
o vento é este segredo
que escreve em cada manhã
o nome dela na erva
numa folha numa pedra
nos bagos de uma romã.

Acendo-te uma fogueira
nas tuas mãos acordadas
dou-te flores de laranjeira
dou-te ruas dou-te estradas
dou-te palavras secretas
dou-te coragem e setas
dou-te os meus dedos crispados
ponho cravos amarelos
à volta dos teus cabelos
dou-te o meu sangue vermelho
e o meu canto proibido

Dou-te o meu nome
raíz
há muito tempo arrancada
dou-te esta calma guardada
nos homens do meu país
dou-te a fome
do meu canto
dou-te os meus braços em cruz
e as mãos feitas num crivo
dou-te os meus pulsos abertos

mas é por outra que vivo.

in Joaquim Pessoa, Poemas da Resistência (1968/1971)

O Filho


Henk Braam, foetus

Em plena guerra, a vida levou-te a ser o amor do soldado...

Ai, filho, sabes, sabes
donde vens ?

Dum lago com gaivotas
brancas e famintas.

Junto à água de inverno
ela e eu levantámos
uma fogueira rubra,
consumindo os lábios
de tanto beijarmos nossas almas,
lançando ao fogo tudo,
queimando as nossas vidas.

Assim vieste ao mundo.

Mas ela, para ver-me
e para ver-te, um dia
atravessou os mares
e eu, para abraçar
sua pequena cintura,
percorri a terra inteira,
por entre guerras e montanhas,
areais e espinhos.

Assim vieste ao mundo.

Vens de tantos lugares,
da água e da terra,
do fogo e da neve,
de tão longe caminhas
ao encontro de nós dois,
desse terrível amor
que nos acorrentou,
que queremos saber
como és, que nos dizes,
porque tu sabes mais
do mundo que te demos.

Como uma grande
tempestade sacudimos
a árvore da vida
até às mais ocultas
fibras das raízes
e apareces agora
cantando na folhagem,
no mais alto ramo
que contigo alcançamos.

in Pablo Neruda, Os Versos do Capitão