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19.11.09

Cinco anos

Este blogue começou a 19 de Novembro de 2004. com Arendt no pensamento e um livro de Süskind na mão.

... Se Hannah Arendt tiver razão, a liberdade depende da acção (action). Homens livres. Através da sua obra e do seu pensamento, eles empenham-se em transformar o nosso mundo. Enveredaram por caminhos arriscados ou pouco explorados, seguindo o princípio da fidelidade ao sonho. Ou a um sonho. Porque é possível.

Alguns são Divas e todos os reconhecemos. Outros são fantásticos Contrabaixos, instrumentos que as boas orquestras não dispensam mas em que nem sempre reparamos.

Eu queria falar desses Homens.




"Comer marisco ou sopa rica de peixe! Enquanto o homem que a adora fica numa sala à prova de som e não faz outra coisa senão pensar nela, com um instrumento disforme entre as mãos, do qual nem um, nem um único som é capaz de tirar, dos que ela canta! ...Sabem do que é que eu preciso? Preciso sempre de uma mulher que nunca hei-de ter. Enquanto eu não a tiver, não preciso de nenhuma outra."

Patrick Süskind (1984). O Contrabaixo . Ed. Difel: pp 53-54


Eu também preciso do que nunca hei-de ter. para além de me ser indispensável o que já tenho.

30.11.04

Hannah Arendt

o primeiro post. as promessas são para cumprir. porque precisamos de certezas. (ilusões!). deixo alguns apontamentos sobre esta grande senhora

Nome: Hannah Arendt
Vita: 1906-1975
Origem: Alemanha
Religião: Judaísmo
Domínio: Filosofia, Teoria Política
Enfoque: Totalitarismo, Revoluções, Natureza da Liberdade, Pluralidade

A sua obra A Condição Humana* foi escrita em 1958. Arendt analisa o processo através do qual emergiu a moderna alienação. Apesar de reconhecer o pensamento como a actividade mais humana, esta obra centra-se no que ela designa por vita activa. Ela considera três actividades humanas: labor, trabalho (work) e acção (action). "Trata-se de actividades fundamentais porque a cada uma delas corresponde uma das condições básicas mediante as quais a vida foi dada ao homem" (p. 19)
" O labor assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas a vida da espécie. O trabalho e o seu produto, o artefacto humano, emprestam certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao carácter efêmero do tempo humano. A acção, na medida em que se empenha em fundar e preservar corpos políticos, cria a condição para a lembrança, ou seja, para a história." (pp 20-21)
" A acção, a única actividade que se exerce directamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade..." (p. 20)

" A tarefa e a grandeza potencial dos mortais têm a ver com a sua capacidade de produzir coisas - obras e feitos e palavras - que mereceriam pertencer, e pelo menos até certo ponto, pertencem à eternidade, de modo que, através delas, os mortais possam encontrar o seu lugar num cosmos onde tudo é imortal, excepto eles próprios." (p. 31)

* publicada pela Relógio d'Agua, 2001

A Condição Humana III

Sobre a Ciência

"Nem as especulações dos filósofos, nem a imaginação dos astrónomos chegaram alguma vez a constituir verdadeiros acontecimentos. (...) as ideias vêm e vão, duram algum tempo, podem até alcançar uma certa imortalidade própria, dependendo do seu poder de iluminar e esclarecer (...) O que Galileu fez e que ninguém tinha feito antes foi usar o telescópio..." p. 323

"Se hoje os cientistas nos dizem que podemos presumir com igual validade que a Terra gira à volta do Sol ou que o Sol gira em torno da Terra, que ambos os pressupostos se aplicam a fenómenos observados, e que a diferença está apenas na escolha do ponto de referência (...) Significa, antes, que transferimos o ponto de vista arquimediano um pouco mais além da Terra, para um ponto do universo onde nem a Terra nem o Sol são o centro de um sistema universal. (...) No que diz respeito às realizações práticas da ciência moderna, esta mudança do antigo sistema heliocêntrico para um sistema sem centro fixo é, sem dúvida, tão importante como a mudança original do conceito de um mundo geocêntrico para o de um mundo heliocêntrico. Só agora nos afirmamos como seres universais..." p. 327

" o tremendo aumento do poder humano de destruição (...) não menos terrível e não menos difícil de compreender é o novo poder de criar (...) povoar o espaço à volta da Terra com estrelas feitas pelo homem (...) Emprego deliberadamente a palavra criar para indicar que estamos, na verdade, a fazer aquilo que todas as eras antes de nós julgavam ser a prerrogativa exclusiva da acção divina." pp 333-334

"A história mostra claramente que a moderna tecnologia resultou não da evolução daquelas ferramentas que o homem sempre havia inventado para o duplo fim de atenuar o labor e de erigir o artifício humano, mas exclusivamente da busca de conhecimento inútil, inteiramente desprovido de senso prático. Assim, o relógio (...) inventado exclusivamente para a finalidade teórica de realizar certas experiências com a natureza. É certo que esta invenção, logo que a sua utilidade prática foi percebida, mudou o ritmo e a própria fisionomia da vida humana; mas isso, do ponto de vista dos seus inventores, foi um mero acidente. (...) é pouco provável que o nosso mundo condicionado à técnica pudesse sobreviver, e muito menos continuar a desenvolver-se, se conseguíssemos convencer-nos de que o homem é, antes de tudo, uma criatura prática." p. 355

" A mudança do por que e do o que para o como implica que os verdadeiros objectos do conhecimento já não são coisas ou movimentos eternos, mas processos, e portanto o objecto da ciência já não é a natureza ou o universo mas a história - a história de como vieram a existir a natureza, a vida ou o universo. (...) o processo de evolução, conceito-chave das ciências históricas, tornou-se o conceito central também das ciências físicas." p. 363

"Retemos ainda a capacidade de agir, pelo menos no sentido de desencadear processos, muito embora esta capacidade se tenha tornado prerrogativa dos cientistas, que ampliaram a esfera dos negócios humanos ao ponto de extinguir a consagrada linha divisória e protectora entre a natureza e o mundo humano. (...) parece bem mais justo que os feitos desses cientistas tenham assumido maior valor como notícia e maior importância política que os feitos administrativos e diplomáticos da maioria dos chamados estadistas." p. 394

"Mas a acção dos cientistas, que intervém (...) não com a textura das relações humanas, não tem o carácter revelador da acção nem a capacidade de produzir histórias e tornar-se histórica - carácter e capacidade que, juntos, constituem a própria fonte do sentido que ilumina a existência humana." p. 394


in Arendt, Hannah, A Condição Humana, Relógio d' Agua, 2001

Aos 35 investigadores da Unidade de Desenvolvimento de Produto da Vulcano

29.11.04

A Condição Humana II

Sobre a Bondade

"A bondade num estilo absoluto, em contraposição à utilidade ou à excelência na antiguidade greco-romana, apenas se tornou conhecida na nossa civilização com o advento do cristianismo." p. 87

"A única actividade que Jesus ensinou, por palavras e actos, foi a bondade; e a bondade contém, obviamente, uma certa tendência para evitar ser vista e ouvida. (...) Quando a bondade se mostra abertamente já não é bondade, embora possa ser útil como caridade organizada ou como acto de solidariedade. Daí: Não dês as esmolas diante dos homens, para seres visto por eles." p. 88

"Talvez seja esta curiosa qualidade negativa da bondade, a ausência do fenómeno visível da aparência, o que torna o surgimento de Jesus de Nazaré na história um acontecimento tão profundamente paradoxal" p. 88

"Por que me chamais bom? (...) toda a vida de Jesus parece atestar que o amor à bondade resulta da compreensão de que nenhum homem pode ser bom." p. 88

"E, no entanto, o amor à bondade, ao contrário do amor à sabedoria, não se limita à experiência de poucos, da mesma forma que o isolamento, ao contrário da solidão, está ao alcance da experiência de todos os homens. Em certo sentido, portanto, a bondade e o isolamento têm muito mais relevância para a política que a sabedoria e a solidão." p. 90

"Talvez ninguém tenha percebido tão claramente essa qualidade destrutiva da bondade como Maquiavel que, numa passagem famosa, tem a ousadia de ensinar os homens a não serem bons. (...) A bondade que sai do seu esconderijo e assume papel público deixa de ser boa: torna-se corrupta nos seus próprios termos..." p. 91


in Arendt, Hannah, A Condição Humana, Relógio d' Agua, 2001

A Condição Humana I

Privacidade

" O amor é, pela sua própria natureza, não verbal, e é por essa razão que ele é não só apolítico como também anti-político. O amor é talvez a mais poderosa de todas as forças humanas anti-políticas"

"O amor, por exemplo, em contraposição à amizade, morre ou, antes, extingue-se assim que é trazido a público." p. 66

"Sempre que falamos de coisas que só podem ser experimentadas na privacidade ou na intimidade, trazemo-las para uma esfera na qual assumirão uma espécie de realidade que, apesar da sua intensidade, jamais poderiam ter tido antes." pp 64-65

"O sentimento mais intenso que conhecemos - intenso ao ponto de eclipsar todas as outras experiências, ou seja, a experiência de grande dor física - é, ao mesmo tempo, o mais privado e menos comunicável de todos." p. 65

" O primeiro eloquente explorador da intimidade - e até certo ponto, o seu teorizador - foi Jean-Jacques Rousseau; e é significativo que ele seja o único grande autor ao qual ainda hoje nos referimos frequentemente pelo primeiro nome. (...) A intimidade do coração, ao contrário da intimidade da moradia privada, não tem lugar objectivo e tangível no mundo..." p. 53

"[Ascenção do Social] O surpreendente florescimento da poesia e da música, a partir de meados do século XVIII até quase ao último terço do século XIX, acompanhado do surgimento do romance, a única forma de arte inteiramente social, coincidindo com um não menos surpreendente declínio de todas as artes mais públicas, especialmente a arquitectura, constitui testemunho suficiente de uma estreita relação entre o social e o íntimo." p. 53

" Finalmente, a actividade de pensar (...) ainda é possível, e sem dúvida ocorre, onde quer que os homens vivam em condições de liberdade política. Infelizmente, e ao contrário do que geralmente se supõe quanto à proverbial torre de marfim dos pensadores, nenhuma outra capacidade humana é tão vulnerável; de facto, numa tirania, é muito mais fácil agir que pensar." p. 395


in Arendt, Hannah, A Condição Humana, Relógio d' Agua, 2001


Ao Gonçalo Tavares, defensor da intimidade do coração, da moradia privada, e da linguagem privada (Wittgenstein).

19.11.04

O Conceito

Se Hannah Arendt tiver razão e a liberdade depender da acção (action), os nossos entrevistados são homens livres.

Através da sua obra e do seu pensamento, eles empenham-se em transformar o nosso mundo. Enveredaram por caminhos arriscados ou pouco explorados, seguindo o princípio da fidelidade ao sonho. Ou a um sonho. Porque é possível.

Alguns são Divas e todos os reconhecemos. Outros são fantásticos Contrabaixos, instrumentos que as boas orquestras não dispensam mas em que nem sempre reparamos.

E, entre actos, fazem uma pausa. Para pensar, partilhar, conversar connosco.

Ou talvez estas entrevistas sejam outro acto. Porque este é um espaço público.


Completando esta introdução ao novo suplemento de entrevistas do Notícias de Aveiro, acrescento o pressuposto, implícito nas reflexões de Hannah Arendt e no meu propósito, de que este será um espaço público e PLURAL.

E então quem é esta Hannah Arendt? Nos próximos posts vou deixar alguns apontamentos mas não se esqueçam de lêr A Condição Humana, escrito por ela em 1958 (Ed. Relógio D' Agua).

Mas se preferirem livros menos densos (sendo que densidade não é igual a intensidade), leiam O Contrabaixo (1984) de Patrick Süskind (Ed. Difel). Deixo-vos um fragmento:

"Comer marisco ou sopa rica de peixe! Enquanto o homem que a adora fica numa sala à prova de som e não faz outra coisa senão pensar nela, com um instrumento disforme entre as mãos, do qual nem um, nem um único som é capaz de tirar, dos que ela canta! ...Sabem do que é que eu preciso? Preciso sempre de uma mulher que nunca hei-de ter. Enquanto eu não a tiver, não preciso de nenhuma outra." (pp 53-54)