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19.6.12

Em sonhos consegui tudo. Também tenho despertado, mas que importa? Quantos Césares fui!

Rudolf Koppitz. Rock Thrower. 1923

A vida é para nós o que concebemos nela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.
Isto não vem a propósito de nada. Tenho sonhado muito. Estou cansado de ter sonhado, porém não cansado de sonhar. De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos. Em sonhos consegui tudo. Também tenho despertado, mas que importa? Quantos Césares fui! E os gloriosos, que mesquinhos! César, salvo da morte pela generosidade de um pirata, manda crucificar esse pirata logo que, procurando-o bem, o consegue prender. Napoleão, fazendo seu testamento em Santa Helena, deixa um legado a um facínora que tentara assinar a Wellington. Ó grandezas iguais à da alma da vizinha vesga! Ó grandes homens da cozinheira de outro mundo! Quantos Césares fui, e sonho todavia ser.
Quantos Césares fui, mas não dos reais. Fui verdadeiramente imperial enquanto sonhei, e por isso nunca fui nada. Os meus exércitos foram derrotados, mas a derrota foi fofa, e ninguém morreu. Não perdi bandeiras. Não sonhei até ao ponto do exército, onde elas aparecessem ao meu olhar em cujo sonho há esquina. Quantos Césares fui, aqui mesmo, na Rua dos Douradores. E os Césares que fui vivem ainda na minha imaginação; mas os Césares que foram estão mortos, e a Rua dos Douradores, isto é, a Realidade, não os pode conhecer. Atiro com a caixa de fósforos, que está vazia, para o abismo que a rua é para além do parapeito da minha janela alta sem sacada. Ergo-me na cadeira e escuto. Nitidamente, como se significasse qualquer coisa, a caixa de fósforos vazia soa na rua que se me declara deserta. Não há mais som nenhum, salvo os da cidade inteira. Sim, os da cidade dum domingo inteiro – tantos, sem se entenderem, e todos certos.
Quão pouco, no mundo real, forma o suporte das melhores meditações. O ter chegado tarde para almoçar, o terem-se acabado os fósforos, o ter eu atirado, individualmente, a caixa para a rua, mal disposto por ter comido fora de horas, ser domingo a promessa aérea de um poente mau, o não ser ninguém no mundo, e toda a metafísica.
Mas quantos Césares fui!

in O LIVRO DO DESASSOSSEGO, de BERNARDO SOARES

2.5.12

«Eu sou muitos»


[A exposição patente na Fundação Calouste Gulbenkian, "Fernando Pessoa - Plural como o universo", terminará afinal a 6 de Maio. Carlos Felipe Moisés é o curador brasileiro da exposição que assinala o Ano do Brasil em Portugal]

Talvez a culpa seja da expectativa.demasiado elevada. A verdade é que esta exposição é fraca em termos de conteúdo. não por ser inexacta ou esquecer heterónimos. mas porque nos dá pouco mais que títulos. Cada um dos quatro heterónimos principais de Pessoa é um título e uma sinopse. Essa é a primeira sala. Sim, as "cabines" com os poemas projectados distraem e podem fazer sentir. stop. É a primeira sala. «Os curadores quiseram mostrar que "Pessoa é um poeta para todos" e fazer uma exposição para todas as idades. A exposição é lúdica, interactiva e labiríntica: não tem um percurso marcado para que os visitantes se aventurem no seu espaço». stop. Na segunda sala temos o famoso quadro de José de Almada Negreiros, "Retrato de Fernando Pessoa"(1964). Momento de contemplação e escuta: a perspectiva, o cubismo, todas as partes num mesmo plano frontal em relação ao espectador, as mãos e o rosto iluminados na sombra, a folha ainda em branco que aguarda a escrita, a luz sobre Orpheu.

Óleo sobre tela. 225 x 226 cm. Coleção Centro de Arte Moderna.

"Lisboa", de Carlos Botelho, avista-se do lado oposto. stop. Terceira sala: painéis com elementos biográficos, apresentados de forma cronológica. stop. Quarta sala: amálgama de tesouros & coisas para distrair: «No canto dedicado ao modernismo e à criação da revista Orpheu estão expostas três obras de Eduardo Viana, Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-Rita Pintor». Seis vitrines mostram documentos, manuscritos e cadernos: «Estão lá cartas que nunca foram mostradas em público, dois bilhetes-postais para Luís de Montalvor (um dos primeiros directores da revista Orpheu), o primeiro dos jornais fictícios de Pessoa, O Palrador, com notícias reais e fictícias, o caderno mais antigo de Pessoa (datado de 1901), onde ele registou as notas do liceu de Durban (era um estudante exímio). O caderno com a primeira mostra caligráfica de Fernando Pessoa e, um outro, onde nasceram os primeiros excertos do Barão de Teive». A famosa arca de madeira do poeta, que foi cedida para a exposição pelo anónimo que a arrecadou, em leilão, em 2008. Curtas metragens balofas (Limite, de Mário Peixoto, e Pessoas, de Carlos Nader). non stop.

Há tesouros. Há Pessoa. Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Mas, sinceramente, sem o fantástico guia que me calhou, teria saído dali com pouca mais-valia em relação ao meu mísero conhecimento do poeta.

28.2.12

O meu olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar

Alberto Caeiro

27.4.11

Nevoeiro



O primeiro e único livro em português que Fernando Pessoa publicou em vida foi MENSAGEM (1934), um “livro de versos nacionalistas”, composto ao longo de cerca de duas décadas. O poeta estruturou-o em três partes, correspondentes a etapas da evolução do Império Português - nascimento (os construtores do Império), realização (o sonho marítimo e a obra das descobertas) e morte (a imagem do Império moribundo, com a fé da ressurreição do espírito lusíada do império espiritual, moral e civilizacional). A terceira parte - Encoberto - evoca um Portugal mais recente, envolto em tristeza, trevas e perda de identidade (a morte). «Nevoeiro» assume esse tom geral de disforia, de tristeza e melancolia.

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!

13.6.10

LIBERDADE


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isso
É Jesus Cristo
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa
(n.13 de Junho de 1888)


Imagem: Capote (2006). Vale a pena. Acrílico sobre tela. 100x100 cm

29.5.09

Poesia na Publicidade


Foram vários os poetas que trabalharam em Publicidade. Em 1928, a Coca-Cola entra no mercado português e Fernando Pessoa fica encarregado de criar um slogan para o produto: «Primeiro estranha-se, depois entranha-se». A bebida entranha-se mas a Direcção de Saúde entende que o slogan é o próprio reconhecimento da sua toxidade (enfim, a origem americana também era tóxica para o regime) e é proibida a sua representação em Portugal. Não obstante, o slogan quase se converte num provérbio. O mesmo acontece mais tarde com o famoso «Há mar e mar, há ir e voltar» de Alexandre O'Neill, encomendado pelo Instituto de Socorros a Náufragos. Mas, de O'Neill, desconhecia outros slogans, nomeadamente os que não foram aceites pelas agências ou anunciantes. Por exemplo, para a mesma campanha do ISN, teria havido a versão - «Passe um Verão Desafogado». Absolutamente divinal é o slogan que propôs para uma campanha da Bosch: «Bosch é Brom». Que pena o risco azul! Ou este, que não terá passado de uma brincadeira para o Metro de Lisboa: «Vá de Metro, Satanás».
Ary dos Santos também foi um famoso copy-writer: na memória ficou «Cerveja Sagres, a sede que se deseja» inventado em finais dos anos 1960.


Alguém conhece outros slogans criados por poetas/escritores portugueses?


10.12.08

Espessura. ou linguagem nenhuma


Ponta Delgada e Lisboa
Fotos MRF


Se às vezes digo que as flores sorriem
E se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque só sou essa coisa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.

Alberto Caeiro

9.7.07

Senta-te ao colo


Fatyly, que me dizes coisas destas, senta-te também no colo dele, e escuta:


«Escolhi a teoria anarquista - a teoria extrema como V. muito bem diz - pelas razões que lhe vou dizer em duas palavras.

Fitou um momento coisa nenhuma. Depois voltou-se para mim.

- O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais - em tudo, desde família ao dinheiro, desde a religião ao estado. A gente nasce homem ou mulher - quero dizer, nasce para ser, em adulto, homem ou mulher; não nasce, em boa justiça natural, para ser marido, nem para ser rico ou pobre, como também não nasce para ser católico ou protestante, ou português ou inglês. É todas estas coisas em virtude das ficções sociais. Ora essas ficções sociais são más porquê? Porque são ficções, porque não são naturais. Tão mau é o dinheiro como o estado, a constituição da família como as religiões. Se houvesse outras, que não fossem estas, seriam igualmente más, porque também seriam ficções, porque também se sobreporiam e estorvariam as realidades naturais. (...) Empregar todo o nosso desejo, todo o nosso esforço, toda a nossa inteligência para implantar, ou contribuir para implantar, uma ficção social em vez de outra, é um absurdo, quando não seja mesmo um crime, porque é fazer uma perturbação social com o fim expresso de deixar tudo na mesma. (...)

Porque isso de destruir as ficções sociais tanto pode ser para criar liberdade, ou preparar o caminho da liberdade, como para estabelecer outras ficções sociais diferentes (...). Aqui é que era preciso cuidado.»


in Fernando Pessoa, O Banqueiro Anarquista
Ed. Ulmeiro, 1994, pp 14, 23

10.5.07

Para quem tiver insónias

O Fernando Pessoa não tem culpa, a encenação é que é um bocejo. E mal se ouvia o actor José Mora Ramos. O público em geral, mas sobretudo o público escolar (a quem esta peça também é dirigida), merece melhor. para não falar do poeta!

Insónia – A Poesia de Pessoa feita Teatro
Texto de Fernando Pessoa pelo Teatro Tejo

22.3.07

Wordsong às 22h30 no Mercado Negro


Wordsong é o premiado e criticamente aclamado projecto multimédia em que Pedro d'Orey (Mler If Dada), Alexandre Cortez (Rádio Macau), Nuno Grácio, Filipe Valentim (Rádio Macau) e alguns artistas convidados (como João Peste dos Pop dell'Arte, JP Simões ou Vítor Rua) transformam, manipulam, desconstroem e reconstroem em experiências sonoras de formato melódico-electrónico a poesia de autores portugueses. Partindo das obras de Al Berto e Fernando Pessoa, os Wordsong trazem-nos um evento único, numa abordagem transdisciplinar que combina música e o trabalho vídeo de Rita Sá, interpretando as palavras dos dois poetas com total liberdade criativa.

6.7.05

Sentir a vida correr por mim

Dou comigo a fazer uma selecção de poemas e a pensar que há trabalhos piores. Obrigada S..
Como vem aí a noite, deixo cair um desses poemas. do Alberto Caeiro.

Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas-noites,
E a minha voz contente dá as boas-noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o mundo,
A tarde suave e os ranchos passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito,
E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.

2.6.05

Let there be love


Dennis Okanovic

A proposta é enroscarem-se bem no sofá a ouvir John Pizzarelli. E procurar aquele sentir de Pessoa ou Alberto Caeiro______ Leve, leve, muito leve, um vento muito leve passa, e vae-se, sempre muito leve. E eu não sei o que penso nem procuro sabel-o.

Da Vinci Eyes
Do álbum Let there be love

How My Heart Beats For You
Do álbum Live at Birdland [Live]

The Rare Delight of You
Do álbum The Rare Delight of You