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22.5.12

Sobre colonialismo e pós-colonialismo #3


Antes de continuar, ainda com Aimé Césaire, deixo a sugestão de uma obra que reune diversos artigos centrados em 3 grandes temas: literatura de viagens, multiculturalismo e pós-colonialismo. O título da obra: "The paths of multiculturalism : travel writings and postcolonialism : precedings for the Mossel Bay Workshop of the XVIth Congress of the International Comparative Literature Association" (Lisbon : Cosmos, 2000). Os autores são especialistas de diferentes países de cada continente. Devo dizer que a leitura foi bastante estimulante, permitindo estabelecer pontes entre diferentes conceitos__ e diferentes escritores....

Deixo como exemplo um fragmento do artigo de Peter Merrington, «A staggered orientalism: the Cape-to-Cairo idea»:

"
For Hegel, Africa had no history. (...) He makes an exception, however, for two sites on the Mediterranean seabord of Africa - Phoenician Carthage, and Egypt. (...)
Numerous authors writing of the Cape in the decades of the «new imperialism», roughly from 1870 to the 1920s, imitated this Hegelian structure, in historical speculation, in travel writing, and in fiction
.» [p. 105]

Bem, há um autor português que cabe inteiramente nesta afirmação. Pensem em Eça de Queirós (
De Port Said a Suez, 1869; A Relíquia ,1887; O Egipto ,1926, póstumo).

 A obra que referi teve como coordenadores Maria Alzira Seixo, Graça Abreu, Linda Labuschagne e John Noyes.

2.2.10

Cultura: Metodologias e Investigação


O livro Cultura: Metodologias e Investigação teve a coordenação da investigadora do Centro de Línguas e Culturas e docente do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro, Maria Manuel Baptista. Esta obra procura fazer o levantamento dos principais desafios teóricos, práticos, metodológicos e académicos desta área do saber, assumindo como ponto de partida para a reflexão a tradição anglo-saxónica dos Estudos Culturais.

O presente trabalho parte da constatação de que a investigação e o ensino da Cultura se tornaram, particularmente na última década, realidades cada vez mais presentes nos contextos universitários. Esta realidade deve-se, em primeiro lugar, à valorização social crescente que tem sido concedida a esta área, quer nos mais latos e clássicos domínios da formação humanística e artística, quer enquanto factor de conhecimento e compreensão das novas dinâmicas sociais e culturais da contemporaneidade.

Acresce ainda a esta valorização académica e social, a tomada de consciência generalizada do potencial económico que detém, tendo mesmo nascido recentemente uma área científica auto-designada por Economia da Cultura. Partindo deste reconhecimento, o presente trabalho procura fazer o levantamento dos principais desafios teóricos, práticos, metodológicos e académicos desta área do saber, assumindo como ponto de partida para a reflexão a tradição anglo-saxónica dos Estudos Culturais, questionando as suas limitações e dificuldades epistémicas, mas também assumindo as virtualidades que lhe são próprias e que se encontram ainda longe de estarem exauridas.

O livro, que recolhe as contribuições de Maria Manuel Baptista, Moisés de Lemos Martins, João Teixeira Lopes, Rosa Cabecinhas, Joaquim Barbosa, Anthony Barker, Maria Manuela Cruzeiro, Alba Carvalho, Dália Dias, Maria do Rosário Fardilha de Girardier, Miquel Beltran e Joan Llinàs, Jean-Marie Rabot e Severino Alves Filho, especialistas nas áreas da Sociologia, Literatura, Estudos Fílmicos, Linguística, Filosofia, Antropologia e Psicologia, foi editado em parceria pelo Centro de Línguas e Culturas e a Editora Ver o Verso.
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Os temas desenvolvidos são variados. Reflexão sobre metodologias: etnografia dos públicos em acção, representações sociais, metodologias em estudos de cinema, história oral; Investigações: comportamentos de risco nas sociedades pós-modernas, a defesa do livre arbítrio em Miguel de Barrios, o S. João em Campina Grande (Brasil),... O meu artigo intitula-se «(Inter-)Identidade portuguesa na narrativa queirosiana sobre o colonialismo» (pp. 167-188).

Acabo de ver esta obra em destaque na Oficina do Livro (em Aveiro). Façam o favor de parar um bocadinho, folhear e... comprar! ;)

15.6.09

Casa do Avô de Eça de Queiroz em Verdemilho

Curiosamente, a citação com que Marques Gomes inicia a obra Aveiro Berço da Liberdade - O Coronel Jeronymo de Moraes Sarmento, é também escolhida por Joaquim de Mello Freitas no seu texto «Casa do Avô de Eça de queiroz em Verdemilho» (incluido em Eça de Queiroz, Dicionário de Milagres e outros escritos dispersos, Lello & Irmão - Editores Porto, edição de 1980 conforme a edição de 1900):

Entretanto foi na cidade de Aveiro que se ouviu o primeiro grito da restauração da Pátria.
Soriano, Vida de Sá da Bandeira, t. I, pág. 141


Ao que segue o seguinte (primeiro) parágrafo:

"As ruínas que hoje aparecem em estampa são destroços de grande prédio construído no lugar de Verdemilho, à volta de 1835, pelo desembargador Joaquim José de Queiroz, avô paterno do romancista."


Continua

28.3.09

No Moinho

Jean Baptiste Camille Corot
Saulaie à Saint Nicolas près Arras, 1858-1860



D. Maria da Piedade era considerada em toda a vila como uma «senhora-modelo». O velho Nunes, director do Correio, sempre que falava nela, dizia, acariciando com autoridade os quatro pêlos da calva:
- É uma santa! É o que ela é ! (...)
Poucas vezes saía. O marido, mais velho que ela, era um inválido, sempre de cama, inutilizado por uma doença de espinha (...). Os filhos, duas rapariguitas e um rapaz, eram também doentes, crescendo pouco e com dificuldade, cheios de tumores nas orelhas, chorões e tristonhos. (...)
Vendo-a assim tão resignada e tão sujeita, algumas senhoras da vila afirmavam que ela era beata: todavia ninguém a avistava na igreja, a não ser ao domingo, com o pequerrucho mais velho pela mão, todo pálido no seu vestido de veludo azul.(...) A sua casa ocupava-a muito para se deixar invadir pelas preocupações do céu; naquele dever de boa mãe, cumprido com amor, encontrava uma satisfação suficiente à sua sensibilidade; (...)
Foi por isso grande a excitação na casa, quando João Coutinho recebeu uma carta do seu primo Adrião, que lhe anunciava que ia chegar à vila. (...)
Maria da Piedade olhava-o assombrada: aquele herói, aquele fascinador por quem choravam as mulheres, aquele poeta que os jornais glorificavam, era um sujeito extremamente simples (...) De resto prontificou-se logo a ser a procuradora do primo.
No outro dia foram ver a fazenda. (...) Tinha-se-lhe prendido à orla do seu vestido um galho de silvado e como ele se abaixara para o desprender delicadamente, o contacto daquela mão branca e fina de artista na orla da sua saia incomodou-a singularmente. (...)
O passeio ao moinho foi encantador. Era um recanto de natureza, digno de Corot, sobretudo à hora do meio-dia em que eles lá foram, com a frescura da verdura, a sombra recolhida das grandes árvores, e toda a sorte de murmúrios de água corrente, fugindo, reluzindo entre os musgos e as pedras (...).
E de repente, sem que ela resistisse, prendeu-a nos braços, e beijou-a sobre os lábios, de um só beijo, profundo e interminável. Ela tinha ficado contra o seu peito, branca, como morta: e duas lágrimas corriam-lhe ao comprido da face. (...) ela ergueu-se, apanhou o guarda-solinho e ficou diante dele, com o beicinho a tremer, murmurando:
- É mal feito... É mal feito...
Ele mesmo estava tão perturbado - que a deixou descer para o caminho: e daí a um momento seguiam ambos calados para a vila. Foi só na estalagem que ele pensou: «Fui um tolo!». Mas no fundo estava contente da sua generosidade. (...)
Ouviu que ele partia, sem lhe mudar a cor, sem lhe arfar o peito. (...) Amava-o. (...) e antevia, para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências possíveis, em que se não vê sempre diante dos olhos uma face fraca e moribunda, em que as noites se não passam a esperar as horas dos remédios... Era uma rajada de ar impregnado de todas as forças vivas da Natureza, que atravessava, subitamente, a sua alcova abafada: e respirava deliciosamente... (...)
Então começou para Maria da Piedade uma existência de abandonada. Tudo de repente em volta dela (...) lhe pareceu lúgubre. Os seus deveres, agora que não punha neles toda a sua alma, eram-lhe pesados como fardos injustos. (...) Adrião tornara-se, na sua imaginação, como um ser de proporções extraordinárias, tudo o que é forte, e que é belo, e que dá razão à vida. Não quis que nada do que era dele ou vinha dele lhe fosse alheio. Leu todos os seus livros (...).
E o romanticismo mórbido tinha penetrado tanto naquele ser, e desmoralizara-o tão profundamente, que chegou ao momento em que bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços - e foi o que sucedeu enfim, com o primeiro que namorou, daí a dois anos. Era o praticante da botica.
Por causa dele escandalizou toda a vila. E agora deixa a casa numa desordem, os filhos sujos e ramelosos, em farrapos, sem comer até altas horas, o marido a gemer abandonado na sua alcova, toda a trapagem de emplastros por cima das cadeiras, tudo num desamparo torpe - para andar atrás do homem, um manganão odioso e sebento, de cara balofa e gordalhufa, luneta preta com grossa fita passada atrás da orelha e bonèzinho de seda posto à catita. Vem de noite às entrevistas de chinelo de ourelo; cheira a suor; e pede-lhe dinheiro emprestado para sustentar uma Joana, criatura obesa, a quem chamam na vila «a Bola de Unto».

Eça de Queiroz

«No Moinho», in Contos, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, 2002, pp. 49-63