Obra: [Contos de] Princípio, MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO,
in Princípio e Outros Contos
Ed: Publicações Europa-América, Lisboa, 1985
Tema: «RELAÇÃO ENTRE HOMENS»
«LOUCURA»
Eu e Raul conhecemo-nos desde os bancos do Liceu. (...)
Eu perdoava-lhe sempre... (...)
... a nossa mútua antipatia transformou-se em simpatia mútua. Eu aceitei os seus olhos e os seus cabelos; ele tolerou a minha cor terrosa, e grande intimidade se foi estreitando entre nós.
...uma convivência sempre quotidiana foi acompanhando, avigorando a nossa amizade.
pp. 8-9
Raul continuava a ser o meu confidente. Expunha-lhe todos os meus projectos, todas as minhas esperanças: era ele a primeira pessoa que ouvia ler as minhas obras.
p. 15
Raul estimava-me muito. Se há amigos verdadeiros, ele era um amigo verdadeiro.
p. 16
Notícias pessoais – isto é, notícias da alma – faltavam.
p. 25
Dantes, só um homem me atraía; agora era também uma mulher... uma mulher encantadora, uma criatura ideal. Raul e Marcela – dizia-se – não eram dois esposos, eram dois amantes.
p. 30
Marcela apareceu sem saber da minha presença. Ao ver-me, estacou ruborizada. É que estava positivamente nua. (...) Raul, ao notar a sua perturbação, soltou uma cristalina gargalhada e – voltando-se para mim – clamou:
- Já que não posso mostrar a ninguém a minha melhor obra, ao menos que a conheças tu... Eu nunca tive segredos para ti!...
Com um puxão, despojou Marcela do seu leve vestuário... Numa aparição ideal, eu vi o seu corpo inteiramente nu... Que corpo... Nos braços, nas pernas, nos seios, havia nódoas negras: eram escoriações de amor, compreendi... A visão durou um segundo... Ela fugiu chorando...
........................................
Um louco... Um louco, não havia dúvida.
p. 35
... a minha intimidade com a sua mulher era pequena. Limitava-se à conversação banal das pessoas que se conhecem. Havia mesmo um certo embaraço entre nós desde a cena extraordinária que narrei.
p. 43
«O escultor faz corpos – dizias – o escritor faz almas...» Da nossa colaboração vai sair a vida!
p. 52
O meu amigo levou-me para a estrada da Praia das Maças. O silêncio era absoluto. (...)
- Ciumento? Sim... Tenho tido ciúmes... de ti, sobretudo. És o meu melhor amigo... e isso acontece sempre com os melhores amigos...
Tapei-lhe a boca inclinado:
- Repara no que dizes, hein?!
- Perdoa-me... perdoa-me... - implorou. Sou tão infeliz...(...)
p. 65
«O SEXTO SENTIDO»
Patrício da Cruz, primoroso contista – acercou-se do Dr. Gouveia e, durante toda a noite, os dois conversaram isolados.
(...) desde aí que eu notei uma grande mudança no pobre Patrício. (...) agora, fugia de todos os amigos – de mim próprio, aquele cujo convívio mais lhe agradava.
p. 185
Mais vale desabafar, confiar em ti – o meu único amigo sincero, agora o sei.
p. 185
... soube que todos eram amigos falsos, miseráveis hipócritas – excepto tu, excepto só tu!...
p. 187
in Princípio e Outros Contos
Ed: Publicações Europa-América, Lisboa, 1985
Tema: «RELAÇÃO ENTRE HOMENS»
«LOUCURA»
Eu e Raul conhecemo-nos desde os bancos do Liceu. (...)
Eu perdoava-lhe sempre... (...)
... a nossa mútua antipatia transformou-se em simpatia mútua. Eu aceitei os seus olhos e os seus cabelos; ele tolerou a minha cor terrosa, e grande intimidade se foi estreitando entre nós.
...uma convivência sempre quotidiana foi acompanhando, avigorando a nossa amizade.
pp. 8-9
Raul continuava a ser o meu confidente. Expunha-lhe todos os meus projectos, todas as minhas esperanças: era ele a primeira pessoa que ouvia ler as minhas obras.
p. 15
Raul estimava-me muito. Se há amigos verdadeiros, ele era um amigo verdadeiro.
p. 16
Notícias pessoais – isto é, notícias da alma – faltavam.
p. 25
Dantes, só um homem me atraía; agora era também uma mulher... uma mulher encantadora, uma criatura ideal. Raul e Marcela – dizia-se – não eram dois esposos, eram dois amantes.
p. 30
Marcela apareceu sem saber da minha presença. Ao ver-me, estacou ruborizada. É que estava positivamente nua. (...) Raul, ao notar a sua perturbação, soltou uma cristalina gargalhada e – voltando-se para mim – clamou:
- Já que não posso mostrar a ninguém a minha melhor obra, ao menos que a conheças tu... Eu nunca tive segredos para ti!...
Com um puxão, despojou Marcela do seu leve vestuário... Numa aparição ideal, eu vi o seu corpo inteiramente nu... Que corpo... Nos braços, nas pernas, nos seios, havia nódoas negras: eram escoriações de amor, compreendi... A visão durou um segundo... Ela fugiu chorando...
........................................
Um louco... Um louco, não havia dúvida.
p. 35
... a minha intimidade com a sua mulher era pequena. Limitava-se à conversação banal das pessoas que se conhecem. Havia mesmo um certo embaraço entre nós desde a cena extraordinária que narrei.
p. 43
«O escultor faz corpos – dizias – o escritor faz almas...» Da nossa colaboração vai sair a vida!
p. 52
O meu amigo levou-me para a estrada da Praia das Maças. O silêncio era absoluto. (...)
- Ciumento? Sim... Tenho tido ciúmes... de ti, sobretudo. És o meu melhor amigo... e isso acontece sempre com os melhores amigos...
Tapei-lhe a boca inclinado:
- Repara no que dizes, hein?!
- Perdoa-me... perdoa-me... - implorou. Sou tão infeliz...(...)
p. 65
«O SEXTO SENTIDO»
Patrício da Cruz, primoroso contista – acercou-se do Dr. Gouveia e, durante toda a noite, os dois conversaram isolados.
(...) desde aí que eu notei uma grande mudança no pobre Patrício. (...) agora, fugia de todos os amigos – de mim próprio, aquele cujo convívio mais lhe agradava.
p. 185
Mais vale desabafar, confiar em ti – o meu único amigo sincero, agora o sei.
p. 185
... soube que todos eram amigos falsos, miseráveis hipócritas – excepto tu, excepto só tu!...
p. 187
«A PROFECIA»
Amigo íntimo do desventurado e herdeiro dos seus papéis, eu era até agora a única pessoa a conhecer a verdade (...)
p. 199
É tempo de derruir lendas que poderiam ofuscar a glória do seu nome.
p. 199
«O INCESTO»
(Noronha) amigo de infância de Luís, um companheiro leal de todos os dias, que estivera sempre junto dele nas horas alegres e tristes.
p. 224
Amigo íntimo do desventurado e herdeiro dos seus papéis, eu era até agora a única pessoa a conhecer a verdade (...)
p. 199
É tempo de derruir lendas que poderiam ofuscar a glória do seu nome.
p. 199
«O INCESTO»
(Noronha) amigo de infância de Luís, um companheiro leal de todos os dias, que estivera sempre junto dele nas horas alegres e tristes.
p. 224
[Imagem: Cruzeiro Seixas, Anda espreitar o que há dentro de um desejo, Tinta da china sobre papel, 20x15 cm, 1969]
3 comentários:
Adorei a sua análise de "loucura". Já conhecia o livro. Fiquei bastante surpreendido e satisfeito por ter incluido o desenho do Cruzeiro Seixas que por acaso sou eu que possuo.
Cumprimentos
Obrigada___ a quem pode contemplar de facto tal desenho.
É verdade! o desenho é intrigante. Voou mares e agora repousa em Ponta Delgada....
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