2.2.09

Grelha de análise (5)

Obra: «FELICIDADE PERDIDA», MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO, 1909
in Princípio e Outros Contos
Ed: Publicações Europa-América, Lisboa, 1985
Tema: DEFINIÇÕES DE AMOR


Estava na plateia. (...) quando de repente os meus olhos se fixaram numa frisa. Ocupavam-no uma senhora idosa, duas crianças e uma rapariga de 18 anos. Escusado será dizer que foi esta última quem atraiu o meu olhar. O seu rosto, que eu via de perfil, era encantador. Vestia de preto. Provavelmente de luto aliviado.
(...) a desconhecida que, cheia de interesse, seguia a representação.
pp. 195-196

De súbito, o seu olhar encontrou-se com o meu... Não tenho nada de tímido, mas foi-me impossível sustentar o brilho dos seus olhos. Abaixei os meus.
Este jogo de olhares durou todo o acto... durou todo o intervalo seguinte... durou até ao fim do espectáculo.
p. 196

Outro que não fosse eu tê-la-ia esperado à porta do teatro, teria indagado a sua morada e depois... depois seriam as cartas de frases inflamadas, a troca de retratos: o amor alfacinha – e julgo que de toda a parte – em suma. Eu não: dirigi-me para minha casa, rapidamente...
O que me levou a proceder assim? Um prazer destruidor; por certo...
p. 196

Não consegui adormecer. Levanto-me... para confessar a verdade: Amo essa desconhecida de quem ainda há pouco desdenhava!... Sim! Amo-a amo-a! Amanhã irei procurá-la. Encontrá-la-ei! O amor é o melhor dos guias...
p. 196

...soube que no começo do ano amava... uma desconhecida, e que estava louco de dor por não a poder encontrar... É curioso! Se não fosse tê-lo assentado nessas páginas nem sequer me recordaria do«trágico sucesso!»... Ah!Ah!Ah!
pp. 197-198

Dizem que toda a gente, durante a sua vida, encontra uma vez, mas uma vez só, a felicidade (...) «Seria essa desconhecida? A minha felicidade?»... Talvez, porque nunca mais a encontrarei. Ninguém pode encontrar uma pessoa que não conhece.
p. 198

Obra: «DIÁRIOS», MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO, 1909
in Princípio e Outros Contos
Ed: Publicações Europa-América, Lisboa, 1985
Tema: DEFINIÇÕES DE AMOR


É verdade: ainda há a priminha... Mas nessa nem vale a pena falar. Modesta, é por isso mesmo desprezada por todos. Tosse continuamente. Não deve incomodar por muito tempo. Pesaroso, fizeram-me até essa confidência...
pp. 189-190

Vi hoje uma rapariga muito parecida com a prima do meu amigo.
p. 190

Durante quase duas horas estive falando sozinho com a «prima»... Elisa, é o seu nome... Que felizes horas! (...)
Fui encontrar no meio de toda aquela futilidade um ente que odeia tudo quanto é fútil... falámos de mil coisas... de música... e de amor... Que crueldade! Falar de amor com uma criatura que já não tem tempo para amar... (...) talvez a viesse a amar, mas não se ama uma morta...
p. 190

E é formosa... formosa de uma formusura etérea, que já não é deste mundo. As faces pálidas, os lábios descorados; mas uns olhos tão negros, tão brilhantes... uns cabelos tão lindos...
p. 190

Falar de amor é falar de «esperança», é falar do «futuro»; (...) Se não fosse o seu estado, talvez a viesse a amar.
p. 190

Poder-se-á amar uma morta?
p. 190

Quase que não tosse, as faces estão coradas e não tem febre, os lábios rosados... tão rosados, tão viçosos... com que prazer os beijaria... Beijei-os!... Que sabor encontrei nesse beijo ardente... um sabor acre, estranho... o sabor da paixão!
p. 191

Amo! Amo pela primeira vez! Como sou feliz! Ah! Como sou feliz! Amor sem esperança é o meu... Mas que importa? Um prazer doloroso é o melhor prazer.
p. 191

A história do meu amor é bem simples: começou pela compaixão e terminou na paixão... na mais ardente paixão!... E, no entanto, não posso dizer que o meu amor seja eterno... A morte não poupa ninguém...
p. 191

Poderá haver algum martírio mais horrível do que o meu?... Amar o impossível... amar a morte!...
p. 191

Faz hoje um mês... quero vê-la... quero vê-la!... Quero beijar-lhe a boca...quero estreitar o seu corpo contra o meu... quero confundir a sua alma com a minha... Quero-a! Quero-a! Vou partir...
...
Os jornais do dia seguinte anunciavam, com efeito, o seu suicídio.
p. 191



[Imagens: Duma, série Glam, Óleo sobre tela, 100 x 100 cm, 2008]

2 comentários:

Bandida disse...

o amor será sempre trágico?

Duma disse...

Gosto destas imagens! ;-)
Obrigada!
Duma