9.9.08

Meu querido mês de Agosto

O ano passado, em Agosto, andei por aldeias quase invisíveis, escondidas por mares de granito, marões, muitos, parentes do único Marão da pátria de Torga ou, mais a Sul, nascidas à beira da Estrela (que só por isso a Beira é a Beira, à beira da serra), algumas célebres pelas suas ruínas, lugares que deixaram de ser o que eram e que existem agora com outra alma, a custo, ainda dependentes da riqueza que se atribuir às pedras mais ou menos soltas ou agregadas, esculpidas ou torturadas, que escaparam a séculos ou a décadas de abandono. Terras que são de quem lá ficou ou de quem foi para longe, para muito longe, mas volta sempre, custe o que custar, para carregar o Santo ou abraçar compadres. Terras de suas gentes, velhas, pobres, saudosas de frutos e filhos, mas inertes. Ou terras que seguraram a última candeia e se transformaram em coisa híbrida, fruto da fusão da cultura rural original com os valores do novo turismo, histórico ou alternativo.

É o nosso império, e a soma de todas estas maravilhas não pode vir a ser uma ruína sem pés nem cabeça. Mas, antes que a memória, o desejo, os sinais, as trocas, até o nome, se alterem novamente, convém ir até lá.

«Aquele Querido Mês de Agosto» foi filmado no decorrer dos verões de 2006 e 2007, em concelhos da região centro: Arganil, Góis, Pampilhosa da Serra, Oliveira do Hospital e Tábua. O filme de Miguel Gomes é uma dessas viagens obrigatórias. Documentário e ficção são interlaçados de forma brilhante e original. É uma dádiva estranho-familiar, uma obra portuguesa até às entranhas. É uma comédia de costumes, um auto dos Verões numa pátria rústica, em que miséria e sonhos, saudade e folia são embalados com canções pimba de bailaricos. Agosto de emigrantes e de romances, de tradições que resistem ao mal e, deixemo-nos de romantismos, ao bem, que nem sempre há tino ou horizontes para mais.

No elenco, actores não profissionais e naturais dos locais onde se desenrola a acção: Sónia Bandeira, Fábio Oliveira, Andreia Santos, Armando Nunes, Manuel Soares, além de Luís Marante, cantor e compositor romântico do Agrupamento Musical Diapasão. Neste fragmento, uma das revelações, Sónia Bandeira. E eu acho que ela vai deixar de ser vigia na montanha e que, em vez de evitar incêndios, vai passar a provocá-los no palco ou noutras telas.

2 comentários:

Nuno Dempster disse...

É um filme e tanto. Consolei-me. Ando cansado de meridianos medianos ou nem isso.

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Concordo. Também eu saí de lá com a alma cheia. E no entanto, tão óbvio! Era preciso este filme, era precisar falar a sério e "a brincar" desta periferia que tantos querem esquecer. As formas de narrativa encontradas, os dois registos, documentário e ficção, muito bem delineados. Um guião estruturado a partir do caos, original, divertido, eficaz! A fotografia, o som, os registos do quotidiano, as estórias, o making of do filme - de toda a equipa que também integra o filme, muito bom.