10.5.07

A Mulher que prendeu a chuva #1

A chuva, ouvi dizer uma delas. Foi por causa da chuva (...)
Foi por causa da chuva, repetiu.
Não chovia há muito tempo e tudo tinha começado a morrer. Até as árvores e os pássaros. As pessoas tropeçavam em pássaros mortos. (...).
Tudo tinha secado, a terra abria fendas, ouvi a mulher dizer ainda. Gretada de falta de água. A terra tinha feridas na pele. Animais morriam. Pessoas morriam. Crianças morriam. O ribeiro secou. O céu secou. As folhas torciam-se, nas árvores, e depois também as árvores secavam. (...)
Então começaram vozes, nas pessoas da aldeia (...)
Alguém era culpado pela seca. E depois começaram as vozes, na aldeia, de que a culpada era aquela mulher. Outros diziam que não. Ninguém sabia ao certo. Mas a seca não acabava, e tudo continuava a morrer.
Até que chamaram o feiticeiro. Acenderam o lume e queimaram ervas e ele bebeu o que tinha que beber e ficou toda a noite a murmurar palavras que ninguém entendia. Pela manhã vieram os Mais Velhos e ele disse que era por causa da mulher. Foi isso que ele disse e todos ouviram: Aquela mulher prendeu a chuva.
Então os Mais Velhos entenderam o que se ia passar e olharam para o chão, porque tinham piedade da mulher que vivia sozinha, afastada da aldeia. Muito tempo antes o marido tinha-a abandonado e morrera-lhe um filho e ela tinha chorado tanto que o seu corpo tinha secado, os seus olhos tinham secado, toda ela se tinha tornado um tronco seco, dobrado para o chão. Tinha-se tornado bravia como um animal, nunca se ouvia falar, só gemia, e gritava às vezes de noite.
Essa mulher, repetiu o feiticeiro olhando para o chão.
Acendeu o cachimbo e soprou devagar o fumo: Ela prendeu a chuva.
Mas ninguém queria matá-la. E também o feiticeiro disse que não era por sua vontade.
Ficaram parados, como se esperassem. Todos os da aldeia, sentados debaixo de uma árvore. E o tempo também parou, e não passava.(...)
Então um jovem ofereceu-se. Eu vou, disse. Como se fosse igual matar a mulher, ou ser morto.(...)
Ele foi ter com ela à cabana e passou a noite com ela. Dormiu com ela e fez amor com ela. Passou-lhe as mãos no sexo, nos seios, nos cabelos, acariciou-a com ternura e depois apertou-a com os braços, como se fosse outra vez fazer amor com ela, apertou mais e mais, em torno do pescoço até sufocá-la. E depois veio cá fora da cabana, com a mulher morta nos braços e deitou-a na terra e todos caminharam em silêncio em volta. (...)
E então começou a chover, disse a mulher. Então começou a chover.


Fragmento do conto A Mulher que Prendeu a chuva, in: A mulher que Prendeu a Chuva, de Teolinda Gersão
(Sextante)

Sem comentários: