4.6.09

Publicidade na Poesia #3

Henri Matisse
Decorative Figure on an Ornamental Background1925-26




Apenas Deus os teria contados

mas a publicidade aos produtos Bioscalin
garante inquietantes milagres capilares
e revela
são 130 mil os cabelos da nossa cabeça


José Tolentino Mendonça
in A Estrada Branca
Assírio & Alvim, 2005

3.6.09

Vivemos uma democracia de audiência

Finalmente um bom artigo no Público. Para que fique em arquivo, transcrevo na íntegra.

«Portugal tem uma sociedade civil anestesiada, os partidos estão longe do povo e as suas direcções controlam a constituição das listas eleitorais, cujo processo é o jardim secreto da política.

O sistema político português está bloqueado e uma larga maioria dos cidadãos deixou de se reconhecer nos partidos políticos existentes, que funcionam de forma oligárquica e sonegaram a soberania popular, que lhes é delegada pelo voto e que deveriam representar. Este diagnóstico é a conclusão que ressalta da obra O Povo Semi-Soberano. Partidos Políticos e Recrutamento Parlamentar em Portugal, que identifica e analisa as especificidades portuguesas da crise dos sistemas políticos representativos.

"Vivemos uma democracia de audiência, feita de comunicação social, sondagens e líderes, em que há uma espécie de sondocracia, de videocracia e de lidercracia", resume Conceição Pequito, explicando as novas condições em que é exercida a política: "As sondagens funcionam como um escrutínio permanente ao eleitorado e é desse escrutínio que saem as ofertas políticas que os partidos direccionam, como produtos no mercado, para rentabilizar votos. Depois há a questão da videocracia, com o peso da comunicação social, que personaliza, por sua vez, os líderes. Tudo isto se vai afunilando, até que torna a sociedade civil claustrofóbica".

Esta situação é geral, mas Conceição Pequito considera que "nos outros países é menos preocupante, porque há sociedade civil". E explica que "nas democracias consolidadas a crise dos partidos tem sido compensada com o alargamento do repertório das formas de participação política, que reforça a participação na representação".

Mas em Portugal "a componente participativa só começa a existir com a introdução do referendo na Constituição em 1997". A democracia nasceu "com uma componente de democracia participativa nula, a que há é recente e os cidadãos não se mostraram receptivos. Até à data, não tem corrido muito bem". E lembra a história dos referendos e a altíssima abstenção que os tornou não-vinculativos.

"Envelhecimento precoce"
As "tendências transversais" a todos os sistemas políticos europeus são agravadas em Portugal pelo facto de ser "uma democracia demasiado jovem, mas com traços de envelhecimento precoce". Conceição Pequito considera que "é preocupante" que o sistema político português esteja "a dar saltos qualitativos para limitações do sistema democrático consolidado, mas em fase precoce". Ou seja, a sociedade está distanciada dos partidos e o povo não se sente neles representado.

Apontando as causas da especificidade portuguesa, Conceição Pequito refere em primeiro lugar a "democratização tardia", que fez com que os partidos políticos fossem "criados de cima para baixo nessa altura ou próximo, "à excepção do PCP, que existe desde 1921 com um longo passado de clandestinidade". Ora, prossegue esta investigadora, o processo é assim inverso ao dos partidos europeus que "nascem para dar voz a grupos ou classes sociais pré-existentes, para politizar clivagens que existem na sociedade, são na esfera institucional uma espécie de correia de transmissão do tecido social".

Em Portugal, "os partidos são autores e actores da democracia, todo o sistema é feito pelos partidos", vão para o Governo, vão para o Parlamento, vão para o poder local e, "só depois de instalados na esfera institucional, vão à procura da representação popular", em meados dos anos 80.

Exemplo é a ligação que os dois maiores partidos têm com as organizações sindicais ou patronais. "O PCP entra na CGTP e o PSD e o PS ficam ali dois anos hesitantes para criar um movimento representativo dos trabalhadores para responder ao avanço do PCP", lembra, prosseguindo: "E tiveram de concordar numa criação conjunta da UGT, porque a UGT é uma espécie de prestação de serviços; quando o PSD está no Governo, presta-se a assinar os acordos, e com o PS o mesmo".

Recorda o facto de "o PS e o PSD nascerem já como partidos de eleitores" que pretendem acesso ao poder, fazendo-o com a conquista do voto e através de um apelo transversal, "procurando não estar muito à esquerda, não estar muito à direita, estar ao centro". Daí "falar-se de bloco central de interesses, quando se fala da partilha dos despojos do poder político entre o PS e o PSD", o que, "ao nível da sociedade, teve um efeito perverso, que foi situar o eleitorado muito ao centro, o eleitorado moderado que está mais disponível para um discurso mais ambíguo, mais definido por factores de curto prazo como sejam a situação económica o desempenho do Governo, o apelo carismático do líder".

A segunda especificidade portuguesa é que os partidos foram também criados "em torno das figuras dos líderes e cada saída de um líder dá quase uma crise de sucessão e de perda de eleitorado e de descaracterização", o que "mostra a fragilidade, como os partidos acabam por ser quase sinónimo dos líderes conjunturais e não instituições com implantação social e ideologia sólida". Alem disso, os partidos portugueses nascem "em época mediática" e a "mediatização da política junta-se à personalização, são fenómenos que se alimentam mutuamente". E Conceição Pequito pergunta: "Quando o que interessa é o líder e os dirigentes de topo e o palco é a TV, os partidos servem para quê?"

Há uma outra particularidade portuguesa que é "um funcionalismo público partidarizado", o que, aliás, é tradição da história portuguesa e não uma particularidade da democracia pós-25 de Abril. "Há os despojos de partido, há um clientelismo partidário e estatal que dá a possibilidade de colocar pessoal no aparelho de Estado", afirma Conceição Pequito, acrescentando que Portugal "não é como a Inglaterra, que tem um serviço público autónomo da classe política".

O Povo Semi-Soberano. Partidos Políticos e Recrutamento Parlamentar em Portugal, publicada pelas Edições Almedina, divulga para o grande público a tese de doutoramento em Ciência Política defendida em 2008 por Maria da Conceição Pequito Teixeira. Esta investigadora de 37 anos é professora de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa e da Universidade Aberta. A tese foi elaborada sob orientação de Adriano Moreira, professor catedrático jubilado, ex-ministro da Educação e do Ultramar de Salazar e antigo líder do CDS, que, aliás, é autor do prefácio. O co-orientador foi Julían Santamaria Ossorio, director do Departamento de Ciência Política na Universidade Complutense de Madrid.

As reformas
Como, "institucionalmente, não há democracia sem partidos", é preciso procurar ultrapassar o impasse criado pelo afastamento dos cidadãos da política. Para isso, Conceição Pequito defende que há muito a mudar no funcionamento dos partidos, em passos firmes, mas sem radicalismos. "A reforma que está por fazer em Portugal tem de começar primeiro pelos partidos, depois pelo sistema eleitoral" e finalmente é preciso "discutir o sistema de Governo", declara esta investigadora. "Só assim podemos querer aliciar a sociedade civil" para a participação partidária.

Primárias para as listas
A adopção pelos partidos de eleições primárias internas para todos os cargos electivos, "sistema que é já usado na Europa", é defendida por Conceição Pequito. "Quem escolhe os candidatos são os directórios nacionais e, quando muito, locais", mediante regras que não são transparentes e critérios que são desconhecidos, afirma. Ora isto dá "espaço de manobra a tudo o que é patrocínio e clientelismo". E frisa que "a constituição das listas é o jardim secreto da política, é onde tudo se decide, o alinhamento é calculado ao milímetro tendo em conta a constituição do Governo e as nomeações políticas".
Por isso propõe que haja "descentralização da decisão para os militantes" e que o processo "se torne mais institucional, mais formal, mais transparente". E logo mais apelativo para a militância: "O militante diria: eu escolho os candidatos à Assembleia da República, ao Parlamento Europeu, ao poder local, ou seja, eu tenho uma palavra a dizer no meu partido sobre o pessoal político e as estratégias de recrutamento do pessoal político que exercem cargos públicos electivos. Era um sinal que os partidos davam à sociedade. Era um novo direito, um novo poder de decisão, de participar na decisão sobre quem governa."

Referendos internos
"Os referendos internos para as questões programáticas" deviam ser adoptados, sublinha esta investigadora, como forma de promover o debate programático e dar "combate à fulanização da política". Conceição Pequito defende que os partidos usem as novas tecnologias de informação, mas não dando a estas um papel redutor, já que o acesso ao computador cria novas clivagens sociais e exclusões. Contudo, diz que "não faz sentido" a eleição directa do líder pelos militantes. "Muitos partidos europeus estão a voltar ao congresso, pois a eleição directa é uma guerra de personalidades, sem discussão programática".

Círculos menores e listas abertas
Defende a manutenção do sistema proporcional mas com diminuição dos círculos eleitorais e a adopção de listas plurinominais abertas, em que o eleitor escolha o partido e, se quiser, escolha o seu candidato. Sendo que esta indicação serve para ordenar a entrada em primeiro lugar dos mais votados nominalmente. Uma reforma idêntica à proposta por André Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira no estudo Para uma melhoria da Representação Política, editado pela Sextante, e realizado por encomenda do PS.

Não aos independentes
A investigadora opõe-se frontalmente às candidaturas de independentes à Assembleia da República. "Isso era um risco muito grande de populismo", afirma, alertando: "Nós, em Portugal, não estamos sequer preparados para governos de coligação, como é que estamos preparados para a balbúrdia de partidos com independentes? Não acredito que tenhamos sociedade civil preparada para isso nem classe política para o efeito."
E, veemente, insiste: "Temos um legado histórico com uma sociedade civil muito fraca, que vem da Monarquia Constitucional, vem da Primeira República, vem do Estado Novo, com o seu paternalismo que é conhecido. E no pós-25 de Abril, com as maiorias absolutas ou quase absolutas, anestesiou-se a sociedade civil." Este legado histórico levou a que para a maioria dos portugueses "a estabilidade é sinónimo de governos maioritários ou monocolores", quando, "por essa Europa fora, o que mais existe são governos de coligações, às vezes até promíscuas, juntando forças partidárias que não têm nada a ver e que conseguem o milagre de governar legislaturas completas", argumenta Conceição Pequito, acrescentando que em Portugal, "quando, nos estudos, se pergunta ao eleitorado se prefere governos de maioria absoluta ou de coligação, a maioria responde de maioria e de um só partido".
E questiona, contundente: "Quem são os candidatos independentes no poder local? São pessoas que de independente têm muito pouco, são pessoas que tiveram vida partidária e que se desentenderam com o partido." Prosseguindo no diagnóstico, afirma: "E desentenderam porquê? Porque não obtiveram o que queriam e entram em ruptura, são dissidentes e rebeldes de partidos. Veja Helena Roseta, em Lisboa, Isaltino Morais, em Oeiras, Valentim Loureiro, em Gondomar, Fátima Felgueiras, em Felgueiras." Sublinhando que estes candidatos "não emanam da sociedade civil", garante que "considerá-los da sociedade civil é ser um pouco simpático", uma vez que "eles se agarram à sociedade civil quando os partidos os deixam cair".

Aumentar fiscalização do Governo
"Os partidos na Europa têm optado pela americanização" e "o sistema político tem evoluído para presidencialismo", afirma Conceição Pequito, sublinhando que, "nas legislativas, na prática, é eleito o primeiro-ministro" e o sistema parlamentar está a ser "desvirtuado".
Ou seja, "não se discute o sistema de governo, o Governo é que manda e o Parlamento é uma caixa
de eco", considera Conceição Pequito. "Há governamentalização do Parlamento. Os outros partidos fazem oposição para a televisão. No Orçamento do Estado foram viabilizadas duas propostas da oposição em mais de quinhentas.
E temos um Governo que é refém da figura do primeiro-ministro, temos ministros amestrados, que seguem à linha um guião que lhes é ditado pelo primeiro-ministro, que é uma espécie de chanceler. O próprio partido que apoia o Governo desaparece. Sendo que o Governo ainda determina os cargos de nomeação política", frisa de forma crítica, questionando: "Portanto, o que temos? Executivo, executivo, executivo. Não temos mecanismos de fiscalização, estes poderes do Parlamento desaparecem. Mas não vejo discutir esta questão."»

SÃO JOSÉ ALMEIDA PÚBLICO 01.06.2009


Ler:

2.6.09

Publicidade na Poesia #2

Mário Vitória, O Poder do Pigmaleão
Acrílico sobre tela - 150x150 cm - 2007


Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de baptismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camisola, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu ténis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem — anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registadas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso dos outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
Da sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
Ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou — vê lá — anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiram, recolocam,
objecto pulsante mas objecto
que se oferece como signo de outros
objectos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome rectifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente."

Carlos Drummond de Andrade
in O Corpo, Editora Record, 1984



Alguém conhece outros poemas abordando a temática da publicidade?

1.6.09

Come Tenderness

A linguagem de Lisa Gerrard não tem tradução conhecida. É uma glossolalia similar à que as crianças pequenas utilizam para falar ou cantar. é preciso sentir para interpretar.



Lisa Gerrard
Silver Tree

Movimento Pela Igualdade – a favor do casamento civil das pessoas do mesmo sexo


A igualdade no acesso ao casamento civil é uma questão de justiça que merece o apoio de todas as pessoas que se opõem à homofobia e à discriminação.

Após a apresentação do
movimento no cinema S. Jorge (ontem, dia 31-05) em Lisboa, foi colocada online uma petição a favor da igualdade de acesso ao casamento civil por pessoas do mesmo sexo.

Se ainda não subscreveram, deixo-vos o
link.

P.S.:
aNa, já tenho os sapatos de salto alto. estou pronta para o casório ;)


[Imagem: Henri Matisse. Music (Sketch). 1907]

31.5.09

Extensão do Cine’ Eco - Lisboa

[Clicar na imagem para aumentar]



De 31 de Maio e 4 de Junho (Domingo a Quinta-feira) na sala 3 do Cinema São Jorge. Será uma boa oportunidade para verem ou reverem TODAS AS OBRAS PREMIADAS da última edição do Cine’ Eco – Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Ambiente de Seia.

29.5.09

Poesia na Publicidade


Foram vários os poetas que trabalharam em Publicidade. Em 1928, a Coca-Cola entra no mercado português e Fernando Pessoa fica encarregado de criar um slogan para o produto: «Primeiro estranha-se, depois entranha-se». A bebida entranha-se mas a Direcção de Saúde entende que o slogan é o próprio reconhecimento da sua toxidade (enfim, a origem americana também era tóxica para o regime) e é proibida a sua representação em Portugal. Não obstante, o slogan quase se converte num provérbio. O mesmo acontece mais tarde com o famoso «Há mar e mar, há ir e voltar» de Alexandre O'Neill, encomendado pelo Instituto de Socorros a Náufragos. Mas, de O'Neill, desconhecia outros slogans, nomeadamente os que não foram aceites pelas agências ou anunciantes. Por exemplo, para a mesma campanha do ISN, teria havido a versão - «Passe um Verão Desafogado». Absolutamente divinal é o slogan que propôs para uma campanha da Bosch: «Bosch é Brom». Que pena o risco azul! Ou este, que não terá passado de uma brincadeira para o Metro de Lisboa: «Vá de Metro, Satanás».
Ary dos Santos também foi um famoso copy-writer: na memória ficou «Cerveja Sagres, a sede que se deseja» inventado em finais dos anos 1960.


Alguém conhece outros slogans criados por poetas/escritores portugueses?


Publicidade na Poesia #1

Mário Vitória, Anulamento
Acrílico sobre tela - 150x150 cm - 2008



Marketing

Aqui a meu lado o bom cidadão
escolheu Sagres
que é tudo tudo cerveja
a pausa que refresca
a longa pausa de um longo cigarro King Size.
atenção ao marketing.
Eu não gosto de cerveja
mas tenho de gostar que os outros gostem de cerveja
sobretudo da Sagres
para não contrariar os fabricantes de cerveja.
atenção ao marketing.

ninguém contraria os fabricantes da Opel e da Super Silver
nem os fabricantes de alcatifas para panaceias
nem as panaceias nem os códigos e os édredons macios
nem as mensagens de natal dos estadistas
nem os negociantes de armas da Suíça
nem o homem da capa negra que virou costas ao Palmolive.
Está tudo perfeito e deito-me no conforto de um Lusospuma
a ver as procissões a passar mesmo sem anjos mesmo sem anjos
que são agora selvagens e voam numa Harley.
Deito-me e obedeço aos fabricantes do Clarim
que é uma alta onda ou uma onda alta
sem esquecer as fitas do John Wayne e a chama viva do Butagás
e se calhar sentir fome terei toda a frescura serrana
numa fatia de pão.
atenção ao marketing.
Vitonizo-me desodorizo-me atravesso as ruas nas passagens de peões
louvo quem me dizem para louvar e desconfio dos negros americanos
e dos blousons noirs que não usam Lux
e não compram um frigorífico a prestações
e com o meu escudo invisível
protejo-me dos vírus subversivos
sou um bom cidadão sou um bom cidadão
obedeço ao marketing à General Motors e ao Pentágono.
Dantes tinha problemas era o odor corporal
e eu não o sabia até me higienizar seis vezes ao dia com o sabonete das estrelas
e as paradas marciais e os 5-3 do Eusébio à Coreia
e o talco Cadum que ama demoradamente roucamente tepidamente
os corpos que merecem ser amados…
Obedeço ao marketing não contrario.
Ninguém contraria os fabricantes das ideias e os fabricantes do Fula
que é o da cor do sol
ninguém pisa os riscos brancos do tráfego
nem chama os bombeiros sem concorrer ao sorteio
concorro concorro e vejo nos sinaleiros o pai natal vestido de Scotchgard
ninguém sai do emprego antes de assinar o ponto a horas fixas
e gastar o dinheiro da semana sábado à tarde
no Dardo que é tudo a prestações e é mesmo em frente da Música no Coração.
Fazendo Portugal mais alegre com o folclore da TV e a tinta Robbialac
não contrario obedeço obedeço e meto os meninos na cama
quando me dizem vamos dormir.
atenção ao marketing.
Sagres é uma boa cerveja
e eu acabarei por gostar da Sagres
como gosto do Rexina.
Sagres é a pausa que refresca e tem vitaminas
todas as bebidas da televisão têm vitaminas
mesmo as do programa literário que é detergente
e eu uso-as e sou um cidadão perfeito
e até já consigo adormecer com hipnóticos
depois de tomar o Tofa descafeinado
e no Verão visto calções de banho de fibras sintéticas
para me banhar na Torralta
cidadão perfeito perfeitamente bronzeado com o Ambre Solaire.
Também vou arear as caçarolas e os nervos e os miolos
com um pó azul de que não me lembra o nome
não me lembra mas a culpa já não é minha
porque na mesma noite
massajado com Aqua Velva
fiz a barba com Gillette e Schick e Nacet
e fui não sei aonde com a mesma lâmina
e oito dias depois (eu era actor ou toureiro?)
a lâmina ainda me escanhoou mais uma barba
antes de eu descer no aeroporto
onde me esperava um agente de marketing.
Os produtores viram-se à descida do avião
primeiro julgaram que era o filho da Sophia Loren
ou o Onassis mas era eu
e gostaram da minha barba bem feita.
(Da barba bem feita
ou do casaco Dralon que não se amarrotara
durante a viagem da Polinésia para Lisboa?)
Confesso que já não me lembra mas a culpa não é minha
pois na mesma noite
fui o homem de não sei quê que marca o rumo
por vestir regras ou camisas ou calças que não se enrugam
e fartei-me de assistir a discursos e a inaugurações
e fartei-me de comer chocolates Regina e pescada congelada
e de lavar a roupa com Ajax e com o Rino
e de me banhar com Omo ou seja uma onda de brancura
e fiz-me mecânico de automóveis
só para que o cavaleiro da armadura branca
me tocasse com a sua lança mágica
e me pusesse branco branco branco
três vezes branco como as páginas do Reader’s
de cérebro irrepreensivelmente lexivizado
pelos locutores da televisão pela oratória dos políticos
e passado a ferro com um ferro eléctrico automático
que talvez fosse — ou não? — uma enceradora Philips.
Tudo coisas admiráveis e desesperadamente necessárias
que eu devo ao marketing
e me são cozinhadas num abrir e fechar de olhos
nas panelas de pressão
de todo o bom cidadão.
E no intervalo bebi café puro o do gostinho especial
Sical Sical que é um luxo verdadeiro
por pouco dinheiro.
Vitonizado esterilizado comprando e concorrendo
esqueci-me de amar do amor das árvores e do rio
esqueci-me de mim tão entretido estava a admirar a Lisnave
esqueci-me do rio e dos barcos
e da saudade de pedra do Fernando Pessoa
e esqueci-me de sonhar que era marinheiro.
Concorra concorra foi por isso que não reparei
que uma rapariga cortou as veias
talvez fosse com uma Diplomatic
que tem o fio e o silvo de uma espada a degolar avestruzes.
No programa só havia bombeiros
nem uma rapariga a cortar as veias (não não era a Caprília)
nem o rio nem o amor nem a raiva da Venezuela.
Se mágoa sentia era a de ter esquecido
dar murros no espião da Missão Impossível
(atenção ao marketing)
e já não saí de casa para ver o rio
só pelo gosto de me aquecer com uma Ignis.
E na mesma noite noite boa noite branca
fumei Estoril Valetes Kayakes e bebi Compal
depois da Salus e da Schweppes
fumei quilómetros e quilómetros de prazer
quilómetros e mais quilómetros — há um Ford no meu futuro —
mais facturas mais fomes mais prazer
e agora já não sei qual dos cigarros com filtro
me soube melhor.
Foram todos foram todos de certeza
pois se me dizem que preciso do Omo
do Ajax do Estoril do Dralon
do esquentador e das alcatifas sem nódoas
não me preocupo não te preocupes
o Meraklon não preocupa ninguém
mando para o diabo o amor e o rio e a rapariga que cortou as veias
não me preocupo não me preocupo
digo pois pois ao Jota Pimenta e ao Escort
e hei-de virar-me do avesso para os possuir.
Os corpos que merecem ser amados merecem o talco Cadum.
Numa onda de brancura obedeço ao marketing. Sou um bom cidadão.
E na mesma noite
vi umas bombas que caíam muito ao longe
numa lonjura mais longe que a Lua
onde as pessoas podiam estar quietas a fumas Marialvas
e a lavarem-se com Rino que lava lava lava
lava três vezes mais lava ou mata que se farta
e me ajuda a ser bom cidadão.
atenção ao marketing.
Vi uns homens a inaugurarem estátuas
e vi fardas e paradas e conferências
e crianças a sorrir
para os homens sorridentes que inaguravam estátuas
e vi homens que falavam e pensavam por mim
a escolherem por mim o bom e o mau
de modo a que eu não possa ser tentado
a confundir o mau com o bom ou vice-versa ou vice-versa.
Deitado no conforto de um Lusospuma
vi os porcalhões dos hippies nas ruas de Estocolmo
bem longe nas ruas de Estocolmo
mesmo a pedirem uns safanões
dos homens que acariciam crianças
e têm todas as verdades na mão
só para que eu seja um bom cidadão.
É isto: marco o rumo. As minhas cuecas marcam o rumo.
Preciso e gosto de uma data de coisas
e só agora o sei.
Menos da Sagres. Mas acabarei por gostar.
Ninguém contraria o marketing por muito tempo.
Ninguém contraria os fabricantes de bem fazer
o bom cidadão.
E tudo graças ao marketing.

Fernando Namora
in Marketing
Publicações Europa-América, 2002, pp. 11-16



Alguém conhece outros poemas abordando a temática da publicidade?

Massa Crítica às 18h00

Mesmo vivendo na cidade das Bugas, desconhecia por completo a existência deste movimento:

Uma Massa Crí­tica (MC) é um passeio no meio da cidade feito em transportes não poluentes. Realiza-se sempre na última sexta-feira de cada mês às 18h00, partindo de um local pré-determinado.

As MC também são conhecidas nos países lusófonos como bicicletadas porque a maioria dos participantes desloca-se em bicicleta. O termo Massa Crítica é mais apropriado porque se encoraja a participação de pessoas que se deslocam de outras formas não-poluentes: patins, skate, trotinete, etc.

As Massas Críticas são passeios auto-organizados e independentes - geralmente apenas o local de encontro, o dia e o horário são definidos. Em algumas cidades, o trajecto, o ponto de chegada e as actividades ao longo do percurso são decididas somente quando o evento já esta ocorrendo. Claramente existe um carácter de protesto nesses eventos: os participantes demonstram, reunindo-se em público, as vantagens de usar a bicicleta como meio de transporte nas cidades e alertam para as mudanças necessárias no espaço urbano para melhor acomodar os ciclistas.

A Massa Crítica evoca uma situação comum na China: por exemplo, num cruzamento, quando um ciclista pretende atravessar por entre uma linha de tráfego para seguir o seu caminho, espera que se junte a ele um grupo numeroso de outros ciclistas que queiram ir no mesmo sentido, para que possa então dar seguimento ao seu sentido de circulação.


Massa Crítica em Aveiro
- Acontece sempre na última sexta-feira de cada mês;
- Hoje: início de encontro na Praça Joaquim de Melo Freitas (ao lado dos Arcos) a partir das 18h30; saída às 19h00.


Em Coimbra, Lisboa e Porto
Em Chaves
Em Portimão
Boa Bicicletada! :)

Mário Tendinha - Gandaqueda
Nankim acrilico sobre papel - 38x46cm